Entenda mais sobre esse enigmático personagem.

Alerta de spoilers da 4ª temporada!

Quando Esther, uma adolescente de 14 anos está sendo abusada sexualmente por seu marido idoso e por outros homens que seu marido traz, ouvimos a frase “talvez não haja bons homens em Gilead”. Difícil argumentar contra isso, afinal vemos atrocidades atrás de atrocidades contra as mulheres todo o tempo em Gilead. Na quarta temporada de The Handmaid’s Tale, June Osborn gentilmente diz a ela que acha que há bons homens em todos os lugares. “É simplesmente complicado. Gilead torna difícil ser bom”.

June está certa em todos os aspectos. Apesar de toda a piedade performativa de Gilead, a bondade não é algo valorizado pelo sistema deles. O regime é cheio de crueldade e impede a solidariedade, na verdade a pune muitas vezes com morte. Após sua sangrenta tomada de poder, os dissidentes foram exterminados e a desobediência passou a ser punida com a morte. Qualquer pessoa que sobreviveu até este ponto – sete anos na quarta temporada – encontrou uma maneira de viver com coisas inescrupulosas, seja como um prisioneiro de Gilead ou um colaborador em sua brutalidade, ou como no caso de Joseph Lawrence, ambos.

O personagem de Bradley Whitford é a pedra angular do edifício de Gilead. Ele faz parte da classe dos “Comandantes” e é chefe de uma família rica. Economista, ele co-projetou o mecanismo da Gilead e tem participação na política externa e doméstica, direito, segurança e comércio internacional. Seus livros sobre a crise de infertilidade e economia de exportação antes do golpe foram uma grande influência na formação do sistema das Aias. Seu trabalho legitimou um processo pelo qual mulheres e meninas tiveram seus direitos extintos, foram presas e estupradas para reverter a queda nacional na taxa de natalidade. Considerado pela nefasta Gilead um sucesso, ou seja, o Comandante Lawrence foi um dos grandes responsáveis por TODA a monstruosidade de Gilead, por arrancar os direitos das mulheres, sua dignidade, livre arbítrio, transformando-as em Aias, e arrancando seus filhos. Venhamos e convenhamos, ele é o arquiteto das maiores atrocidades de Gilead contra as mulheres.

Ainda sim inicialmente o Comandante Lawrence não aparece como um personagem amoral, nem um vilão de The Handmaid’s Tale, ele é o único que trata June de forma melhor e percebemos que parece arrependido do monstro que criou. NÃO, ISSO NÃO É DESCULPA SUA PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE GILEAD.

Na quarta temporada, tanto Nick quanto June explicitamente dizem ao Comandante Lawrence que ele ele é um bom homem, isto é,  em relação aos outros Comandantes, acho que é mais honesto dizer não que ele é bom, mas menos pior do que os outros e que passa por um arrependimento pelo que ele mesmo criou. É verdade que em várias ocasiões, Lawrence foi decente. Ele era dedicado à sua esposa Eleanor antes de ela tirar a própria vida, ele não forçou suas Aias a participarem da Cerimônia e arranjou os meios para a fuga de Emily para o Canadá. Ele também ajudou June, fechando os olhos para a rede Mayday que operava em sua casa e facilitando o resgate de 86 crianças.

Comandante Lawrance The Handmaid's Tale
Imagem: Hulu

Ainda assim, Lawrence parece “pairar acima do reino do certo e do errado”, como um pragmático sem escrúpulos em causar danos se atingir um determinado objetivo. Ele apoiou ataques aéreos em Chicago que garantiam a morte de civis, ele ofereceu Janine para tia Lydia como se ela fosse um brinquedo para saciar os impulsos sádicos dela. E, embora, pessoalmente ele nunca tenha encostado um dedo em Esther, de 14 anos, e em outras mulheres, como um dos arquitetos do processo que permite o abuso contínuo dela e de inúmeras outras mulheres e meninas, ele também é responsável por isso. Fora de Gilead, como Eleanor explicou à June na terceira temporada (como o motivo pelo qual eles não puderam sair) Lawrence seria julgado como um criminoso de guerra, que é o que ele é, sem dúvidas.

Lawrence está consumido pela culpa por dentro? Seu comportamento casual e improvisado não sugere isso, mas a atuação de Bradley Whitford deixa espaço para interpretação. Quando tia Lydia exigiu a custódia pessoal de June caso ela fosse recapturada, Lawrence concordou, apesar de saber o quão bárbaros seriam os castigos de Lydia, dizendo: “Posso viver com isso”. Ele tem convivido com muitas coisas, ao que parece, incluindo o conhecimento de que ajudou a criar o sistema que destruiu a sanidade de sua “amada” esposa (e digo amada entre aspas porque ele não parece ter levado em consideração sua esposa quando construiu uma monstruosidade como Gilead).

De vez em quando, Whitford permite que o sentimento real invada o tom irônico e alegre de Lawrence. Na quarta temporada, no episódio três, Lawrence diz a Nick para seguir em frente em relação à June. Quando Nick diz que não pode, o Comandante diz “Eu sei” de uma forma que nos diz que ele também não pode seguir em frente com a perda de sua esposa. No final de um telefonema com June no episódio nove, Lawrence diz a ela a mesma coisa sobre sua filha Hannah. “Tente ser grata por estar livre e siga em frente”, diz ele antes de desligar e acrescentar: “Se você puder”. Um dos erros dos Comandantes ao criar o sistema das Aias, disse Lawrence à June, foi não levar em consideração o amor materno. Por mais distante que pareça, o amor é algo que o comandante Lawrence parece estar começando a entender (um pouco) apenas agora.

Em resumo, o personagem é uma massa de contradições, o que o torna imprevisível, ótimo de assistir e sem dúvida ótimo de interpretar. No arco da quarta temporada, Lawrence começou sob custódia, enquanto ele esperava a punição pela fuga em massa de crianças que June liberou sob sua ajuda. Graças a Nick, foi concedida a suspensão da execução. Tendo sobrevivido ao que ele presumiu que seria sua morte, agora há uma sensação de intrepidez diabólica em relação a Lawrence. Ele já perdeu Eleanor, quase perdeu a vida, e o que ele tem a perder agora?

Isso poderia explicar a aliança arriscada que Lawrence forjou com tia Lydia nesta temporada. Ela o chantageou por suas transgressões para ser readmitida à frente do Centro Vermelho, e ele usou sua sujeira nos outros Comandantes para voltar ao Conselho. Sua proposta para tia Lydia foi: “Vamos consertar este país, vamos consertar as coisas novamente, juntos”. Essas palavras foram simplesmente concebidas para apelar ao patriotismo de Lydia, ou ele está realmente em uma missão? E se sim, qual é ela? Ele quer que Gilead prospere ou caia? Sinceramente, acho que o Comandante Lawrence, agora que perdeu muito, acho que ele quer no momento o seu próprio bem, e isso significa aceitar e fazer atrocidades. E o público quer vê-lo punido ou redimido?

Eu quero que toda Gilead caia e seja punida, mas vamos ver como as coisas se desenrolam, sabemos que provavelmente nem tudo acabará 100% bem, característico desse tipo de narrativa. Mas sem dúvida estamos falando de uma série sensacional.

Traduzido e adaptado sob a perspectiva da autora de Den of Geek

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