Assassinos da Lua das Flores retrata o período em que diversos membros da milionária nação Osage foram mortos misteriosamente 

Concorrendo ao Oscar na categoria de Melhor Filme em 2024, Assassinos da Lua das Flores é um longa do diretor norte-americano Martin Scorsese baseado no livro de mesmo nome do autor David Grann. O filme, exibido pela primeira vez em maio de 2023 no Festival de Cannes, retrata a onda de assassinatos de membros da nação Osage em Oklahoma, durante os anos 20. 

David Grann e seu livro Killers of the Flower Moon. Imagem: West Vancouver Memorial Library.

Entre 1921 e 1925, pelo menos 60 pessoas foram dadas como mortas ou desaparecidas, entre elas membros da tribo Osage, investigadores e testemunhas dos casos. Entretanto, estima-se que o número de vítimas seja bem maior, uma vez que mortes que antes foram vistas como naturais, mais tarde seriam associadas a envenenamento. Depois de muita negligência por parte das autoridades locais, o caso chegou ao governo federal e uma equipe de investigadores foi enviada a Oklahoma. Os homicídios se tornaram o primeiro grande caso da agência que mais tarde se tornaria o FBI.

A Riqueza dos Osage

Antes de serem encurralados pela marcha dos brancos para o oeste, a nação Osage ocupava um amplo território entre os rios Missouri e Arkansas nos Estados Unidos. Porém, durante todo o século XIX, os Osage e outras várias nações originárias se viram obrigadas a ceder seus territórios, ao mesmo tempo em que morriam devido às doenças trazidas pelos brancos, conflitos armados e a matança de seus rebanhos de búfalos.

Terras ancestrais do povo Osage. Imagem: The Osage Nation.

Em 1872, depois de serem forçados a deixar o Kansas, os Osage compraram aproximadamente 595 mil hectares de terra no que mais tarde seria o Estado do Oklahoma. Na esperança de finalmente serem deixados em paz pelos brancos, a escolha do território era estratégica: ali, a terra era infértil e ninguém se interessaria em adquiri-la. 

Entretanto, no contrato com o governo americano, os Osage incluíram uma cláusula que dava a eles os direitos de qualquer jazida mineral que pudesse ser encontrada em suas terras. A cláusula passou despercebida em um primeiro momento e a compra foi efetuada, mas quando petróleo começou a jorrar dentro dos limites do seu território, os Osage não demoraram a se tornar um dos povos mais ricos do mundo. 

Assassinos da Lua das Flores (2023).

O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DO FILME 

O Reinado do Terror

A fortuna originada da venda de petróleo era distribuída igualmente entre os membros registrados da tribo. Em caso de morte de um Osage, os direitos das jazidas passariam para os herdeiros imediatos do beneficiário, sendo eles indígenas ou não. Por isso, muitas pessoas se mudavam para a região em busca de casamento com membros Osage

Chefes e conselho Osage, por volta de 1909. Imagem: Sociedade Histórica de Oklahoma, Coleção W. P. Campbell, #2079.

A partir de 1921, casos de mortes de membros da nação Osage eram tantos e aconteciam em intervalos de tempo tão curtos que pelos quatro anos seguintes aquele período foi conhecida como O Reinado do Terror.

Charles Whitehorn foi visto vivo pela última vez em 14 de maio, sendo encontrado morto duas semanas depois em uma encosta com dois tiros entre os olhos. Sua esposa, Hattie, se casou com um homem branco chamado LeRoy Smitherman pouco tempo depois. Mais tarde, ficaria comprovado que a morte de Whitehorn foi orquestrada por eles para que tomassem posse da sua fortuna. 

Anna Brown, irmã de Mollie, uma das personagens principais do filme de Scorsese, também foi encontrada morta com um ferimento de bala na nuca. Pouco tempo depois, Lizzie Kyle,  mãe de Mollie e Anna, morreu do que mais tarde foi comprovado ser envenenamento. Poucos anos antes, em 1918, outra irmã de Mollie, Minnie, também tinha falecido do que foi chamado de uma “doença debilitante peculiar”. 

Anna Brown (Cara Jade Myers) em Assassinos da Lua das Flores (2023).

Em 1923, Henry Roan, um sobrinho da falecida Lizzie, morreu a tiros. Em março, a última irmã viva de Mollie, Rita, foi morta juntamente do marido, William E. Smith, e da empregada, Nettie Brookshire, em uma explosão na casa em que moravam.

Casa dos Smith após a explosão em 1923. Imagem: Arquivo Bettmann, Getty Images.

Com a morte de Minnie, Anna, Lizzie e Rita, toda a fortuna que possuíam foi transferida para Mollie, a única parente viva. Arrasada, Mollie também começou a apresentar sinais de uma doença misteriosa pouco tempo depois.

Da esquerda para a direita: Rita Smith, Anna Brown, Mollie Burkhart e Minnie Smith. Imagem: Museu Nacional Osage/Cortesia de Doubleday.

William Hale

Fotografia do verdadeiro William Hale. Imagem: Arquivo Bettmann, Getty Images.

Durante o período mais crítico e perturbador do caso, as mortes se estenderam para além dos Osage. Investigadores e testemunhas também eram ameaçadas e assassinadas misteriosamente. 

Quando Barney McBride, um rico petroleiro de confiança dos indígenas, viajou até Washington para solicitar uma investigação federal sobre a série de assassinatos, foi pego ao sair de um clube de bilhar e esfaqueado mais de vinte vezes.  Sua morte atraiu atenção nacional, e então as mortes em Oklahoma começaram a ser levadas mais à sério.

William Hale, interpretado por Robert De Niro em Assassinos da Lua das Flores (2023).  

William K. Hale, um pecuarista branco estabelecido na região, logo se tornou um dos principais suspeitos. Hale era dono de lojas e bancos, atuava como xerife reserva e também era conhecido por suas negociações financeiras exploratórias com o povo Osage, tendo ampla influência entre brancos e membros da tribo. Além disso, Hale era tio de Ernest Burkhardt, marido de Mollie.

Mollie e Ernest Burkhart. Imagem: Museu Nacional Osage/Cortesia de Doubleday.

Conforme as investigações avançavam, foi descoberto que Hale, com o conhecimento do sobrinho, arquitetou a morte da família de Mollie com o objetivo de mais tarde herdar os direitos relativos ao petróleo que seriam transferidos para Ernest. Mollie, inclusive, já estava sendo envenenada com esse propósito.

Com as investigações concluídas, foi provado que Hale estava envolvido nas mortes tanto da família de Mollie quanto no assassinato de Henry Roan, que tinha um seguro de vida no valor de vinte e cinco mil dólares cujo Hale era o beneficiário. Roan confiava em Hale e o considerava um amigo, e no seu funeral, Hale inclusive ajudou a carregar o caixão.

Henry Roan (William Belleau) e Ernest Burkhardt (Leonardo DiCaprio), em Assassinos da Lua das Flores (2023).

Hale, o sobrinho Ernest e John Ramsey, um vaqueiro local, foram detidos em 1926. O irmão de Ernest, Byron, e Kelsie Morrison também foram presos pelo assassinato de Anna Brown. Embora a maioria deles tenham sido sentenciados à prisão perpétua, responderam em liberdade alguns anos depois.

É dito no livro de Grann que muitos assassinos escaparam da justiça. Aliás, Hale e sua família não foram os únicos responsáveis pelas mortes. A conspiração por trás dos assassinatos dos indígenas envolviam banqueiros, mulheres e homens casados com Osages que pretendiam herdar os direitos do petróleo e outros membros da sociedade local que desejavam colocar as mãos em parte da fortuna Osage. Algumas mortes jamais foram explicadas e os responsáveis por elas não foram pegos.

Assassinos da Lua das Flores (2023)

Mollie se divorciou de Ernest durante os julgamentos e se casou novamente em 1928. Ela, que havia sido declarada “incompetente” pelo Estado (termo usado para designar membros Osage que para o Congresso não eram capazes de administrar o próprio dinheiro e por isso precisavam de um guardião branco para esse fim), foi liberada do rótulo e pôde usar a fortuna livremente. Ela morreu aos 50 anos, em 1937.

Em 1925, para evitar que mais mortes ocorressem e o Reinado do Terror se repetisse, o Congresso aprovou uma lei que proibia qualquer pessoa que não pertencesse à tribo Osage de herdar a fortuna derivada do petróleo. 

Da Vida Para a Tela

Scorsese trouxe com maestria e sensibilidade uma história tão terrível tanto para o povo Osage quanto para outras nações originárias dos Estados Unidos. Ao contrário de tantos outros filmes que se utilizam de histórias terríveis de grupos minoritários para colocar em foco a ideia de um “branco salvador”, em Assassinos da Lua das Flores, os Osage é que são colocados em perspectiva, sua cultura transbordando através da tela, bem como a dor e o medo que sentiram por tantos anos.

Osages comparecem à estreia em Nova York de Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, em 27 de setembro de 2023, no Alice Tully Hall no Lincoln Center. Imagem: Notícias ECHO REED/Osage.

Durante todo o processo de produção do longa, Scorsese conversou com os membros da tribo e fez mudanças no roteiro conforme se comprometia a contar uma história com o povo Osage, ao contrário de sobre eles.

Da esquerda para a direita: Yancey Red Corn, Chefe Standing Bear e Leonardo DiCaprio no 76º Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 20 de maio de 2023. Imagem: voanews.com

Muitos membros foram escalados para atuar como parentes do elenco principal que interpretaram os Osage, além de terem ajudado a criar figurinos fiéis e também ensinaram muito da língua Osage para Lily Gladstone e Robert De Niro. Gladstone, apesar de ter crescido na Reserva Indígena Blackfeet, outro povo originário, também precisou ser aprovada pelos Osage para interpretar Mollie no longa. 

Martin Scorsese com Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone e Robert De Niro no set de ‘Assassinos da Lua das Flores’. Imagem: Paramount/AppleTV+.

O filme retrata de maneira singular a frieza daqueles que orquestraram a morte de tantos em busca de dinheiro. A ganância dos brancos os levou a assassinar e expulsar indígenas das terras que ocupavam há séculos, até não sobrar quase nada. E quando o petróleo jorrou do único lugar que ninguém queria e que era dos Osage por direito, sua riqueza atraiu ganância e ódio que destruíram famílias inteiras.

Scorsese fez um filme poderoso, que fica com o espectador muito depois da última cena.

Fontes:

BBC

Rolling Stone

Tulsa World

UMKC – SCHOOL OF LAW

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