A pesquisa abrange os eventos de 2022 e 2023.

A CCXP22 foi a minha primeira vez no evento presencialmente e a minha primeira experiência com um “beco de artistas” de tamanho expressivo. Como pesquisadora de gênero e também como artista, minha maior curiosidade ali foi exatamente saber o quanto a CCXP tinha efeito sobre as vendas e a experiência de artistas pertencentes a minorias. O mercado de quadrinhos, por exemplo, é sabidamente dominado pelo gênero masculino e quase nunca artistas desta categoria que pertencem a grupos minoritários conseguem espaços equânimes, inclusive em premiações.

Esta pesquisa foi realizada no Artist’s Valley da CCXP22 e CCXP23, utilizando questionário gerado no Google Docs, focando como público alvo artistas que se consideram mulheres cis ou trans e ainda pessoas não binárias. Em 2022, obtivemos trinta e três respostas e em 2023, vinte e duas.

Para fins de estatística e comparação, em 2022, 13,6% dos inscritos do Artist’s Valley se identificaram como transgêneros, não-binários, gênero fluido, agênero e travestis, totalizando 58 artistas. No caso de mulheres (cis e trans), foram totalizados 144, representando 32% do total. Já em 2023, segundo o próprio site do Omelete, a participação feminina representou 34,50% dos artistas, um crescimento significativo de 3,51 pontos percentuais em relação ao ano anterior, enquanto as pessoas LGBTQIAPN+ totalizam 40,79%, com um incremento de 2,84 pontos percentuais em relação à edição de 2022.

O objetivo desta pesquisa é, basicamente, permitir uma análise baseada em dados quantitativos e disso extrair o quanto o evento consegue ajudar artistas minoritários a pertencer e lucrar. Importante salientar que não é intenção aqui afirmar que os resultados apresentados são absolutos.

Abaixo é possível conferir as perguntas e a média das respostas. Para facilitar a leitura dos dados, as porcentagens nos gráficos foram arredondadas.

Mesa da artista Ursula Dorada (@sulamoon/@ursuladorada) na CCXP23. Foto: Débora Carvalho

Sobre saldo positivo ao final do evento, levando em consideração gastos com deslocamento, hospedagem, alimentação e impressão/etc:

CCXP22 –  51,5% das respostas confirmaram que o saldo foi positivo.

CCXP23 – O percentual positivo aumenta para 68,2%.

Sobre aumento de engajamento/seguidores nas suas redes sociais desde o início do evento:

CCXP22 –  75,8% das respostas confirmaram que tiveram resultado positivo nas redes.

CCXP23 – O percentual positivo aumenta para 86,4%.

Sobre a sensação de estar num evento do porte da CCXP

CCXP22 – Respostas bastante divididas. Metade dos adjetivos utilizados são “gratificante”, “interessante” ou “incrível” e a outra metade em “desgastante”, “frustrante” ou “cansativo”.

É visível pelas respostas que o contato com o público torna a experiência melhor, especialmente tendo em conta o tamanho do público da CCXP: em 2022, a Omelete afirma que o evento teve 280.371 frequentadores e que na edição deste ano bateu o recorde, com 287 mil pessoas ao longo de cinco dias de evento.

Quem só percebeu retornos positivos considera não apenas o retorno financeiro, mas também a validação profissional. Na pesquisa deste ano, as respostas positivas foram mais enfáticas, e assumo que muito disso se deve ao retorno à “normalidade” após a pandemia – que sem dúvidas também gerou impacto devastador para a categoria, tanto financeira quanto emocionalmente. Tanto é que várias das repostas comentam sobre o fato de que os lucros obtidos na CCXP comporta parte significativa de suas rendas anuais e que o contato com o público causou emoção.

Quem respondeu negativamente frisou bastante na insatisfação com a situação do Álbum de Figurinhas (a UniversoHQ explica o que é o Álbum), que fez com que os consumidores focassem muito em acumular figurinhas para terminar a coleção e pouco em adquirir prints e livros, itens que dão mais retorno financeiro. Ainda nesta linha, parece ser consenso entre as respostas que quadrinhos e livros sofrem mais para vender, principalmente em detrimento de, nas palavras de uma das participantes, “quinquilharias”. De toda forma, as respostas negativas tiveram uma variação bem grande de gravidade: desde artistas que acham que o evento não compensa muito financeiramente, mas que a experiência foi ótima até artistas desabafando, tristemente, sobre a dificuldade de vender e a influência disso em quadros de depressão/intenção suicida.

A questão da dificuldade de utilizar banheiro, se alimentar e hidratar também foi constante.

Uma pequena parte destas respostas também demonstra desânimo em relação à competição com artistas maiores, em especial homens, mas sempre acrescentando que o contato com colegas do mesmo gênero/orientação sexual ajuda a aliviar a sensação.

CCXP23 – Respostas em sua maioria positivas. Entre o total de 22 respostas, apenas três citam cansaço ou desgaste. Artistas no geral comentam sobre sensação de acolhimento, conquista e validação – reflexo que atribuo ao fato das vendas terem sido melhores e também ao aumento da equipe de apoio contratada pelo evento (comento mais sobre isso aqui no site).

Acho importante considerar que neste ano, parte das respostas inclui participantes que são principiantes no evento ou que estão de volta depois de anos sem comparecer.

As respostas com feedbacks negativos comentam sobre lucros baixos em relação a edições anteriores e voltam à insatisfação quanto à correria e dificuldade de acesso aos banheiros – o que aqui assumo que muito se deve ao fato de que o evento cobra valores extras, que não são baixos, para artistas que desejam levar acompanhantes para revezar o tempo nas mesas.

Mesa do site Mina de HQ (@minadehq) na CCXP23, com Dani Marinho como expositora. Foto: Débora Carvalho

Sobre experiência com consumidores

CCXP22 – Respostas majoritariamente positivas ou afirmando que foram positivas no geral. As negativas comentam sobre consumidores grosseiros que só demonstravam claro interesse no Álbum de Figurinhas e sobre o incômodo com pessoas reclamando dos valores dos produtos.

No caso de mulheres, houve respostas explicitando machismo: as acompanhadas de parceiros homens viam pessoas se dirigindo a eles ao invés delas na mesa por assumirem que os autores seriam homens, apesar de existirem painéis e placas em cada mesa informando nomes dos artistas.

Uma das respostas positivas comenta sobre a emoção de saber como seu trabalho ajudou leitores a entender que precisavam procurar acompanhamento profissional médico.

CCXP23 – Respostas majoritariamente positivas ou afirmando que foram positivas no geral.

Algumas comentam sobre como o foco do evento, apesar do nome (Comic Con), não se centra na venda dos quadrinhos, mas em grandes marcas. Além disso, houve insatisfação como o posicionamento das estandes este ano, que deixou o Artist’s Valley como “corredor de passagem” ou próximo de estandes com muito barulho.

As respostas negativas discutem, novamente, o incômodo com pessoas reclamando ou “pechinchando” valores dos produtos ou se aproximando das mesas com alimentos que poderiam danificar os itens. Para além disso, uma das participantes reclama sobre a reação do público ao ver artes eróticas e sobre a dificuldade que se têm em tratá-las como arte legítima.

Sobre motivação pós-evento

CCXP22 – 90,9% das respostas afirmam ter motivação ao término do evento.

CCXP23 – Percentual positivo oscilou para 86,4%.

Sobre as razões para motivação ou falta dela

CCXP22 – Respostas circulam ao redor da motivação de estar de volta perto do público e como isso auxiliou na saúde mental e no “gás” para voltar a produzir. Algumas destacam a importância do evento para conseguir avaliar quais produtos dão mais retorno financeiro e que isso ajuda a fazer controle para as próximas edições ou outros eventos similares.

As negativas falam sobre dificuldade de deslocamento, altos custos de alimentação no evento, sobre terem seus trabalhos ofuscados ou confundidos com os trabalhos de colegas vizinhos, e também sobre trabalhos independentes serem ofuscados por trabalhos voltados mais para o campo das fanarts.

Quem tinha maior foco em venda de HQs e livros desabafa sobre a dificuldade dos itens saírem mais que os demais oferecidos, especialmente levando em consideração tempo, dedicação e custos de produção.

CCXP23 – Respostas afirmam no geral que o contato com o público sempre tende a ser positivo, gerar mais ânimo, e que o contato com outros artistas ativa a criatividade.

As respostas negativas comentam sobre lucros baixos por causa da localização e também pelo fato do Artist’s Valley “ter virado brechó” (no sentido de vender mais adereços e acessórios que obras de leitura independente). A questão do aumento dos valores de alimentação e custos de participação do evento permanecem uma preocupação considerável entre as respostas. A presença de artes geradas por inteligência artificial e o acesso precário de internet no pavilhão da SP Expo também foram critérios desabonadores para o evento.

Mas é consenso geral que os lucros financeiros costumam ser os maiores produtores de motivação para continuar e que as experiências positivas costumam superar as negativas.

Sobre já ter participado de outros eventos com Artist’s VAlley

CCXP22 – 63,6% afirmam já ter participado de outros eventos semelhantes.

CCXP23 – Percentual positivo aumenta para 86,4%.

Sobre a diferença entre outros eventos e a CCXP

CCXP22 – Respostas afirmam que, apesar da CCXP ser maior e mais lucrativa que outros eventos com o mesmo objetivo, é ainda um setor muito nichado e com muita “vibe masculina”. Aqui não houve consenso sobre a questão de organização: algumas respostas afirmam que eventos menores são mais organizados e fazem um trabalho melhor e mais atencioso de divulgação, outras afirmam que a CCXP é o evento com melhor organização. O fator de baixas vendas de HQs/livros também volta a ser discutido como negativa para a CCXP.

CCXP23 – Respostas discutem sobre a exposição para artistas ser menor na CCXP, sobre eventos menores e com entrada gratuita terem público mais diverso e terem menos “cara de elite”. Os comentários positivos são, em sua maioria, sobre volume maior de compradores e maior equipe de apoio.

Sobre conseguir vender mais na CCXP que em outros eventos

CCXP22 – 71,4% das respostas afirmam que conseguem maior lucro na CCXP.

CCXP23 – Percentual positivo aumenta para 76,5%.

Sobre qual gênero consumiu mais seus produtos

CCXP22 – Participantes informam que 72,7% dos consumidores são mulheres, 6,1% são homens e 21,2% são de pessoas cujo gênero não saberia afirmar.

CCXP23 –Participantes informam que 50% dos consumidores são mulheres, 4,5% são homens e 45,5% são de pessoas cujo gênero não saberia afirmar.

Sobre outros benefícios que a CCXP ofereceu

CCXP22 – Consenso geral é que o maior benefício é a divulgação.

CCXP23 – Respostas afirmam que os maiores benefícios são: lucro, visibilidade, aumento da base de seguidores/leitores e networking.

Sobre itens mais vendidos no evento

Em 2022, apesar das reclamações à respeito de adesivos, os itens mais vendidos são prints, postais e acessórios, incluindo bottoms ou pins. Já na edição de 2023, as vendas ficam quase totalmente pareadas, com exceção dos casos de prints e postais.

Sobre contato com demais artistas minoritários no evento

CCXP22 – Consenso geral entre expressões como “mais motivação”, “companheirismo” ou “sororidade”.

CCXP23 – Respostas afirmam o prazer de ter a companhia de pessoas semelhantes num evento lido como masculino, que o suporte entre si foi valioso e também sobre a importância de saber como seu próprio trabalho é visto por outras pessoas. Falam também sobre o tratamento entre artistas ser respeitoso e agradável, mesmo quando os vizinhos são todos homens.

Destaco as respostas que afirmam que a presença feminina/minoritária no evento ainda precisa crescer.


Leia sobre os altos e baixos da CCXP23 aqui no site!

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