Apesar de ser o favorito a Melhor Filme, Oppenheimer  não de veria ganhar o prêmio!

A cerimônia do Oscar 2024 acontece neste domingo, dia 10 de março. Como de costume, muitas opiniões têm sido expressadas sobre os filmes envolvidos na disputa. Alguns estão ganhando mais destaque, como Pobres Criaturas e Anatomia de uma Queda. Há debates sobre Barbie ter sido esnobado pela ausência de indicações a Melhor Diretor e Melhor Atriz. Entre tantas divergências de opiniões, uma acaba se sobressaindo das outras: Oppenheimer seria o Melhor Filme da temporada e merece ganhar o Oscar.

Como o título indica, eu discordo. 

Independente das minhas opiniões, é inegável que Oppenheimer é o favorito. O novo longa-metragem de Christopher Nolan ganhou o prêmio de melhor filme no Globo de Ouro, BAFTA, Critics’ Choice Awards, AFI… Sem contar as premiações de Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Elenco, Melhor Edição, etc. Em questão de público, Oppenheimer foi a terceira maior bilheteria mundial de 2023. Foram US$ 951 milhões arrecadados, ficando atrás apenas de Barbie e Super Mario Bros. O Filme

Sabemos que bilheteria não define todas essas premiações, até porque Super Mario Bros. O Filme não está marcando presença nas mesmas. Ainda assim, desde o lançamento de Oppenheimer, o filme despontava como um grande candidato. No site Rotten Tomatoes, agregador da opinião de inúmeros críticos e usuários, o filme ficou com 93% na avaliação da crítica e 91% na avaliação do público até o momento desta publicação. Para aumentar o hype do filme na premiação, Christopher Nolan nunca ganhou o Oscar de Melhor Diretor e, ao que tudo indica, este será o ano em que isso muda.

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Assisti ao filme ano passado e, caso tivesse feito uma crítica técnica na época do lançamento, ela teria sido majoritariamente positiva. Apesar do tempo de duração excessivo, Oppenheimer tem excelência em inúmeros quesitos. A produção é fantástica, a direção certeira, as atuações estão espetaculares, os efeitos de som fazem toda a diferença na experiência… Então por que, ainda assim, acho um erro Oppenheimer levar o grande prêmio da noite neste domingo?

Porque premiações não são apenas sobre excelência, são principalmente sobre as mensagens passadas.

Arte, nesse caso sendo expressada pela mídia do audiovisual, é algo subjetivo de se avaliar. Existem sim aspectos técnicos. Como roteirista, posso assistir a um filme e dizer se um roteiro está funcionando, para além do meu gosto pessoal. Especialistas em audiovisual conseguem avaliar aspectos de edição ou direção e apontar as falhas. A questão é que muitos filmes cumprem esses aspectos técnicos muito bem. Entre os indicados ao Oscar, a grande maioria atingiu a excelência técnica nas suas respectivas categorias. Como decidimos, então, quem foi o melhor?

Um exemplo de dois filmes que assisti: Pobres Criaturas e Anatomia de uma Queda, ambos fortes concorrentes e com várias indicações. Tanto Yorgos Lanthimos quanto Justine Triet fizeram trabalhos excelentes na direção desses filmes. Qual é o detalhe que será usado para decidir quem foi o melhor diretor? Pensando nos dez indicados a melhor filme, quais requisitos avaliamos para decidir quem deve ganhar? Como se decide o que torna um filme o melhor do ano? Já sabemos que não é bilheteria, se não o prêmio seria de Barbie e provavelmente não será. É o filme que cometeu menos erros? Que teve mais acertos? Que causou o maior impacto cultural? Como medimos esse impacto cultural?

No final das contas, entra na questão de gosto pessoal dos jurados. Não é à toa que muito se reclama do quanto a maioria dos jurados da Academia são homens padrão, o que impede uma visão plural dessas obras indicadas. Quando a excelência já foi atingida, o que resta é o quanto essas histórias nos tocaram. Ou, e esse é o meu argumento, o quanto achamos que essas histórias são importantes. 

Diante de inúmeros filmes que atingiram a excelência, onde o aspecto técnico não é empecilho para um prêmio, um jurado recorre ao que acredita ser mais importante. Pode ser o aspecto diversão, mas muitas vezes é a mensagem passada por aquele filme. Como é mostrado em Ficção Americana, outro indicado ao Oscar, o juri do prêmio de literatura do filme decide a melhor obra de acordo com as vozes que eles querem deixar em evidência naquele ano. Em uma cerimônia como o Oscar, uma das maiores, se não a maior, premiação de cinema do mundo, eleger um filme como o melhor do ano passa uma mensagem para o mundo todo. 

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Aqui chegamos em um ponto que muitos preferem ignorar, mas é impossível. Arte é política. Muitas vezes, as visões políticas dos jurados ficarão à mostra de acordo com o filme que eles elegem como o melhor. Porque o que é considerado a “mensagem mais importante” vai depender das nossas visões de mundo, por isso a diversidade nos júris desses prêmios é essencial.

E aí eu te pergunto: qual mensagem vamos passar premiando Oppenheimer como Melhor Filme de 2023, um ano em que começou um dos maiores massacres de Israel contra a Palestina?

Os Estados Unidos, e países de histórico colonizador de maneira geral, tem o costume de fazer filmes (e histórias) sobre tragédias em que eles foram os algozes. Histórias como Sniper Americano, focando na dor daqueles que trouxeram massacre e genocídio, porque “eles não tinham outra escolha”… Isso é mais evidente em filmes de guerra, mas a verdade é que a narrativa única branca e ocidental traz é uma política perigosa. Tá bom, muito triste você, criador da bomba atômica, fazer o que fez, mas e as pessoas que foram vítimas da sua invenção? Não é à toa que o diretor japonês Takashi Yamazaki (Godzilla Minus One) expressou que gostaria de fazer uma resposta ao filme Oppenheimer.

O novo longa de Nolan quer muito ser um filme que condena a guerra e a bomba atômica, enquanto mostra a vida do Oppenheimer de várias formas. Nesse segundo ponto, Nolan acerta em cheio. Já o primeiro… Não muito. Oppenheimer nos apresenta tanto o quanto “Oppenheimer foi forçado” a criar a bomba, que as consequências genocidas parecem um “triste mal necessário”.  Ao apresentar políticos falando “não bombardeie Quioto, passei as férias lá”, parece que Oppenheimer é um dos heróis, diferente desses políticos escrachados e que, infelizmente, não teve nenhuma escolha, quando ele tinha. Quando falamos de vidas e massacres, não dá para dizer “que pena, mas foi isso aí”, que vem sutilmente ao vermos a dor de Oppenheimer. Nenhuma história deve deixar de ser contada, mas será que ainda queremos os Estados Unidos e o audiovisual branco e ocidental ditando como vemos os horrores contra a humanidade que eles mesmo causaram? Yamazaki, faça a sua versão, por favor, ela me interessa bem mais.

Não é só em filmes de ficção que vemos um controle de narrativa. Desde que esse ataque de Israel contra a Palestina começou (mais um entre muitos outros ao longo dos anos), há uma tentativa da grande mídia de falar da situação como um “conflito complexo” e “mortes de todos os lados”, ou ainda “Israel tinha que se defender”. Para fazer um paralelo quanto ao que é dito de Oppenheimer no filme, “o que Oppenheimer/Israel podia fazer? Eles foram forçados”. A situação política da mensagem de Oppenheimer fica ainda pior quando lembramos que os Estados Unidos da América é um dos países que se posicionou inúmeras vezes contra o fim do massacre na Palestina. 

Entendo que muitas pessoas veem Oppenheimer como um filme contra a guerra e massacres, por isso mesmo seria uma escolha boa para ganhar como Melhor Filme. Também entendo que muitas pessoas acreditem que a questão da mensagem política não é tão relevante e não deveria “atrapalhar a arte”, mesmo que isso seja impossível. Porém insisto, escolher um vencedor é fazer um posicionamento e a posição tomada por Oppenheimer só é anti-guerra na superfície. 

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