Não é a primeira vez que a Academia é criticada por falhar em relação à diversidade.

O texto a seguir é a tradução de um artigo de opinião de Robert Daniels, para o jornal Los Angeles Times. O texto foi traduzido buscando manter a maior fidelidade ao comentário original.

Assim como nos anos anteriores de Selma: Uma Luta pela Igualdade (2014), Uma Noite em Miami (2020) e Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi (2017), as nomeações para o Oscar, uma hora cheia de euforia para alguns, trouxe frustração para as mulheres negras.

Não é a primeira vez que a Academia é criticada por falhar em relação à diversidade: a organização supostamente passou por uma busca profunda após 2015, quando April Reign tornou #OscarsSoWhite um marco cultural. O resultado foi um esforço nos anos seguintes para diversificar o corpo de votação da academia, que produziu vitórias marcantes como as de Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) e Parasita (2019) sendo premiados como Melhores Filmes. Para as mulheres negras, pouco mudou. Em toda a história do Oscar, a única atriz negra a ser premiada como Melhor Atriz foi Halle Berry.

Nenhuma mulher negra jamais foi indicada a Melhor Diretora (seis homens negros já foram, mas nenhum venceu). E até agora, apenas um filme dirigido por uma mulher negra – Selma, de Ava DuVernay – recebeu uma indicação a melhor filme.

Esse ano, o registro vazio se tornou ainda mais estarrecedor: o queridinho da crítica, Saint Omer, de Alice Diop, indicado francês para Melhor Filme Internacional, não chegou à lista final. A Mulher Rei, de Gina Prince-Bythewood, não apareceu em nenhuma categoria, nem mesmo nas áreas técnicas, em que vários especialistas esperavam um grande desempenho do épico filme histórico. Tanto Viola Davis (A Mulher Rei) quanto Danielle Deadwyler (Till – A Busca por Justiça) não concorrem ao prêmio de Melhor Atriz, após meses liderando a competição (apenas Angela Bassett foi nomeada, como Melhor Atriz Coadjuvante em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre).

Enquanto isso, Andrea Riseborough, empurrada por uma campanha de último minuto – que contou com celebridades publicamente se manifestando em seu favor – recebeu uma surpreendente indicação a Melhor Atriz pelo filme independente e desconhecido, To Leslie.

Ainda que seja fácil apontar o dedo em direção a Riseborough por ter tomado o espaço de uma mulher negra, sistemas quebrados persistem enquanto focamos nossa ira sobre indivíduos. Em vez de interrogar a campanha por Riseborough especificamente – por uma performance angustiante, eu ouso adicionar – alguém deveria fazer outra pergunta: O que isso quer dizer?

O que quer dizer quando mulheres negras fazem tudo que a instituição pede delas – jantares de luxo, exibições privativas da academia, encontros, aparições na TV e perfis para revistas – e ainda assim são ignoradas enquanto alguém completamente fora do sistema é premiada?

Antes do #OscarsSoWhite, a (defeituosa) lógica prevalecente era de que simplesmente não havia mulheres negras o suficiente fazendo filmes. No campo da direção, com a ascensão de DuVernay, Regina King, Dee Rees, Nia DaCosta, Chinonye Chukwu, Janicza Bravo, Mati Diop e várias outras, esse argumento foi obliterado. Além, é claro, de Davis e Deadwyler, Keke Palmer, Zendaya, Dominique Fishback, Taylor Russell e outras que contribuíram para a explosão de atrizes negras no cinema contemporâneo.

As mulheres negras sempre criaram. Mas sua elevada proeminência na Hollywood de hoje apenas demonstra que as desculpas para que não tenham destaque soam especialmente falsas.

Por que essa desigualdade persiste? Talvez os “eleitores” não estejam dando prioridade a esses filmes em sua densa pilha de obras. Ou talvez eles não estejam entendendo as especificidades culturais do trabalho. Mesmo com as mudanças, a academia continua sendo uma organização majoritariamente branca, afinal de contas.

Além disso, temos todos os importantes precursores antes do Oscar. A Directors Guild of America, por exemplo, nunca nomeou uma diretora negra em suas categorias principais, e estar fora das categorias principais é quase um golpe letal contra as chances de ser nomeada pela academia. Mati Diop, Alice Diop, Melina Matsouas, Radha Blank e Regina King receberam elogios por seus primeiros filmes, mas em toda a história da premiação, iniciada em 2015, Jordan Peele foi o único indicado a aquele prêmio que chegou a ser nomeado para um Oscar como diretor.

Apesar de atrizes negras terem se saído melhor em precursores como o Globo de Ouro, a Screen Actors Guild e o BAFTA provaram ser muito mais difíceis.

Nos últimos 20 anos, apenas uma mulher negra ganhou o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro (Andra Day), apenas uma venceu o SAG (Viola Davis, duas vezes) e nenhuma venceu o BAFTA.

Mesmo organizações gigantes de críticos parecem ter dificuldades com mulheres negras: A Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos EUA e as associações de críticos de cinema de Nova York e de Los Angeles jamais premiaram uma mulher negra como diretora. A última vez que a Sociedade Nacional de Críticos de Cinema premiou uma atriz negra como protagonista foi em 1972 (Cicely Tyson, por Lágrimas de Esperança). Isso aconteceu duas vezes com a NYFCC [Regina Hall por Support the Girls (2018) e Lupita Nyong’o por Nós (2019)]. A associação de Los Angeles jamais premiou uma atriz negra.

Ícone do cinema, Cicely faleceu em 2021 aos 96 anos.

Então o problema não é apenas da Academia. E também não surgiu com a campanha para premiação de uma atriz branca. Não, as raízes desse problema são profundas, e vão até campos fora do cinema:

Mulheres negras são constantemente estereotipadas como agressivas, barulhentas e pouco profissionais. Elas são criticadas por seus cabelos, unhas e roupas. Elas são hipersexualizadas. Elas têm menos chances de ser contratadas e ainda menos de conseguir uma promoção.

Se uma diretora como Gina Prince-Bythewood, uma criadora com décadas de filmes criticamente aclamados não consegue alcançar esse objetivo mesmo com um filme aclamado pelo público e apoio de um grande estúdio como A Mulher Rei – o tipo de filme que a Academia já premiou diversas vezes, como Gladiador (2000) e Coração Valente (1995) – então qual esperança podem ter as demais? Se Viola Davis, uma intérprete que poderia ser a Meryl Streep de sua geração, só consegue ser premiada como coadjuvante, mas nunca como protagonista, como em Um Limite Entre Nós (2016), quem conseguirá o prêmio principal? Por que o trabalho de mulheres negras continua sendo visto como inferior?

A partir da esquerda: Thuso Mbedu, Viola Davis, Lashana Lynch e Sheila Atim de A Mulher Rei. (Kent Nishimura / Los Angeles Times)

Como crítico, eu vejo que muitas das pessoas brancas bem-intencionadas assumem que o problema são pessoas racistas. Mas os problemas são sistêmicos, e então certamente boa parte daqueles que pensam estar “do lado certo” não parecem ter tão boas intenções quanto acreditam. Durante o verão de 2020, muitas pessoas brancas na indústria do entretenimento prometeram – assim como no #OscarsSoWhite – ser melhores. Com o retorno da normalidade, essas promessas desapareceram rapidamente.

Hollywood continua optando por fazer o limite do mínimo quando se trata de diversidade: como se fossem decorações nos pontos cegos de uma vitrine.

E de forma não surpreendente, esses esforços não chegaram nem perto de uma mudança sustentável. Poucos têm um real interesse em modificar o sistema que chamam de lar; um sistema que lhes oferece vantagens; o sistema que os tornou quem são.

“Pois como alguém sobrepuja, muda ou mesmo enfrenta”, perguntou Bell Hooks, “que você foi ensinado a admirar, a amar, a acreditar?”.

Cena de Enola Holmes, da Netflix.

Após a derrota das mulheres negras nas nomeações para o Oscar, todo o aparato de premiação merecia um prêmio próprio: O Menos Provável de Aprender com os Próprios Erros.


Texto traduzido e adaptado do Los Angeles Times.

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