Será que dá pra deixar esses filmes simplesmente existirem?

Mulher Maravilha 1984 teve a maior estreia nacional da pandemia COVID-19 até agora, e é o filme mais visto lançado como conteúdo VOD (video on demand, traduzido para vídeo em demanda, um sistema que permite ao espectador ter acesso ao conteúdo desejado na hora lhe for mais conveniente). Se você está nas redes sociais desde 25 de dezembro de 2020, provavelmente, já viu pelo menos uma das muitas discussões sobre o filme. Se você amou, odiou ou está em algum lugar no meio, você certamente encontrará alguém que compartilha sua opinião e alguém que não. Mas o discurso em torno do filme Mulher Maravilha 1984 já se transformou de uma discussão animada sobre o filme em algo muito mais tóxico… e, infelizmente, muito familiar.

Então, até então, Mulher Maravilha 1984 acabou sendo o primeiro filme de super-heroína com um orçamento grande dentro da pandemia, feito para atrair o maior público possível e para ser lançado em pouco mais que um ano (Joker obviamente não foi direcionado a crianças e adolescentes, Aves de Rapina também não, e Os Novos Mutantes foram… bom, Os Novos Mutantes). Com tanto acúmulo e entusiasmo em torno da sequência de WW e depois de todos os atrasos (o filme deveria originalmente ser lançado em 2019, antes mesmo da pandemia começar), era inevitável que as reações fossem desde pessoas super felizes em ver um novo filme de super-herói que elas adoram, não importa o quê, para pessoas com expectativas altíssimas que seriam impossíveis de atender, não importa o quê.

O que estou dizendo é que era certo que haveria um discurso em torno do próximo grande filme de super-herói, seja lá qual fosse. E sempre haveria um discurso em torno de Mulher Maravilha 1984, dado que o filme é bastante diferente em relação ao seu antecessor, em muitos aspectos, e fez algumas escolhas bem questionáveis ​​quando analisamos na melhor das hipóteses. Mas olhar para o meu feed do Twitter, e ver todos os debates e as cenas do trailer do filme não me enchia de pavor como costuma acontecer… Na verdade, me deixou meio… feliz.

As pessoas estavam falando sobre o roteiro e os personagens do filme. Eles estavam discutindo se o cenário da década de 1980 era realmente justificado ou não. Eles estavam debatendo sobre a quantidade de cenas de ação no filme e se deveria ter havido mais, ou se funcionava melhor com menos luta e mais conversa.

Em suma, eles estavam tratando este filme de super-herói como um filme de super-herói e não um “filme de super-herói feminino”.

A discussão não era sobre o fato da protagonista do filme ser uma mulher ou de ser dirigido por uma; era sobre um filme que tinha destaques e falhas e questões levantadas que apenas aconteceram para ter mulheres em sua vanguarda.

Até que não foi.

Menos de 48 horas após a estreia de Mulher Maravilha 1984 no mercado doméstico, a discussão mudou para falar da qualidade do filme como se ele fosse um reflexo de todos os filmes de heroínas, para falar sobre super-heroínas protagonistas e sucessos de bilheteria dirigidos por mulheres como um todo (com algumas ameaças enviadas aos cineastas e aos críticos que gostaram do filme, por via de regra). Eu senti como se estivesse num inferno astral de novo, revivendo quando as pessoas estavam indo atrás de Aves de Rapina para dizer que ele tentava “forçar feminismo” ou outras bobagens do tipo – ou revivendo março de 2019, com os ataques que Brie Larson sofreu por não sorrir o suficiente em Capitã Marvel.

Imagem: Marvel Entertainment

Outra coisa que tem sido um problema é a transformação do feminismo em armas por motivos aleatórios. Isso é comum em filmes de super-heróis liderados por mulheres, especialmente agora que a DC e a Marvel lançaram grandes projetos com mulheres na linha de frente.

Embora seja ótimo que esses filmes tenham inspirado tantas pessoas a olhar para a mídia através das lentes do feminismo, muitos fãs de quadrinhos (principalmente homens) fingem se importar com a maneira como as mulheres são tratadas nos filmes como uma desculpa para elevar ou enterrar na empresa de sua escolha.

Isso tem sido feito principalmente naquela velha postura de colocar mulheres umas contra as outras, com ficar enchendo o saco com a discussão de quem é melhor, mais forte: “Mulher Maravilha vs. Capitã Marvel” ou “quem tem o melhor poder feminino” até agora, e já comecei a ver as pessoas jogando até a Viúva Negra na bagunça. (E eu sei que alguns caras envolvidos nesses debates não estão fazendo isso por influência de empoderamento feminino, e nem realmente se importam ou têm boas intenções, mas quando se trata de questões femininas, é melhor deixar que as mulheres conduzam a conversa. Se pensarmos que algo é degradante ou desconfortável como mulher, definitivamente não teremos vergonha de expressar nossas preocupações!).

Cada vez que um filme de super-herói liderado por mulheres é lançado, ele acaba sendo julgado como se fosse um referendo para questionar se mais filmes de super-heróis liderados por mulheres deveriam ou não ser feitos, em vez de serem julgados por seus méritos, pelo que realmente são: simples filmes conduzidos por uma super-heroína.

Nenhum outro tipo de filme parece ter tanto peso colocado em cada exemplo individual, e esses filmes não deveriam ter que suportar esse fardo.

É frustrante porque pensei que todo esse rolê ridículo já teria acabado a essa altura. Todos nós sabemos que 2021 deve ser um ano excepcional para os filmes convencionais dirigidos e protagonizados por mulheres. Os filmes de super-heróis, em particular, devem ser uma grande parte disso, com dois filmes da Marvel, Viúva Negra e Os Eternos, estando para ser lançados, ambos com foco em personagens femininas e sendo dirigido por mulheres.

Mas a pandemia mudou os planos de lançamento de todos esses filmes, exceto Aves de Rapina, com WW84 mudando as datas várias vezes antes de ter um lançamento híbrido de exibição teatral/doméstica (um destino semelhante ao do remake de Mulan da Disney, que também teve uma protagonista e foi dirigido por uma mulher). e os dois filmes previstos pela Marvel abandonando 2020 por completo.

Mas, embora 2020 não tenha corrido como esperado, sabemos que sucessos de bilheteria liderados por mulheres podem receber boas críticas e ganhar dinheiro. O primeiro filme de Mulher Maravilha obteve críticas estelares e arrecadou mais de U$800 milhões de bilheteria. Capitã Marvel recebeu boas críticas e ganhou mais de US$ 1,1 bilhão. Aves de Rapina também teve boa recepção da crítica e, embora sua bilheteria não foi das melhores, as pessoas o descobriram e têm valorizado ele cada vez mais por seu afastamento do estilo típico de quadrinhos. Por ser despretencioso como Deadpool, que está ali para te divertir e só, bem satisfeito só com isso. (aliás, Esquadrão Suicida ainda vai sair também e eu espero muito que dessa vez ele apague todo o desdém persistente do filme de 2016, que Aves de Rapina acabou recebendo de carona, até certo ponto.)

2020 deveria ter sido o ano em que mulheres que lideravam filmes de super-heróis ao ponto de deixarem de ser uma novidade para se tornarem normais. Só isso.

Em vez disso, acabamos descobrindo que ainda temos um longo caminho a percorrer. Felizmente, as mulheres não vão deixar a cena dos quadrinhos tão cedo. 2021 está programado para ter vários filmes legais e um monte de séries da Marvel na Disney+ (WandaVision está aí dando testemunho disso) com mulheres em papéis principais, com mulheres na cadeira de direção e como showrunners. E, obviamente, olhando para além de 2021, temos ainda um segundo filme da Capitã Marvel e um terceiro filme da Mulher Maravilha que já receberam luz verde.

Com tantos desses projetos definidos para colocar o foco em personagens que pertencem a minorias, será muito importante trabalhar para garantir que a conversa em torno deles se concentre nos pontos positivos e negativos dos próprios projetos, não se eles deveriam ou não existir. Eles precisam existir. Vamos ter certeza de que a questão não é se a representação diversificada na mídia de super-heróis (e todas as mídias) deve continuar, mas como essa mídia pode continuar a melhorar, avançando.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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