Cartel, drogas, lavagem de dinheiro e cassinos… as mulheres brilham em Ozark e isso deveria ser mais frequente.

Atenção: o texto a seguir contém spoilers das três temporadas de Ozark.

Ozark é uma série que me chamou a atenção pelo trailer, mas sempre desviei dela por tentar fugir dos estereótipos de séries envolvendo crimes e cassinos: homens em altas posições de poder matando outros por dinheiro, esvaziando toda e qualquer outra narrativa.

Resolvi dar uma chance, e de início a premissa parecia estar certa, mas tudo mudou quando me deparei com Ruth Langmore. A personagem mora em um trailer, com uma família totalmente fora do convencional e uma história pesada, fazendo com que ela sempre fique atrelada a crime, pobreza e fracasso. Apesar disso tudo, Ruth é implacável: faz de tudo o que pode para mudar sua posição social, corre atrás do que acha certo, desafia pessoas que estão acima dela quando está certa – e quantas! Marty Byrde, seu pai, o filho do chefe da máfia, seus primos… – e mostra que é possível, sim, ser uma mulher, de origem humilde, e chegar mais longe. Ruth começa a comandar a boate de strip, e logo sobe para o cassino, tornando-se uma personagem que cada vez mais toma conta dos negócios da família Byrde, sem deixar de buscar sempre atender a suas expectativas, levantando-se contra o seu pai, que se mostra totalmente manipulador. E quando pensamos, no auge da série, que ela é totalmente destemida, ela mostra, também, suas vulnerabilidades. Não apenas as físicas – afinal, ser torturada é algo que definitivamente é capaz de romper qualquer barreira de bravura – mas também as emocionais. Ruth luta muito pelas pessoas que ama, em especial seu primo Wyatt e seu breve amor Ben, irmão de Wendy Byrde, e mostra que isso não é fraqueza – muito pelo contrário: é preciso muita coragem para colocar sua vida e suas relações em risco para fazer o que é certo e, acima de tudo, ter a consciência tranquila.

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Ruth é, sem dúvidas, a mulher mais forte da série. Mas você logo começa a notar outras grandes influências, mostrando que todas podem brilhar.

Wendy Byrde, de início, parecia ser a clássica esposa que se sacrifica pela família e jamais ousa em se colocar em uma posição de poder. Contudo, as coisas vão mudando com o passar dos acontecimentos. Wendy resolve tomar a frente de alguns problemas quando começa a notar o envolvimento dos filhos com famílias do lago Ozark que considera perigosas, além do potencial risco do conhecimento deles sobre as atividades ilegais da família. Então, aos poucos, vai conquistando seu espaço e respeito pelas pessoas, impondo-se sempre que é necessário e lutando pelo que acredita. O que mais chama a atenção na personagem é sua exposição a um caso de infidelidade, que, de início, parecia ser uma crítica a seu caráter, mas que, ao ser assumido por Wendy, transforma-a. É a partir deste passo que Wendy resolve ousar e assumir cada vez mais o papel nas atividades da família Byrde, envolvendo-se com política e buscando a solução mais inteligente para os problemas que aparecem, dentro das suas possibilidades, cultivando a ideia de que, para não ser uma opção descartável ao cartel, é necessário provar o seu valor, especialmente político, que é capaz de garantir uma imunização mais certa.

Nada, em todas as temporadas, mostra tão bem o poder de Wendy Byrde quanto seu veredicto de que a família não deixará o lago Ozark, e toda a jogada arquitetada para segurar sua decisão.

Podemos notar que Wendy tem um ponto fraco – como todos nós possuímos os nossos: seus filhos. E é neste momento que Charlotte ganha destaque.

Charlotte Byrde, como uma adolescente, revolta-se com a notícia de mudança de Chicago para o lago Ozark, mas apresenta uma evolução surpreendente com o passar das temporadas. Ela retira o véu do preconceito que existe sobre a família Langmore e desafia limites constantemente, já que hipocrisia é algo que a amedronta profundamente. Ao ter conhecimento da atividade ilícita de seus pais, Charlotte chega até a contratar uma advogada para defender seu interesse de emancipação, adquire um furgão e luta por seus sonhos. E, também, não tem vergonha de voltar atrás em suas decisões, como mostra logo em seguida, tornando-se uma verdadeira mentora para seu irmão caçula e para Erin, filha de Helen, advogada do cartel.

Helen Pierce é uma personagem que é bastante subestimada e que vai provando seu valor e sua capacidade com o passar dos episódios. Helen é muito mais do que uma vilã – ela age conforme seus interesses. Tão encurralada pelo cartel quanto a família Byrde, Helen não hesita em defender os interesses de seu cliente e não mede esforços para demonstrar sua capacidade. Afinal, o Sr. Navarro, chefe do cartel mexicano, já não é muito chegado aos americanos, sobretudo mulheres dentro de um universo tão masculino. É realmente satisfatório ver Helen numa posição de poder tão elevada e não ser, em nenhum momento, questionada por razões sexistas.

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Eu não podia deixar passar outra personagem feminina de destaque, Darlene Snell. Uma vilã e tanto, podemos dizer. Darlene não faz parte do cartel mexicano, mas é arrastada para a situação por conta de seu marido, que faz negociações – contra a vontade dela, desde o início – com Marty Byrde.

Ninguém no lago Ozark passa ileso por Darlene. No momento em que seu marido foi baleado pelo cartel, muito embora parecesse a oportunidade perfeita para se livrar dele, Darlene não quis levantar suspeitas. Cuidou dele pelo tempo necessário e ela mesma finalizou o trabalho, sem qualquer espreita, inclusive do próprio cônjuge. Darlene não passa por cima de seus valores, não importa o que lhe ofereçam, e não desiste de seus sonhos – especialmente de ter um filho. Quando assume o papel de mãe de Zeke, Darlene não mede esforços para ser uma boa mãe, e enfrenta todos os preconceitos que a ela são impostos, especialmente pela idade e por não possuir um companheiro para a criação do bebê. Depois, quando vive uma relação com Wyatt, também não teme ser julgada pela diferença de idade, tampouco por ter vida sexual ativa.

No fim, Darlene é um ótimo exemplo de como mulheres podem, sim, ocupar todas as posições que buscam e seguir firme em seus sonhos, porque o gênero e, especialmente, as imposições sociais que o rodeiam, não determinam nada.

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Ozark tem um futuro evidentemente feminino. Meu palpite é que a quarta e última temporada revele isso. A série traz mulheres perigosas, mais poderosas, mais imperfeitas e, portanto, mulheres reais. Elas se defendem perfeitamente, seguem seus ideais, matam quantas pessoas forem necessárias e tomam decisões extremamente difíceis sem parecer um empoderamento forçado. E, acima de tudo, elas revelam suas profundas falhas, incessantemente, o que, no final, acaba se revelando como sua força.

Ozark é uma série oficial Netflix. O lançamento da primeira parte da quarta temporada está previsto para o dia 21 de janeiro.


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