Nossas emoções são nossa força.

Uma das mensagens mais duradouras e prejudiciais que aprendi quando criança foi que eu precisava controlar minhas emoções e que, se elas se expandissem além de um limite com o qual os outros se sentiam confortáveis, eu me tornaria indesejável, incapaz de trabalhar, irracional.

Garotas barulhentas se tornam mulheres barulhentas se não forem controladas desde o início. Mulheres barulhentas são perigosas, nós perturbamos, nos recusamos a absorver a dor em silêncio – um silêncio que apenas sustenta estruturas opressivas e seus beneficiários.

Capitã Marvel, estrelado por Brie Larson, me lembrou da mensagem que muitos de nós crescemos ouvindo e afirmou o poder de nos libertar do silêncio ao qual somos obrigadas.

Co-dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck, Capitã Marvel conseguiu realizar uma tarefa muitas vezes difícil: criar uma história com elementos feministas que pareciam sinceros em vez de apenas oportunistas.

Vamos relembrar: o enredo discorre sobre como Vers (Larson) é pega em uma guerra intergalática entre os Kree e os Skrulls em 1995. Treinada por seu comandante Yon-Rogg (Jude Law) como membro do Kree Starforce, Vers luta para manter suas emoções sob controle para se tornar “a melhor versão de si mesma” e tem pesadelos recorrentes de uma vida que ela não lembra como sendo ela própria. Durante uma missão destinada a extrair um agente secreto Kree infiltrado em uma facção de Skrulls, Vers é capturada e submetida a uma sonda de memória da qual ela consegue escapar em um cápsula de fuga que a leva a um pouso forçado na Terra, em Los Angeles. A presença de Vers atrai os agentes de S.H.I.E.L.D Nick Fury (Samuel L. Jackson) e Phil Coulson (Clark Gregg) à cena, lançando uma investigação sobre por que os Skrulls queriam acesso às memórias de Vers. Isso leva ela e Fury a procurarem a tecnologia misteriosa que os Skrulls estavam rastreando. Vers começa a desvendar a teia emaranhada de sua vida passada, descobrindo sua identidade como Carol Danvers, uma piloto da Força Aérea dos EUA que foi dada como morta após um acidente de avião com sua mentora, Dra. Wendy Lawson (Annette Bening). A investigação a leva até sua melhor amiga, a ex-piloto da Força Aérea, Maria Rambeau (Lashana Lynch). É lá que eles são interrompidos pelo comandante Skrull, Talos (Ben Mendelsohn), que revela que os Kree lideraram uma regra de opressão contra os Skrulls e outras formas de vida. Eles descobrem que a Dra. Lawson era uma Kree chamada Mar-Vell que se voltou contra o império Kree e estava trabalhando para ajudar os Skrulls a obter acesso à tecnologia (mais tarde revelada como o Tesseract que deu a Danvers seus poderes) para estabelecer uma nova casa longe do alcance Kree. Yon-Rogg foi enviado para matar Mar-Vell e o acidente foi usado como um encobrimento, e Danvers foi levada para o planeta Kree, sem memórias do passado. Então, Danvers, Rambeau e Fury se juntam à resistência dos Skrulls e são emboscados por Yon-Rogg e seus lutadores no laboratório de Mar-Vell. Depois de ser capturada pelos Kree, Danvers usa toda a capacidade de seus poderes, mergulhando na profundidade de suas emoções e empatia humanas, derrotando com sucesso a equipe Kree e se libertando de Yon-Rogg, inclusive de seu controle mental.

Jude Law como Yon-Rogg e Brie Larson como Vers/Carol Danvers | Imagem: Marvel

Muito do que Capitã Marvel foi capaz de nos mostrar tão facilmente é sobre como os homens controlam as mulheres por meio da condescendência, assédio, demissão, infantilização e do gaslighting. O papel de Yon-Rogg incorpora aquele típico comportamento masculino com o qual muitas de nós estamos familiarizadas. Suas demandas para que Danvers sufocasse suas emoções é algo que quase todas as mulheres já ouviram. Ele é a autoridade que considera a humanidade de Danvers como uma falha que deve ser eliminada porque sua emoção, compaixão e instintos acabariam por ser um perigo para a opressão liderada pelos Kree – ele está bem ciente de como Danvers seria perigosa se ela fosse capaz de lutar com toda sua força, então o controle dele é a única maneira de ele permanecer em uma posição de domínio. Yon-Rogg convence Danvers de que seus poderes seriam amplificados se ela mantivesse suas emoções à distância, lembrando-a de que “o que foi dado pode ser tirado” se ela se recusasse a se submeter. Sua supressão de várias partes de Danvers inclui uma grande dose de gaslightingexigindo que ela não siga seus instintos, mentindo para ela sobre suas memórias e forçando-a a questionar quem ela é e se suas emoções são válidas. Só quando ela finalmente reencontra Maria Rambeau é que ela começa a entender a profundidade de seu engano.

Lashana Lynch como Maria Rambeau | Imagem: Marvel

O relacionamento de Danvers com Rambeau e sua filha Monica (Akira Akbar) é vital para o enredo, é graças à amizade delas que ela consegue se conectar com mais do que apenas suas memórias, mas também sua humanidade e compaixão. O vínculo de Carol e Maria como duas mulheres que são a família e o sistema de apoio uma da outra é o que permite que Danvers reconheça o poder de usar suas emoções e empatia como uma lente para entender a situação dos Skrulls. A presença de Rambeau e suas palavras para Danvers subvertem a mensagem incisiva de Yon-Rogg de que, para ser o melhor de si mesma, Danvers deveria se livrar de suas reações emocionais.

Maria ajuda Carol a perceber como suas emoções e sua humanidade são, na verdade, sua maior força e a base de sua resiliência – não importa o quanto ela seja derrubada, ela sempre se levanta.

A supressão da humanidade e da empatia só pode alimentar um tipo de complacência neutra e continuar uma crença unilateral que pinta os oprimidos como inimigos da lei e da ordem.

Este não é um tema desconhecido; na verdade, é um tema que todos os oprimidos conhecem intimamente.

A desumanização das pessoas oprimidas por meio de uma série de leis, políticas, crenças, estruturas socialmente arraigadas e preconceitos perpetuam sistemas como a supremacia branca, o patriarcado, o capitalismo – e se exercem por meio do colonialismo, da anti-negritude, do racismo, xenofobia, ultranacionalismo, misoginia, homofobia, transfobia, capacitismo, da pobreza, se desdobrando em desastres ambientais e muito mais. Alimenta guerras, quer construir um muro, despeja e desloca pessoas de suas casas e terras, bombardeia escolas e hospitais, controla riquezas e esmaga revoluções.

Capitã Marvel conseguiu tecer o que conhecemos intimamente sobre a opressão que existe em nosso mundo e nos mostrou que o que nossos opressores mais temem é que usemos nossa raiva e nossa empatia para vingar aqueles que estão sendo prejudicados.

Incentiva a todos nós, principalmente, mulheres e meninas, a não ter vergonha de nosso leque de emoções, mas sim a reconhecê-las como uma fonte de força contra aqueles que nos dizem que nos tornam indesejáveis, inutilizáveis, irracionais.

Não é de se admirar que os mesmos incels que se mobilizaram para subestimar intencionalmente obras como Pantera Negra e Star Wars: O Último Jedi também deram críticas negativas para Capitã Marvel semanas antes de seu lançamento (falamos sobre isso aqui), porque misóginos e racistas sempre ficam furiosos com a ideia de uma mulher ou uma pessoa negra sendo centrada em um filme de super-herói – especialmente se essa personagem é posicionada como o ser mais poderoso em todo o Universo Cinematográfico Marvel. O Rotten Tomatoes foi forçado a alterar suas permissões para evitar esses tipos de acessos de raiva petulantes no futuro. E, felizmente, tem funcionado bem. Mas esse não foi o único problema na época: durante semanas, YouTubers homens postaram vídeos sobre como eles sabiam, sem dúvida nenhuma, que o filme seria terrível e que era absurdo como Brie Larson odiava homens brancos (algo que ela nunca falou, como explicamos aqui). O fato de o filme em si ser uma declaração sobre como os reclamantes deveriam ficar quietos porque suas opiniões não importavam, e o fato de que o filme lucrou um cifra bilionária, foi extremamente satisfatório – e ainda é bom lembrar disso.

Eu gostaria de imaginar que Capitã Marvel serve como um lembrete de que meninas e mulheres emocionais, compassivas, raivosas, resilientes, corajosas e barulhentas são perigosas para a supremacia branca, o patriarcado e o capitalismo.

Fico feliz que existam super-heroínas fictícios e não fictícios que nos mostram que nossas emoções são nossa força todos os dias.


Texto traduzido e adaptado do WearYourVoice.

Leia mais sobre a Capitã Marvel aqui no site!

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