K-dramas como catalisadores de mudanças na relação coreana com a saúde mental.

Em My Happy Ending (2024), a personagem de Jang Nara se vê em um tribunal onde é solicitado que admita que é bipolar. Ela escondeu isso por anos, mas decidiu parar de fingir. Ela opta por contar a verdade. Três em cada 10 coreanos enfrentam problemas de saúde mental, diz ela. My Happy Ending é uma das duas séries sul-coreanas lançadas neste começo de 2024 que se concentram em questões de saúde mental. Nenhuma é a primeira a lidar com o assunto, embora no passado essas séries fossem raras (ou com erros de visão sobre saúde mental).

A personagem de Jang Nara em My Happy Ending tenta esconder o fato de que ela tem alucinações

Historicamente, as atitudes predominantes em relação à saúde mental dificultavam que os coreanos iniciassem conversas sobre o assunto, imagine procurar tratamento. Mas parece que os tempos estão mudando de verdade. David Tizzard, doutor em Estudos Coreanos e professor na Universidade de Mulheres de Seul, ficou impressionado com a mudança das pessoas por lá.

“É absolutamente incrível como o olhar tem mudado em relação à saúde mental”, disse Tizzard. “Há apenas 10 anos, falar sobre saúde mental era um tabu social sério, visto como sinal de fraqueza, associado à falta de respeito pelos pais, egoísmo por se concentrar em problemas individuais em vez de metas nacionais mais amplas, e, o tempo todo, possivelmente acarretando repercussões sociais e econômicas, já que haviam rumores de que os registros de aconselhamento poderiam afetar o seguro de saúde. E agora, vemos a saúde mental não apenas como tema de dramas em horário nobre, mas também em uma série de livros e literatura populares coreanos, além de ser destaque nas músicas de k-pop.”

A mudança é menos surpreendente, comentou Tizzard, quando se considera que a Coreia não está à parte da revolução que tem acontecido em muitos lugares (principalmente num contexto pós-pandemia). “Embora muitos pensem na Coreia como uma cultura muito conservadora, presa ao passado e afundada em tradição, a verdade é pode ser bem diferente”, disse ele. “Este é um país e um povo que experimentaram intensas mudanças incríveis ao longo das últimas décadas. Ele teve três revoluções genuínas: econômica, política e cultural. O fato de estar passando agora por uma revolução sobre a saúde mental (de certa forma) faz parte da trajetória”.

As condições econômicas muito melhoradas também permitiram que mais sul-coreanos tivessem tempo e dinheiro para considerar seus sentimentos e buscar ajuda. Em 2021, Coreia do Sul liderou a maior taxa de suicídio dentre os países desenvolvidos. Recentemente tivemos casos infelizes como o do ator Lee Sun-kyun, de Parasita (2019).

“Onde o país costumava estar afundado na pobreza, Gangnam era simplesmente a lama, e a economia era uma das piores do mundo. Agora é um símbolo de riqueza e estilo para pessoas de todo os lugares”, disse Tizzard. “As pessoas agora têm um certo padrão de vida que lhes permitiu tempo para introspecção e análise. Isso não é fácil quando se está fazendo um trabalho exaustivo em uma fazenda ou sendo explorado nas fábricas e oficinas dos anos 60 e 70. Ao lado disso está o crescimento do individualismo. A colocação do eu como o fator mais importante na vida de alguém.”

Séries sobre questões de saúde mental contribuem para essa mudança cultural ou simplesmente a refletem?

Em My Happy Ending, a personagem de Jang precisa lidar com uma realidade instável, enquanto tenta administrar um negócio e criar um filho. Ela também precisa lidar com a vergonha que sente sobre sua condição e como isso pode afetar negativamente a maneira como as pessoas veem sua família. Com a ajuda simpática de outras pessoas, medicação e terapia, ela aprende a gerenciar sua condição e viver uma vida mais feliz.

“A personagem CEO de Jang Nara esconde sua doença não apenas de seu local de trabalho e sua comunidade, mas também de seu marido”, disse Jeanie Y. Chang, autora do livro que será lançado em breve How K-Dramas Can Transform Your Life (já queremos).

Os espectadores comentam que não entendem porquê a personagem de Jang Nara está escondendo a bipolaridade; querem vê-la ser mais aberta sobre isso. O programa está fazendo um bom trabalho ao destacar o estigma, que, na verdade, acaba desmistificando a saúde mental e a doença mental. Quanto mais contato com o tema em programas, mais familiaridade as pessoas terão.

Park Shin-hye e Park Hyung-sik (eterno Min Min) são os médicos Médicos em Colapso (Doctor Slump)

Outra série em que os personagens procuram ajuda psiquiátrica e tomam medicamentos é Médicos em Colapso (Doctor Slump, no original). Os personagens principais, ambos médicos, enfrentam a depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Uma médica, interpretada por Park Shin-hye (#Alive, 2020), está sofrendo de burnout, enquanto o outro médico, interpretado por Park Hyung-sik (Strong Woman Do Bong Soon, 2017), precisa lidar com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). À medida que os personagens se aproximam, eles se apoiam e ajudam mutuamente. Ambos também buscam ajuda profissional e medicação. Embora a família da personagem de Park Shin-hye fique surpresa com sua depressão e necessidade de tomar remédio, eles apoiam seus esforços e respeitam sua escolha.

“A protagonista feminina, Nam Han-eul, procura terapia com um psiquiatra para lidar com sua depressão causada pelo burnout“, comenta Chang. “Essa atuação reforça o comportamento de busca de ajuda, fornecendo aos espectadores uma representação muito necessária. Isso não é tudo. Através do personagem de Yeo Jeong-woo, o protagonista homem, os espectadores conseguem ter alguma visão de como o transtorno de estresse pós-traumático se manifesta após um trauma.”

De acordo com Chang, as séries podem promover conversas sobre esse tópico delicado porque os espectadores podem ver o processo se desenrolar em uma história. Isso pode tornar um assunto difícil mais fácil de entender e discutir. Algumas séries no passado discutiram questões de saúde mental, incluindo o drama de 2014 It’s Okay That’s Love (falamos dele nesse post aqui), no qual Jo In-sung interpreta um escritor de sucesso com um transtorno muito sério. O drama de 2020 It’s Okay To Not Be Okay (falamos dele também nesse post aqui) apresenta a escritora Ko Moon-young (vivida pela Seo Ye-ji) com transtorno de personalidade antissocial, que conhece um cuidador de um hospital psiquiátrico. Ambos os dramas ajudaram a desestigmatizar questões de saúde mental. Haverá mais k-dramas sobre saúde mental no futuro? Provavelmente, mas talvez nem sempre pelos motivos mais nobres.

A personagem Koo Moon-young de It’s Okay Not to Be Okay (2020) enfrenta uma série de traumas causados pelo convívio com sua mãe

“A saúde mental é um tópico aquecido e, por causa disso, lucrativo”, disse Tizzard.

“Há, portanto, a preocupação de que dramas e grupos k-pop incorporem a saúde mental em seus trabalhos não por causa de qualquer entendimento profundo ou ponto específico que deva ser levantado, mas sim porque é mais provável que seja popular/lucrativo se essa abordagem for adotada. Assim, a mídia pode desempenhar um papel positivo na geração de discussão, mas também pode contribuir para produzir conversas superficiais se feito incorretamente.”

Por enquanto, tanto My Happy Ending quanto Doctor Slump promovem suavemente a compreensão, a aceitação e a importância de buscar ajuda.

“No final, quanto mais conversas tivermos sobre saúde mental e doença mental, mais mudanças veremos”, disse Chang. “Normalizar e desestigmatizar, torná-los mais fáceis de serem discutidos, é fundamental.”

Onde assistir: My Happy Ending está disponível na Viki e Médicos em Colapso na Netflix.

Fonte: Forbes

Leia mais sobre dramas asiáticos aqui no Garotas Geeks!

Compartilhe: