A imagem do vampiro que pensamos hoje só existe por conta da escritora.

Neste domingo, dia 12 de dezembro, a autora Anne Rice faleceu aos 80 anos. Ela ficou conhecida por suas inúmeras obras de As Crônicas Vampirescas, que moldaram a imagem do vampiro que conhecemos hoje, mudando alguns padrões que já existiam na literatura desse gênero.

A literatura de vampiros possui uma longa história. Um dos primeiros trabalhos registrados é o The Vampyre, de 1819, de John Polidori. Essa obra foi muito importante para consolidar a imagem do vampiro da época, e que influenciaria muitas obras que viriam depois.

A imagem do vampiro na literatura era a do outro, do perigo, o inimigo na escuridão que devia ser temido, evitado e derrotado. Podia até mesmo representar um ser doente e nojento. Os vampiros também tinham características monstruosas, mesmo que tivessem uma versão mais “humana”.  Alguns exemplos dessas representações são Varney the Vampirede 1847, e Carmilla, de 1872, por Sheridan Le Fanu.

Imagem: Drácula de Bram Stoker

Um exemplo de uma das imagens mais memoráveis dos vampiros é o próprio Drácula. No livro de Bram Stoker, mesmo que Drácula seja um personagem muito importante para a história, a narrativa se foca em Jonathan e Mina Harker. Os conflitos são dos humanos, vemos os fatos pelo ponto de vistas deles e Drácula é o monstro, o inimigo a ser derrotado, aquele que precisa ser morto.

Mesmo tendo uma forma humana, Drácula tem o seu lado monstruoso. Ele pode se transformar em animais e sua expressão pode ficar mais monstruosa, principalmente se precisa enfrentar alguns de seus pontos fracos.

Adaptações de Drácula que vieram depois fortalecem essa ideia, inclusive no cinema, como é o caso do filme Nosferatu.

Imagem: Entrevista com o Vampiro

Então, em 1976, Anne Rice lança o primeiro volume de As Crônicas Vampirescas: Entrevista com o Vampiro, que ficou ainda mais conhecido com o filme de 1994. Na história, o vampiro Louis, de mais de 200 anos, conta para um jornalista toda a sua vida até aquele momento.

Agora os vampiros tinham uma nova representação, que pautaria muitas das histórias que viriam depois. Os vampiros de Anne Rice não eram mais o outro, ou os vilões (não necessariamente, alguns deles continuaram sendo bem malvados). Os protagonistas de As Crônicas Vampirescas eram os próprios vampiros. Além de ser um monstro e algo a ser temido, agora víamos histórias em que o ponto de vista era do vampiro.

Foi assim que vários elementos narrativos da simbologia do vampiro apareceram. O que é viver para sempre? Qual o peso disso para alguém? Como lidar com as mudanças ao seu redor? Como é ser um símbolo de uma época que já foi? Como é estar em um corpo que não corresponde à sua idade ou maturidade?

Os vampiros de Anne Rice eram uma moldura específica para trabalhar medos, receios e curiosidades humanas. Era mais fácil o público se relacionar com esses personagens.

Imagem: Entrevista com o Vampiro

Além disso, Anne Rice também trouxe elementos que não apareciam tanto em outras histórias de vampiros, como sexualidade feminina (nem sempre da melhor forma, mas né) e elementos que falaram com os leitores LGBTQIAPN+. Os vampiros não se sentiam parte da comunidade em que viviam e eram rejeitados mesmo quando não eram uma ameaça, que conversou com muitas minorias na época. Os relacionamentos entre os personagens não eram sempre explícitos como vemos em algumas histórias hoje, mas quem não shippou Louis e Lestat que atire a primeira pedra.

Gosto de dizer que, com Anne Rice, os vampiros tomaram uma forma de “planta carnívora”. São criaturas que assumem uma pose atraente, usando isso para chegar perto da vítima e, só quando a pessoa está completamente envolvida, ela percebe o problema em que está.

Depois disso, as obras de vampiros tomaram outra cara. Para além de monstros, seus pontos de vistas e conflitos eram relevantes para as narrativas. Um exemplo disso é o livro The Hunger, de 1981, que também virou filme (Fome de Viver, em português), onde boa parte da história se passa do ponto de vista de uma vampira, mostrando seu conflito em perder seus amantes ao longo de sua vida eterna.

No ano de 1982, George R. R. Martin lança Sonho Febril, uma história sobre um vampiro que busca distribuir uma “cura” para a condição que ele e tantos outros carregam. Ser um vampiro ainda pode ser visto como algo ruim, até uma maldição, mas são vemos isso dos olhos daqueles que passam por isso.

Em 1991, foi lançada a primeira versão do RPG Vampiro A Máscara, onde o jogador assume o papel de um vampiro de algum clã do jogo. Cada um deles possui um drama pessoal, a relação dos Toreador com a arte, os Brujah com a violência e os Gangrel com um lado primitivo e bestial. O drama central de todos é que, independente do clã, todos os vampiros sabem que um dia serão completamente tomados pelo monstro interior. E o que alguém faz diante dessa verdade?

Depois disso, veio uma infinidade de obras que tratam vampiros das formas mais variadas possíveis. Temos Crepúsculo, True Blood, Buffy- A Caça-Vampiros, The Vampire Diaries, Deixe Ela Entrar… O que não falta hoje são histórias de vampiros que passam as mensagens mais variadas possíveis, em muitas mídias diferentes.

Depois do boom de Crepúsculo, tudo indica de 2022 será o ano em que vampiros voltarão a estar nos holofotes. A própria Entrevista com o Vampiro ganhará uma adaptação nova, a Netflix lançará First Kill em breve, Carmilla tem ganhado novas versões e Drácula entrará em domínio público. É um ótimo momento para gostar de histórias de vampiros, e nada disso seria possível sem a influência de Anne Rice.

Leia mais sobre Anne Rice no Garotas Geeks.

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