O assunto está sendo representado cada vez mais em animações.

* O texto a seguir contém SPOILERS sobre Tenki no Ko, Promare e Frozen 2 *

A peça central de Tenki no Ko (Weathering With You em inglês ou Criança do Tempo em tradução livre no português), de Makoto Shinkai, é a perpétua e impiedosa chuva caindo sobre a cidade de Tóquio. Desde uma sequência no início do filme, em que o protagonista Hodaka quase é varrido para fora do convés de um barco por uma tempestade, até a estranha nevasca no meio do verão, fica claro que algo está seriamente errado com o clima da Terra. Desesperada por uma pausa na tempestade, a população da cidade está disposta a fazer qualquer coisa para poder aproveitar um pouquinho de sol. E em meio a uma crise climática, isso pode significar pagar a uma adolescente – a alegre “garota ensolarada” Hina, cujas preces podem afastar a chuva – para trazer os raros momentos de céu aberto.

O filme, lançado há poucos meses no Japão, e que agora começou a chegar as telonas ocidentais, entra para uma ampla lista de filmes animados recentes que abordam a preocupação com as mudanças climáticas. Embora isso seja bastante claro em Tenki no Ko, uma vez que o tema principal do filme é exatamente o clima, outros dois lançamentos recentes também tratam dessas questões: Promare, do Studio Trigger, e Frozen II, da Disney. Todos os três filmes abordam mudanças climáticas e ansiedade com abordagens diferentes, mas personificando uma variedade de fenômenos climáticos que estão “se defendendo” da humanidade. Em Tenki no Ko, é a indomável chuva. Em Promare, são chamas sencientes. Em Frozen II, são os hostis espíritos elementais da floresta encantada. Outros filmes como “Kaijuu no Kodomo”, do Studio 4C, e “Kimi to, Nami ni Noretara”, de Massaki Yuasa, ambos ainda não lançados no Brasil, também mergulham na onda da fúria elemental.

Mas a ideia de vingança da natureza não é algo particularmente novo, especialmente em animações japonesas. Como já comentados aqui no site, os filmes Princesa Mononoke (1997) e Nausicaä do Vale do Vento (1984), do Studio Ghibli, são particularmente afiados em relacionamentos de animosidade entre humanos exploradores de florestas e animais hostis.

Porém, os filmes mais recentes parecem ser reflexo do atual momento, em que as gerações mais novas são forçadas a lidar com as ações tanto de corporações quanto de políticas mais velhas e apáticas e seus criadores igualmente velhos e apáticos, que não aceitam ser responsabilizados por seu impacto sobre o planeta.

Imagem: Toho

E em todos os três filmes, os jovens protagonistas eventualmente entregam o controle para a natureza, resultando em consequências cataclísmicas que mudam permanentemente o relacionamento da humanidade com o mundo natural.

Tenki no Ko é o filme com maiores conexões com a crise climática dos três. A premissa do filme é relativamente simples: em uma Tóquio em que a chuva raramente para, o jovem Hodaka se une com Hina, transformando seu dom de atravessar as nuvens em um negócio lucrativo. Mas isso tem seu preço: sendo a última em uma longa linha de trágicas “damas do tempo”, Hina deve eventualmente ser sacrificada para que o sol volte de uma vez por todas.

Embora a animação do filme seja incrível, fica claro desde o início da história que a chuva é tanto sobrenatural em sua quantidade e persistência, quanto em sua natureza. Durante as sequências mais mágicas do filme, ela toma a forma de peixes e criaturas dracônicas monstruosas, variando entre algo divertido e ameaçador entre uma sequência e a próxima. A crise climática de Tóquio é sobrenatural, mas o ônus de resolvê-la é injustamente lançado sobre uma única jovem.

A narrativa de Frozen II funciona de maneira similar, forçando as irmãs reais Elsa e Anna a pagarem pelos crimes de seus ancestrais contra a natureza, junto de todo o povo de Northuldra, que vivem na floresta encantada. Após o avô das protagonistas, na época rei de Arendelle, construir uma represa em território Northuldra, as duas civilizações entraram em conflito, fazendo com que os espíritos sobrenaturais se irritassem e fechassem a floresta.

Até certo ponto, Promare cria um conflito similar. Em um mundo em que os “Burnish” (um grupo de humanos mutantes com o poder de criar chamas sobrenaturais) são usados como cobaias em experimentos, magma do centro da Terra ameaça consumir toda a superfície. O principal vilão do filme é um político conhecido como o “salvador da humanidade”, trata o magma como uma ameaça inevitável. Em vez de buscar uma forma de resolver o problema, ele constrói uma arca com a capacidade de salvar apenas 10 mil “escolhidos de elite”, e a faz funcionar utilizando os poderes dos Burnish. Após os protagonistas do filme – um poderoso Burnish e um bombeiro novato – descobrem que a atividade do magma está relacionada ao sofrimento dos Burnish, e então são obrigados a resolver uma crise climática e humanitária ao mesmo tempo.

Imagem: Toho

Cada um desses desastres é emocionalmente duro e pessoal, e representa os sentimentos de uma geração de jovens lidando com a (sem solução) ansiedade climática.

Uma pesquisa da Anistia Internacional em 2019 entrevistou 10 mil jovens entre 18 e 25 anos em 22 países e descobriu que as mudanças climáticas são o maior medo entre os jovens. Mesmo com jovens ativistas como Greta Thunberg liderando a mudança infelizmente necessária, os movimentos acerca das mudanças climáticas ainda são acompanhados do sentimento de impotência e falta de confiança nas ações individuais.

Para os jovens que sentirão na pele as consequências de um planeta mais quente a partir de 2050, a realidade climática é aterrorizadora e desmotivadora ao mesmo tempo.

As animações oferecem uma solução catártica, apresentando desastres naturais de forma fantástica, enquanto inserem elementos de nossa realidade. Frozen II tenta enfrentar a exploração colonialista dos povos indígenas em um conto de fadas, com certo sucesso. Ele foca em uma geração de jovens tentando resolver os problemas causados pelos crimes de seus antecessores, restaurando o equilíbrio da natureza. Não é difícil concluir que Promare é sobre a ascensão do fascismo em meio a crise climática, enquanto seus protagonistas destroem vingativamente a classe dominante que prefere fugir dos problemas a enfrentá-los.

Nos momentos de clímax dos filmes, a responsabilidade é depositada integralmente sobre jovens que devem sacrificar algo que amam a fim de consertar as coisas. Em Promare, os protagonistas Galo e Lio guiam uma onda de chamas benevolentes ao redor da Terra, extinguindo o fogo e deixando os Burnish sem os seus poderes. Em Frozen II, a princesa Anna decide destruir a barragem transgressora, ainda que saiba que isso causará a destruição de todo seu reino no processo.

Imagem: Walt Disney Studios

Tenki no Ko, no final das contas, é o que fala mais alto sobre o presente momento, canalizando o sentimento de uma geração que nunca pediu para ser responsável por salvar o mundo. Enquanto os personagens juntam as peças da “lenda da dama do tempo”, a vida de Hina é inicialmente tratada como algo necessário, um preço inevitável a se pagar pela normalidade. “Se você conseguir consertar esse tempo maluco com um sacrifício humano, eu ficaria feliz. Todo mundo ficaria”, afirma Suga, mentor de Hodaka, mesmo sabendo que os poderes aparentes de Hina significam que a lenda é verdadeira, e ele não fala isso de maneira abstrata. Ao final, Hodaka prioriza Hina acima de todos os outros, escolhendo salvá-la apesar de saber que está amaldiçoando Tóquio a desaparecer sob as águas da chuva perpétua. Sua realidade e felicidade têm motivos. “Eu quero você mais do que qualquer céu azul”, diz ele a Hina, enquanto eles caminham jubilantes entre as nuvens. “O tempo pode continuar maluco”.

Como resultado, Tóquio acaba se tornando cada vez mais inundada pela água. Navios substituem metrôs. Suga se muda de um escritório subterrâneo para um espaço apertado em um arranha-céu. Um antigo cliente abandona seu lar após sua vizinhança ficar submersa. E quando Hodaka visita uma mulher em particular, três anos após a chuva começar para nunca mais parar, ela solta uma pérola de sabedoria: “Antigamente, Tóquio era uma baía. As pessoas e o clima mudaram isso, pouco a pouco. Então, bem… eu acho que a cidade voltou a ser o que era antes”.

Em boa parte dessas animações, a natureza vence. A ela é permitido atingir alturas catárticas e apocalípticas antes de a normalidade ser restabelecida.

Mas enquanto esses filmes falam sobre o poder das jovens gerações em tomar decisões sobre o futuro, eles também falam sobre como nunca quisemos isso, pra começo de conversa.

Em breve, inundações e incêndios como esses serão mais do que apenas animações – e na verdade, entre eventos como as inundações em Bangladesh e os incêndios na Austrália, podemos afirmar que já fazem parte de nossas realidades.


Texto traduzido e adaptado da Polygon.

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