É muita gente pra decepcionar! Entenda mais do problema.

Falamos sobre o jogo de paquera Amor Doce anteriormente no site. Ele é originalmente francês, mas é distribuído no Brasil pela empresa Beemoov, um estúdio de jogos grátis em navegadores, celulares e tablets. Eu, pessoalmente, era declaradamente viciada nele, assim como outras 14 milhões de jogadoras inscritas. E agora que a vida da protagonista no ensino médio foi finalizada, acompanharíamos sua nova jornada na universidade, num flashforward de quatro anos.

Diga-se de passagem, Amor Doce foi um bom guilty pleasure por vários anos (eu mesma estou a mais de seis anos jogando) e nós jogadoras em geral acabamos nos apegando bastante, principalmente ao enredo e aos personagens, mesmo os antagonistas. Ver o jogo e o seu público amadurecer com o passar do tempo – por exemplo, desde as artes dos personagens ou complexidade da jogabilidade até as temáticas tratadas no texto do jogo – foi uma experiência recompensadora e divertida. Você normalmente não espera que um simples jogo de namoro vá tratar de forma séria temas como abuso parental, divórcio, bullying, sexualidade e outros vários assuntos que têm uma complexidade maior e precisam de mais delicadeza no tratamento – especialmente tendo em vista que a maior parte do público do jogo é formado de crianças e adolescentes com personalidade em formação. E ver essa iniciativa partindo de uma empresa privada era algo louvável.

Foram vários anos teorizando sobre os novos episódios do jogo, fazendo fanarts, escrevendo fanfics, sonhando acordadas, travando novas amizades.

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Os últimos episódios de Amor Doce High School Life foram bem emocionantes e bem merecedores daqueles famosos “chiliquinhos de fangrilisse“, não vou mentir. Mas como tudo que é bom acaba… Acabou. Foi meio triste dar adeus pra tantas lembranças, mas vida que segue – ainda tinha uma pontinha de esperança de não ser um final definitivo já que haviam surgido rumores que o jogo não terminaria ali.

E enfim, sua Docete (como é chamada a protagonista) se despede dos paqueras no baile de formatura da Sweet Amoris, no quadragésimo episódio.

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Daí começou o University Life. E com ele, o começo do fim. Eu poderia fazer um super textão aqui apenas problematizando os erros, mas preferi partir de uma abordagem mais formal, descrevendo como foi minha tentativa de jogar a nova versão de Amor Doce. E então, a partir disso, vocês podem tirar suas próprias conclusões.

E claro, é necessário entender ao menos um pouco da mecânica do jogo e conhecer seus personagens para compreender a resenha, então quem ainda não conhece pode ler o nosso post citado acima.

amor doce 1

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RESENHA COMENTADA

História e personagens

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A sinopse inicial do University Life é bem simplista: Seu pai foi transferido de cidade a trabalho e você (docete), logicamente, segue junto. A distância acabou esfriando seu relacionamento amoroso até que você e seu par fossem obrigados a seguir caminhos diferentes. Até o contato com seus amigos mais íntimos do ensino médio diminui bastante. Mas acontece de você voltar, 4 anos depois, para concluir sua graduação em História da Arte – uma influência do professor de artes de Sweet Amoris (Patrick), muito provavelmente. Você vai poder finalmente reencontrar seus amigos de escola, vivenciar fortes emoções e experienciar outras aventuras e desventuras, dessa vez com um viés mais adulto: sua docete tem que saber lidar de uma forma mais madura com outras pessoas na faculdade, conseguir emprego e outros temas que ainda estão em desenvolvimento nos episódios que estão chegando. Seus colegas estão mais velhos, muitos com personalidade bem diferente da época de escola – o que é normal, já que todo mundo muda com o tempo.

Acontece que já no lançamento houve uma grande discórdia: a nova versão não manteve todos os antigos paqueras do jogo original. Apenas Castiel permanece, junto com a (feliz) opção de ter a Priya como paquera, um professor da faculdade (Ryan) e um colega do seu possível primeiro emprego (Hyun). São personagens quase “fetichizados”: o dito paquera preferido do jogo, uma garota lésbica (pansexual), um adulto hierarquicamente acima de você e um asiático, respectivamente. Pode ser entendido como algo problemático, ainda que tenha sido provavelmente colocado no jogo por demanda popular. Obviamente, as que jogavam com Nathaniel, Lysandre, Kentin ou Armin ficaram completamente insatisfeitas. Enquanto isso, os responsáveis do jogo tentavam desenvolver a conversa: afirmaram que os jogadores “aprenderiam a amar” os novos personagens e acabaram revelando que ainda existia uma quinta possibilidade de paquera a ser desenvolvida e colocada no jogo – tudo dando a entender que seria o Nathaniel. A autora do jogo, ChinoMiko, tentou explicar em seu tumblr que não era possível fazer um data-gaming com mais de 5 rotas de personagens.

Lançaram o beta, surgiram muitas dúvidas e claro, apesar de tudo, o hype. As expectativas aumentavam a cada nova imagem que a empresa liberava publicamente, mostrando o amadurecimento de um ou outro personagem ou o design de algum personagem novo do enredo de University Life. Quando a versão pública foi ao ar, o jogo atolou de gente. Loguei na minha conta e fui vagarosamente tentando avançar na história. Como o próprio texto do jogo fala, novas situações causam ansiedades que podem ser boas ou ruins. Minha ideia inicial é que a nova plataforma estava bem bacana, com opções de fala mais compatíveis com a idade da protagonista: mais maduras, menos irresponsáveis. Os diálogos te davam perspectivas mais positivas de ver as situações e combinações interessantes de resultados. Nisso, uma evolução bem bacana do High School Life. Não há muito o que aprofundar nos personagens pois até agora apenas dois episódios foram lançados.

Prós:

Novos personagens significam novas aventuras, novas amizades e inimizades – mais construção e desenvolvimento de enredo. Considerando as novas possibilidades de paquera e afinal uma opção não-hétero de relacionamento, novos desafios – desta vez mais inclusivos. Apesar das mudanças, ainda existem conexões com o jogo antigo e isso dá um pouco mais de interesse pelo enredo.

Contras:

Como já falado, o fetichismo é problemático. Eu espero que não tenha sido essa a intenção da empresa, mas não consigo deixar de pensar que as escolhas foram bem emblemáticas. Já é de amplo conhecimento que relacionamentos lésbicos são fetichizados, mas como até agora o jogo tratou do assunto com respeito, acho que é ok. Gosto de pensar que a Priya já era uma opção que as próprias jogadoras já queriam como paquera e não que a empresa está colocando ela lá meramente pelo fetiche. Espero que a partir disso a empresa e a autora do jogo inclusive se aprofundem no assunto dos direitos LGBTQ dentro do texto do University Life. A questão do paquera asiático também gera um atrito parecido, já que personagens asiáticos na mídia costumam ser bastante estereotipados. Mas se isso for bem trabalhado, já vai ser outro ponto positivo para a empresa. Quanto ao Ryan, existe toda uma questão da ética profissional de um professor não poder se relacionar com alunos subordinados a ele, então não é só porque muita gente gosta de se imaginar na situação que ela é legal. Isso é um debate acadêmico inclusive (muitas faculdades até demitem professores que se relacionam com alunos), com um consenso de que depende da maturidade no casal pro relacionamento dar certo, especialmente se aquilo pode acabar prejudicando o aluno na escola/faculdade. Já o Castiel acho que foge um pouco dessa questão. Então espero que isso seja só o famoso “dê ao povo o que é do povo”, uma questão de representatividade (no caso da Priya e do Hyun). Até porque não há muito o que se fazer nesse ponto, só espero que a empresa trate esse assunto com cuidado no desenrolar dos episódios.

Alguns dos personagens antigos desenvolveram personalidades muito desagradáveis. É meio triste ver isso, especialmente quando envolve comentários machistas que podem influenciar negativamente meninas mais novas (vide Nathaniel e suas respostas mal criadas quando dá a entender que quer transar com a Docete).

Já retirar os demais paqueras do High School Life foi algo bem triste mesmo. E convenhamos, injusto. Quem passou anos jogando com um personagem preferido não tem tanta aceptabilidade assim pra alternar pra outra pessoa (desconhecida ou não), afinal de contas existe toda uma questão de afetividade aqui que acabou sendo ignorada. Entendo a decepção das demais jogadoras e me coloco no lugar delas. Tive a sorte do meu paquera ser o Castiel, teria ficado extremamente frustrada se ele não tivesse sido mantido (apesar de que ele foi mantido porém sua relação com ele foi rompida) e sinceramente estaria extremamente tendida a quitar mesmo. A graça de um jogo de paquera não é exatamente os laços que se travam entre sua personagem e o personagem preferido? É meio inevitável pensar que foi um desperdício o esforço para conquistá-lo. Então não faz muito sentido alterar essas possibilidades, se formos levar em conta apenas o ponto de vista do público. Mas se você for olhar o ponto de vista da empresa que possui o jogo, porém, dá pra chegar na conclusão de que essas mudanças pudessem instigar novos públicos ou mesmo jogadoras inativas ou mais silenciosas, por exemplo. Ou é só mais um “o jogo é meu, eu faço o que eu quiser”. Sinceramente, não sei dizer.

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Arte

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Como já é perceptível pelas imagens, houve uma grande alteração nos designs dos personagens e um desenvolvimento bem bacana dos traços e dos cenários. A paleta de cores do jogo parece mais vibrante e mais bonita.

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Fiquei realmente admirada e animada com as alterações e acho que essa é a parte mais bacana do University Life. O público e muitas vezes até pessoas que não jogavam Amor Doce eram bastante críticas em relação aos desenhos nas ilustrações liberadas no jogo e isso deve diminuir consideravelmente agora. Não apenas é um traço mais desenvolvido, mas melhor trabalhado também – em todos os sentidos que envolvem ilustração: cor e sombra, conceitos básicos de anatomia, moda e design de roupagem. E isso é ótimo. Outra coisa interessante a comentar é que, apesar dos medos de algumas jogadoras, o sistema do jogo ainda mantém uma certa liberdade de escolha de estilização da personagem, o que também é ótimo.

Houve também outra feliz mudança: as trocas de diferentes cortes de cabelos e diferentes cores de pele aparecerão nas imagens, finalmente!

Dá pra ver algumas dessas mudanças no próprio trailer da nova versão do jogo:

Prós:

A parte de animação dos personagens deixou o jogo mais interessante, isso é óbvio.

É um recurso mais atrativo, mais elaborado também. Confesso que achei super bacana perceber mais interação de expressões faciais nos personagens, mesmo que eu saiba que isso também seja uma coisa limitada – quase gif. Ainda assim, é um esforço que deve ser apreciado no trabalho da equipe do jogo. E já é um avanço fenomenal em comparação aos primeiros anos de Amor Doce e às imagens iniciais do jogo, com alguns errinhos básicos de ilustração. Mas a gente “perdoa”, tá tudo superado agora.

Contras:

Essa mesma animação dos personagens deixa o jogo bem mais pesado, especialmente se ele já estiver sobrecarregado de jogadores online, jogando simultaneamente. Muitas vezes o site dá falhas no carregamento do visual dos personagens, então mesmo se você tiver um bom computador de jogos, ele não vai corresponder. A opção que o jogo dá pra resolver isso é desativar a animação e jogar do modo tradicional, com imagens estáticas.

Outro ponto é que, apesar da minha admiração, muita gente não ficou satisfeita com os novos visuais dos personagens e teve algumas reclamações a respeito do rosto do Castiel, por exemplo. Isso talvez dependa mais de ponto de vista pessoal.

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Jogabilidade

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Aqui é a parte onde tudo vai pro ralo. O sistema antigo funcionava da seguinte forma, relembrando rapidamente: você precisava de pontos de ação para avançar no jogo e dólares para comprar roupas ou itens necessários para o avanço do jogo. A cada novo cenário que você avançava, você gastava dois pontos de ação. Cada vez que você logava no jogo, ganhava gratuitamente 15 PAs (pontos de ação) e 15 Dólares.

No entanto, no University Life esse sistema foi alterado de forma que o gasto dos PAs fosse em cada novo diálogo e não em cada novo cenário. A empresa justificou a mudança dizendo que tirava o prazer do jogo não poder movimentar melhor no mapa sem a preocupação de perder PAs. Então funciona assim agora: cada diálogo custa 2 PAs. Segundo a Beemoov isso possibilitaria que as jogadoras tivessem maior tempo concreto de jogo (conversando com outros personagens, explorando diferentes cenários, etc) e menos PAs perdidos procurando personagens ou um objeto escondido no cenário. Os PAs recebidos diariamente foram aumentados para 20, porém surgiu uma nova limitação: cada jogadora só poderia acumular 1000 PAs e dólares gratuitos – limite que não se aplicaria caso você gastasse dinheiro real no banco do site para comprar moedas ou PAs do jogo. Fora que o ganho de dólar gratuito caiu de 15 para apenas 5 – e mesmo que a empresa argumente que os itens estão mais baratos, eles veem em maior quantidade nos episódios então acaba sendo mais déficit que qualquer outra coisa.

Foram MUITOS protestos em todas as redes sociais possíveis sobre isso, não só das jogadoras brasileiras quanto também das espanholas e das francesas. Mesmo com o aumento dos PAs gratuitos diários, a conta final não fechava e deixava as jogadoras com menos tempo de jogo e menos interesse pelo diálogo, já que eles gastam seus pontos de ação. Esses protestos resultaram numa revisão do novo sistema de PAs, possibilitando o aumento de acúmulos de PAs e dólares gratuitos de 1000 para 3000, ganhos cotidianos de PA para 30 e outros mini-jogos que estão sendo desenvolvidos para ganhar dólares e PA gratuitamente. Só que infelizmente essas medidas não diminuíram o ônus que as jogadoras estavam tendo, afinal de contas o problema é que os diálogos continuam sendo um gasto desmedido de PAs. Os protestos das jogadoras continuam.

Eu tinha aproximadamente 1500 PAs no começo da University Life e eles não foram suficientes para terminar o segundo episódio, sendo que anteriormente com essa quantia eu conseguia terminar pelo menos 3 episódios, com alguma cautela para não errar rotas. Foi realmente frustrante a mudança, principalmente porque criei o hábito de acumular PAs exatamente para que eu pudesse aproveitar melhor os episódios e ter sobra para fazer replay com outro paquera ou garantir que eu conseguisse todas as imagens que eu tinha interesse. E isso não é mais possível. Juntei PAs por alguns dias mas eles se vão tão rapidamente que deixa uma sensação de insatisfação e desapontamento tão grandes que me desmotivaram bastante de continuar jogando.

Prós:

O sistema altera rapidamente do High School Life pro University Life, o que facilita muito a experiência do jogo de forma mais ampla. A segunda coisa é que, de fato, a liberdade de poder explorar melhor o mapa parece enriquecer bastante a experiência do jogo. Mas os prós na verdade acabam aí.

Contras:

No final das contas, o novo sistema ficou BEM mais caro para o jogador. Notoriamente existem muito mais falas que rotas no cenário do University Life e isso implica mais gastos de PAs, especialmente levando em conta que literalmente qualquer tipo de texto custa PAs, mesmo que não seja uma frase cabível dentro de um diálogo em si. Consequentemente, as jogadoras ficam mais preocupadas em quantos PAs um diálogo poderia gastar e no final das contas o tiro da Beemoov saiu pela culatra. A experiência de jogo se tornou mais angustiante. E de novo, bem mais salgada.

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Conclusão

Então, vamos para a pergunta que não quer calar: vale a pena continuar a jogar? Sendo bem direta: não, não vale. Infelizmente.

Se vocês me perguntarem, pessoalmente, eu sinceramente acho que com o novo sistema de PAs, não tem mesmo condições de continuar jogando. Eu, que sou assalariada, acho difícil gastar com jogo (que é coisa supérflua, apesar de ser fonte de entretenimento), mas ainda assim fazia um esforço, imagina quem é criança ou adolescente e tem pouca ou nenhuma condição de pagar para terminar episódios. Usar dinheiro real em jogos é uma realidade fora do alcance de muita gente e isso vai reduzir em muito o número de players ativos.

“Mas ué dona Liao, por que tu tá fazendo propaganda pra jogo que tu acha que não vale a pena?” – Vocês podem estar se perguntando. A resposta é que não é tão simples assim. Acho ainda que a história vale a pena, os personagens valem a pena, só não vale mesmo o novo sistema de gasto de PAs (além do ganho reduzido de dólares e mais itens para gastá-los) e eu só achei válido fazer o post pra dar visibilidade à revolta das jogadoras e porque quero acreditar que, graças à multidão de reclamações que isso está gerando, a Beemov ainda pode voltar ao sistema antigo. É uma possibilidade, que inclusive guarda minha continuidade jogando. Se a empresa cedeu um pouco, ainda existe uma pequena garantia de que ela ouça plenamente os pedidos das jogadoras, que são muitas.

Tem o problema do fandom de Amor Doce ser bem problemático às vezes, já que ele é cheio de crianças mal educadas e muitas vezes meio mimadas. Mas é uma porcentagem relevante das jogadoras? Acho que não. Acontece mesmo de ter gente tóxica em todos os nichos geeks e Amor Doce não é uma exceção. Só que isso não pode reduzir a importância das que se manifestam educada e civilizadamente, tentando serem ouvidas e demonstrando apreço pelo esforço da equipe do jogo.

Muitos jogos são acusados de utilizar sistema “pay to win” e Amor Doce conseguiu inovar o problema e transformar o jogo num “pay to play“. Não se pode culpar as jogadoras que estão totalmente frustradas e decepcionadas com um jogo que inicialmente era grátis, de uma plataforma que diz fazer apenas jogos gratuitos, mas que te força a utilizar o banco e gastar dinheiro real pra conseguir terminar de jogar. Ou mofar à espera de pontos acumulados gratuitamente.

Queria poder reencontrar o Castiel e não me importaria de reconquistá-lo. Mas não vai rolar. A menos que a empresa reconsidere, o que torço muito. Afinal de contas não foram mais de seis anos pra nada, eles importaram e vão fazer falta. Mas seguiremos o baile.


Créditos das imagens: Amor Doce

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