Animes pra reavaliar ou simplesmente passar longe.

Alerta de gatilho para: estupro, assédio sexual, violência e machismo.

Toda vez que criticamos animes com relacionamentos abusivos, a parte dos comentários que discorda sempre repete o mesmo argumento fajuto: “é só um desenho”. Como se qualquer entretenimento pudesse existir alheio aos valores da sociedade… Arte nenhuma tem essa capacidade – posso falar também porque trabalho com isso. Tudo que fazemos têm reflexos da nossa moral.

E o problema de animes é que, bem, eles têm muito da mentalidade problemática do Japão no que diz respeito a assédio sexual, romantização de abusos ou relacionamentos com menores de idade. E aqui é preciso abrir um grande parágrafo pra que essa explicação não caia numa interpretação racista: muitas dessas questões são também problemáticas sérias no Brasil.

Aqui parto do seguinte princípio: vivemos numa sociedade patriarcal machista, que afeta em vários graus cada país, dependendo de diversos fatores (nível socioeconômico, nível educacional, etc). Isso reverbera em todos os aspectos da nossa vida social, da forma que as mulheres são tratadas até como somos retratadas na mídia.

E o Japão toma passos tímidos em direção à equidade de gênero, já que sempre foi uma sociedade extremamente baseada no patriarcalismo, com um machismo nada velado. Entre as muitas consequências disso, faltam mulheres na política do país, então a legislação é branda quando o assunto é, por exemplo, punir homens cometendo crimes de gênero. Aliás, o número alto de assédios sexuais em transporte público ou a sexualização das mulheres asiáticas pelos próprios japoneses ou por homens ocidentais é um dos problemas mais gritantes quando vamos criar uma conexão com como a indústria de animes foi acomodando esses hábitos, dinâmicas e preconceitos dentro das animações.

Graças a isso, são poucos os animes antigos que conseguem sobreviver ao teste do tempo. Apesar de que hoje o Japão alcança todo o mundo com suas animações, e também que a indústria sofre uma pressão maior para alcançar os valores atuais de como vemos e tratamos mulheres, ainda existe um número alto de histórias japonesas lançadas em todas as temporadas que banalizam estupro, romantizam relações abusivas, sexualizam e objetificam mulheres, minimalizam ou simplesmente ignoram a pedofilia, reforçam a cultura do estupro.

Hoje, as mulheres que cresceram assistindo animes procuram histórias mais maduras, que fujam desse padrão de história acima citado – e não é para menos. São situações tão constantes que se torna frustrante, muitas vezes desanimador. É claro que existem boas obras que escapam dessas problemáticas, mas é sempre bom avaliar as que causam dano, para evitar que esses problemas se propaguem, que pessoas as consumam desavisadamente e também para que o fandom se conscientize.

Pensando nisso, trouxemos aqui uma lista dos 13 animes mais populares com romances que acenam muitas bandeiras vermelhas. Explicamos os problemas individualmente na esperança de abrir os olhos de quem um dia já viu e avisar quem ainda não assistiu. Segue a lista, começando do pior… ao menos pior:

1. Diabolik Lovers

O enredo de Diabolik Lovers é uma garota sendo sequestrada para servir de banco de sangue para uma casa de vampiros de boa aparência e péssima educação. A ideia básica desse anime, adaptado de um otome game, é servir como um harém de vampiros e poderia ser um enredo perfeitamente ok se feito com um mínimo de esforço – é só ver como Crepúsculo fez sucesso. No entanto, o anime e todas os episódios das duas temporadas são, com o perdão da expressão, um lixão completo. Ouso dizer que é a pior história de “romance” da indústria.

Nenhum personagem é desenvolvido ou explorado. A vítima de sequestro nunca tenta escapar. É apenas uma cena dela sendo sugada, torturada e abusada e em outra cena ela sendo sugada, torturada e abusada novamente. Um abuso físico e mental: eles vão pouco a pouco agindo de forma mais degradante, dizendo que ela é inútil e que a única razão pela qual eles a mantêm por perto é por seu sangue; que ela é uma “porca” ou o “gado” deles. Tratam ela como lixo durante todo o enredo – e o apelo do que era pra ser vendido como sexy nada mais é que um fetiche estranho com estupro e humilhação cotidiana de um punhado de garotos grotescos contra uma personagem passiva e indefesa.

De longe, o anime é um dos mais votados na internet como o pior e mais repulsivo que fãs de animação japonesa já assistiram. Alguns inclusive o colocam na categoria “tão ruim que assisto pra rir”, exceto que se você for mulher, tudo que vai sentir é nojo mesmo. O anime é uma abominação que só serve de diversão pra quem odeia mulher, desculpe dizer. Se você é homem e pensa que é assim que mulheres gostam de ser tratadas, pense novamente.

2. Ōkami Shōjo to Kuro Ōji

“Você terá que ser minha cadela”.

Escrever sobre esse anime chega a ser doloroso.

Com personagens que parecem muito próximos do visual dos personagens de Kaichou Wa Maid Sama (que aliás também figura esta lista abaixo), é fácil confundir os dois. A diferença é que Kaichou se esforça e isso aqui não. A relação entre os protagonistas é falha e há um total desperdício de romance na história. A sinopse explica que a protagonista mente para as colegas de escola sobre ter um namorado, então é obrigada pelo desespero a tirar foto de outro estudante para provar que não estava mentindo. Acontece que o garoto em questão percebe que ela tira a foto e impõe uma condição para fingir ser seu namorado: que ela seja sua “cachorra” e obedeça o que ele mandar.

O anime não só é ruim por causa dessa dinâmica bizarra de mestre/cadela, é ruim também porque realmente não faz nada com isso e nunca explica claramente por que diabos foi criado assim, pra começo de conversa. Os fãs afirmam que o personagem é um sádico que curte BDSM, mas qualquer pessoa com bom senso sabe que BDSM não tem nada a ver com isso e uma simples pesquisa no Google comprova. Existe toda uma gama de limites e regras nesse tipo de relação, que nem de longe aparecem no anime. Se trata de uma justificativa falha e ignorante mesmo.

Mas o pior é que a protagonista acaba desenvolvendo sentimentos por ele, numa referência um pouco óbvia para a Síndrome de Estocolmo. Então ela passar a justificar os abusos dele como algo que ele faz porque está “ferido por dentro”. E passa a agir como um centro de reabilitação do cara. Nós sabemos todas como isso termina: mal. Esse tipo de mídia é talvez uma das maiores razões de por que muitas mulheres, especialmente as mais novas, não conseguem identificar ou sair de um relacionamento abusivo.

3. Itazura na Kiss

“Tipo, você pode odiar alguém hoje, mas você pode acabar amando aquela pessoa amanhã” Não… Só não.

Itazura na Kiss apresenta um romance péssimo que vai nos dois sentidos: de um lado tem a protagonista, Kotoko, que depois de ser rejeitada durante sua confissão de amor, continua perseguindo e mantendo uma grande obsessão pelo cara. Do outro lado, temos Naoki, que não é, nem de longe, um príncipe. Se ele não está sendo completamente frio com Kotoko, ele fica enrolando a stalker, sem se dar ao trabalho de cortar o problema pela raiz. Acontece que a casa de Kotoko pega fogo e o único lugar que ela poderia morar era, claaaaro, na casa de Naoki. Então os sentimentos começam a se desenvolver, mas mesmo depois de começarem a namorar (aqui suspiro), as coisas só pioram. Naoki acaba ficando ciumento e possessivo, embora ainda seja frio com ela. E Kotoko continua tentando agradar um homem que a joga de um lado para o outro, se afastando e aproximando. De qualquer forma, se você pensar bem, esses dois formam um casal ‘perfeito’: o cara é um sociopata narcisista e a garota é uma masoquista com zero autoestima.

O que tem de tão errado nesse casal é que todo o relacionamento deles é baseado na codependência. O cara não tem respeito pela garota como ser humano, adora estabelecer seu “poder” deixando ela com ciúmes, e não hesita em agredi-la com um tapa, nem em fazer joguinhos. E Kotoko é carente a ponto de parecer delirante: ela se recusa a considerar a possibilidade de que a única razão pela qual Naoki se apega tanto a ela é porque ele se acostumou a ser perseguido e sabe que nenhuma outra garota vai servir tanto assim na profissão ‘massageadora do ego’; que ele dificilmente encontraria uma garota com um complexo de inferioridade tão grande, capaz de aceitar todos os abusos dele de forma tão passiva.

O anime é simplesmente e extremamente insalubre, promovendo ativamente relacionamentos disfuncionais, superficialidade e dependência emocional doentia.

4. Tonari no Kaibutsu-kun

“Dê um pio e eu te estupro”

A relação entre Shizuku e Haru é um pouco estranha, porque na maioria do tempo parece que eles se desgostam, porque são opostos. No início, Haru dá a entender que gosta de Shizuku, e então ela é ríspida com ele e o afasta. Shizuku então percebe que na verdade ela realmente gosta de Haru, e é assim que o anime segue, nesse vai e vem de alto mar, com direito a náusea e tudo mais. Basicamente, todo o relacionamento deles se torna um tentando afastar o outro.

Até aí tudo bem (dadas as circunstâncias dos demais animes na lista), mas então surge a fatal frase da imagem acima (notem, de um print retirado da própria Crunchyroll, com tradução oficial feita pela equipe do site). E aqui eu PRECISO falar que foram tantas vezes me deparando com situações assim que não me vêm outros sentimentos a não ser o choque, seguido do incômodo e da frustração. E daí eu simplesmente desisto de assistir.

E isso porque esse tipo de fala simplesmente está literalmente em todo lugar! Tendo já visto cenas assim se repetindo casualmente em mangás e em suas adaptações, não tive estômago pra continuar a história ou sequer dar a ela o benefício da dúvida. Se existe esse reforço para a cultura do estupro, já não vale a pena pra mim. Me sinto mal em pensar quantas adolescentes leram e ainda lerão histórias assim e serão influenciadas negativamente por elas caso não consigam abstrair esse tipo de fala.

Ao Haru Hide, vol. 3, cap. 10
Ouran Host Club, vol. 3, cap. 9

Para complementar o assunto, este artigo aqui de Valéria Fernandes explica em detalhes o problema com essas cenas, especialmente sobre como a violência simulada tem a ver com assegurar hierarquia, ou seja, como isso força a personagem feminina a ‘entender seu lugar’: “Ela deve assujeitar-se à sua condição de ser mais fraco e agradecer ao fato de que mocinho ‘não é como os outros homens’, mas alguém capaz de resistir aos seus impulsos naturais.“. A autora afirma também que esses exemplos não são casos isolados nos mangás.

Aproveitando o gancho do artigo, passo a discutir o próximo anime da lista.

5. Kare Kano

Kare Kano merecia estar mais no topo desta lista, mas coube melhor no texto aqui. Inclui um problema muito similar que em Paradise Kiss: mostrar estupro, muitas vezes sem torná-lo explícito, tudo de forma sutil, mas ainda assim violenta. Mas como também afirma Valéria:

Misturando humor, drama e romance, a série acompanhava o dia-a-dia de um casal de namorados, Arima e Miyazawa. Neste caso, não havia uma protagonista feminina, ambos eram o centro da história.

De forma bem realista, as personagens iniciaram a vida sexual logo nos primeiros volumes da série. Tudo sem alarde, sem coerção, ou as angústias presentes em uma parte considerável dos shoujo mangá de sucesso. A partir do volume 12 da série, no entanto, Arima começou a enfrentar uma forte crise familiar e seu psicológico ficou abalado. A namorada, Miyazawa, decidiu dar-lhe suporte, insistiu para manter o romance e, no volume 15, ocorreu algo que a maioria dos leitores da série não esperava, o rapaz violentou a namorada.

O estupro é explícito e toda a narrativa foi conduzida ignorando os sentimentos da moça, o drama, a dor maior, é a do rapaz que pratica a violência. Tendo consciência de seu ato, ele tenta tirar a própria vida e, diante da tentativa de suicídio do namorado, Miyazawa o acolhe e reafirma que nunca disse “não”, ou seja, ele não precisa se culpar, porque em nenhum momento a protagonista deixou claros os seus desejos. A partir deste acontecimento, o perdão, a vida do rapaz começa a voltar ao eixo, já a da moça, uma aluna excepcional e em quem todos viam um futuro brilhante, toma outros rumos: gravidez na adolescência, fruto daquele estupro, casamento precoce e uma carreira que nunca foi sonhada por ela. Em nenhum momento, a autora discutiu a dor ou as perdas de Miyazawa, é como se o amor que ela sente por Arima compensasse tudo.

O triste é que esse tipo de coisa a gente só descobre com a maturidade. Infelizmente. E depois de realmente perceber esses problemas no mangá, simplesmente não consegui mais olhar para ele, por mais que amasse a história à parte disso.

Sei que é possível analisar a história sob outras perspectivas, mas esses erros existem e não consigo ignorá-los.

6. Hana Yori Dango

A popularidade de Hana Yori Dango é algo absurdo, considerando o quão terrível é o relacionamento real entre os personagens. Revisando o texto, acho que fui muito boazinha colocando ele apenas na sexta posição… O mangá é praticamente o garoto-propaganda do tropo (felizmente morrendo na atualidade) de que homens ricos podem basicamente fazer qualquer coisa com você e você vai amá-los do mesmo jeito.

Vou pular a sinopse e só dizer que, ao longo da série, o personagem Domyoji tenta continuamente dominar a garota Makino, fisicamente ou através de seu dinheiro. Ele chantageia a família dela, a sequestra e basicamente tenta comprar seu amor. E o pior é que funciona… Eles se apaixonam, infelizmente. Aqui vale dizer que mesmo se não houvesse o dinheiro, Domyoji ainda é realmente um tipo de pessoa bastante desagradável: em uma cena em particular, ele vê um grupo de homens agredindo a protagonista e prefere NÃO intervir (volta depois de um tempo para ajudá-la e sai como o herói da história……….). Em outra ocasião, ele quase abusa dela sexualmente, encurralando-a em uma parede com ameaças. A ideia aqui era que ele se sentia desrespeitado e precisava “ensinar uma lição nela”. E a forma como isso é colocado, da mesma maneira que em Kare Kano, é de focar em quão mentalmente instável é o personagem masculino, em vez de focar no horror da situação que acabou de acontecer com a personagem feminina. O momento é rápido e acaba não explorado, o que torna tudo pior.

Isso é uma declaração sobre como títulos shoujo como esse geralmente romantizam o abuso (especialmente quando personagens homens dizem explicitamente: “Se eu fizer algo sexualmente desagradável com você, é porque você é muito fofa”) e se safam disso. Aqui tomo a análise de outro blog para completar este raciocínio:

Romantizar algo não é torná-lo romântico por natureza, pelo menos não como, digamos, um passeio ao luar na praia. Em vez disso, romantizar é fazer algo parecer melhor ou mais atraente do que realmente é na vida real. Um romântico é um idealista – um sentimentalista – e, portanto, romantizar o abuso em Hana Yori Dango é pegar os comportamentos abusivos ou problemáticos e atribuir características positivas e mais sentimentais a essas ações. Também pode significar enfatizá-los de forma a encobrir as noções problemáticas inteiramente em favor de noções mais fantasiosas.

Se você se encontrar nessa situação, não precisa se convencer de que a pessoa te ama e que você deve ficar com ela para tentar “salvar o romance” – isso é perigoso, e você merece mais, independente do que possa sentir. Qualquer amor não é saudável se a pessoa não estiver cotidianamente tratando você com menos do que o máximo respeito. Não fique com um agressor.

Outra coisa: mulher não gosta (pelo amor de todos os deuses, NÃO DEVE gostar) de bad boy abusivo e controlador, por mais que histórias assim tentem normalizar essa ideia. Isso simplesmente não é verdade e envia uma mensagem muito negativa ao público, que só é corrigida ao examinar mais profundamente a obra como um todo.

Deixo aqui esta leitura como um adicional, comentando sobre os live-actions adaptados do mangá, problematizando esta cena abaixo, por exemplo:

7. Junjou Romantica

“Lembre disso – você é meu, pro resto da sua vida. Só desista”.

Assisti o primeiro episódio e já me deparei com esta cena aqui (NÃO veja se você tem gatilhos com abuso sexual), fiquei horrorizada, sentindo que estava assistindo um episódio de Law and Order: SVU. Não queria tankar o resto, mas alguém precisava falar dessa história, principalmente por que aqui ela é um tipo clássico que representa também outros animes parecidos (yaoi como Super Lovers, Gravitation ou Loveless – até animes yuri como Netsuzou Trap e Citrus, e infelizmente a lista de animes assim é bastante longa). Também por que o anime foi quem iniciou muita gente ao gênero Boys’ Love.

Junjou Romantica conta a história de um romance entre o jovem estudante universitário Masaki Takahashi e o amigo autor de livros eróticos de seu irmão, Akihiko Usami. O anime passa também a contar os romances paralelos de dois outros casais, mas é o principal que é o problema. Antes de mais nada, me deixe ser perfeitamente clara aqui primeiro: o relacionamento deles não é saudável porque eles são dois homens, mas porque Akihiko é um molestador (que dorme num quarto lotado de brinquedos infantis, aliás).

Ao  visitar a casa de Akihito, Masaki fica visivelmente desconfortável, não apenas porque Akihiko escreve artigos eróticos sobre relacionamentos homossexuais, mas também por ser um rapaz muito sensível. À medida que as coisas continuam, o toque indesejado de Akihito continua sendo rejeitado, mas piora até o ponto em que vira abuso sexual. Mesmo que Masaki inicialmente diga a ele para parar, Akihiko começa a usar frases como “você sabe que gosta”. E então ele começa a se relacionar com Masaki apesar de ser apaixonado pelo irmão do garoto.

O que se segue é só uma ligação distorcida entre um homem mais velho e muito mais experiente e um estudante ingênuo e impressionável. Daí é ver cenas como: Akihito estuprando Misaki, culminando em sexo que pode ou não ter sido 100% consensual, já que Misaki ainda estava tentando descobrir seus sentimentos pelo Akihito na época. O cara também impede Misaki de interagir com um amigo da escola, porque o vê como um rival em potencial, restringindo Misaki à força quando ele se recusa a sair com ele. E tem também as vezes quando Misaki não se curva imediatamente à sua vontade, e então Akihito usa o irmão de Masaki como forma de chantagem para fazer o garoto obedecer.

Chegou num ponto que simplesmente não dava mais pra assistir. Não tem absolutamente NADA saudável nisso. E ninguém deveria se segurar em sentimentos de nostalgia pra defender esse indefensável nível de abuso. Consentimento tem que ser entendido e respeitado.

8. Nanatsu no Taizai

Bom, vamos começar pelo fato que eu abomino esse mangá e consequentemente o anime com todas as forças do meu ser, uma vez que ele hiperssexualiza suas personagens femininas e brinca com assédio literalmente o tempo todo. É o anime que menos tenho paciência de explicar nessa lista e um dos que mais me causa incômodo, tendo em vista as inúmeras histórias envolvendo pedofilia e lolicon nos animes e também as inúmeras notícias sobre como o Japão trata o crime da pedofilia de forma displicente. Aliás, tive o mesmo desgosto quando vi o final do mangá de Usagi Drop, por exemplo (prefiro não elaborar pra não reviver o trauma… Vocês conseguem pesquisar facilmente sobre isso no Google).

Enfim, voltando para Nanatsu. Elaine é um loli-bait e todo mundo sabe disso. Os fãs fingem que dá pra justificar dizendo: “Ah, mas Elaine é uma princesa encantada de mil anos”. Faça-me o favor, no fundo você sabe como isso é profundamente errado. Não importa se dois personagens imortais estão apaixonados, um deles parece que ainda tem dentes de leite e o outro parece um homem de 30 anos! Mesmo que ignoremos a estranha diferença de idade visível (o que nunca devemos), o relacionamento deles é vazio. Demorou uma semana para Ban se apaixonar eternamente por Elaine. Uma semana! Uma semana foi o suficiente para eles literalmente morrerem e passarem pelo inferno um pelo outro. Parece incrivelmente romântico na teoria, mas não ajuda nada também que o romance deles é realmente incrivelmente chato.

Em conclusão, Ban e Elaine = chato, pedófilo-like, assustador e ruim.

9. Fruits Basket

Eu amei Fruits Basket, até chegar a última temporada. Me recusava a ler o mangá porque queria poder assistir o anime mesmo – e talvez devesse ter lido, pois teria me poupado da raiva. Furuba tem uma coleção de problemáticas em relacionamentos, que em geral são menos graves. Principalmente porque nenhum deles supera Shigure e Akito terminando juntos. Meu estômago revira só de lembrar.

Esse “relacionamento” é tão profundamente tóxico que provavelmente deveria vir com um radar de radioatividade. Para começar, Shigure se apaixona por Akito antes mesmo dela nascer (tentei compreender, mas ainda assim entalou na garganta). Durante a infância, Shigure conforta e apoia Akito em todos os momentos. Quando ela cresce, no entanto, Akito começa a transar com Kureno, apenas para forçá-lo a ficar por perto depois que ele descobre que seu laço com a chefe do clã tinha se quebrado (lembrando que eles são todos primos, ew). Daí, Shigure passa a se mostrar ciumento e resolve transar com a mãe de Akito como vingança, sabendo que isso machucaria Akito, já que as duas se odiavam. Como consequência disso, Akito expulsa Shigure da casa principal. Basicamente, Shigure e Akito têm uma mistura de um intenso “amor” e ódio um pelo outro.

Mas sem dúvidas Akito é pior que Shigure: ela era extremamente tóxica com todas as pessoas em sua vida e várias vezes causou feridas graves ou até tentou matar os familiares. Mas é verdade também que ambos conspiravam usando outras pessoas com objetivos egoístas. Eles trazem o pior um do outro e muitas vezes machucavam seriamente as pessoas ao seu redor.

Eventualmente é revelado que os dois confessaram seu amor um pelo outro, se casaram e tiveram um bebê. Somente num anime mesmo duas pessoas podem ser tão infinitamente tóxicas e desastrosas uma para a outra e ainda terminarem com um final feliz, tipo “vamos deixar assim mesmo”. Nada de pedir perdão apropriadamente, nada de compensar pelos erros, nada de nada de nada.

Não me farei de rogada e deixarei aqui também um texto completo criticando o final do anime. Foi tudo péssimo – eu me senti traída e enfurecida. Meu amor pela história colapsou e o final conseguiu amargar até Tohru e Kyo ficando juntos e finalmente se afastando do clã Sohma.

A lista de crimes que Akito cometeu é gigante e ela deveria ter terminado na cadeia.

10. Kaichou Wa Maid Sama

Pronto. Falei. Eu não entendo como isso aqui continua sendo um anime de romance tão popular. Tentei rever e simplesmente não dava, não rola. Não é nem que o relacionamento tenha brotado do que é essencialmente perseguição (stalking), mas é que parecia tão sem graça o tempo todo… Os personagens são basicamente arquétipos, e mesmo que isso possa ser interessante até um certo nível, fazem eventos do enredo se arrastar.

Mas os primeiros episódios são bem agradáveis, vou admitir isso. O problema é que à medida que a história progride, Usui me acendeu alguns alertas. Ele fica o tempo todo repetindo “você é só uma mulher” e isso sempre me causou incômodo. Tentei não me deixar sensibilizar e continuei assistindo. A partir de um certo momento, o protagonista passa a agir de forma tóxica e possessiva – tipo dar um chupão no pescoço de Misaki só para que ela não saísse de biquíni (o que é no mínimo irônico porque ele anda o tempo todo com a camiseta aberta, deixando as meninas babando nele para causar ciúme). O anime vai mostrando mais cenas onde ele impede Misaki de fazer coisas, passando a imagem de que ele quer “protegê-la” de olhares indecentes, por exemplo, quando na verdade a gente sabe que na vida real isso é só o puro suco do machismo.

Eu achava que Misaki era uma personagem ousada, achava que em algum momento ela se posicionaria; inclusive porque ela é uma lutadora de aikido foda que já tinha chutado bundas de homens pervertidos querendo sequestrá-la ou sexualizá-la por causa do seu trabalho. Mas quanto mais ela interagia com Usui, mais ele ficava em seu caminho e atrapalhava suas decisões. Queria muito que fosse só uma história acalentadora de um homem segurando uma mulher no colo e ajudando-a a entender que ela não precisa ser forte e dar conta de tudo o tempo todo, mas infelizmente não é.

Na verdade penso que é bem preocupante quando vejo o fandom glorificando comportamentos manipuladores e paternalistas como os de Usui. “Ah, ele é creepy e pervertido, mas ele salva [vulgo, subestima] Misaki várias vezes”. “Ele stalkeia ela porque Misaki é inocente e quase cai em perigo várias vezes [novamente, subestimando a capacidade dela]”. “Ele a assedia sexualmente porque ele é só um garoto de 17 anos [como se ele fosse incapaz de controlar os próprios instintos, o que já foi falado acima]”. Sério mesmo, fandom? Argh. Às vezes acho as desculpas das pessoas para justificar os erros desse anime, que em geral não é péssimo, muito piores do que os próprios erros.

11. Inuyasha

Eu estou completamente e-xaus-ta de ver comportamentos predatórios e assédio sexual como alívio cômico. Foi uma verdadeira provação assistir Inuyasha em pleno 2021, e a situação de Miroku era insustentável. Só consegui terminar o anime porque passei a pular todas as cenas e episódios sobre ele.

Mas antes de falar sobre o pior relacionamento do anime, queria dizer que a relação de Inuyasha com Kikyou também era bem triste – esse vai e volta de ‘te amo x preciso te matar’ ficou cansativo. E piora quando isso se torna um triângulo amoroso com Kagome, mantendo a coitada nesse limbo de “gosto de você e de um cadáver, mas não consigo simplesmente lidar com o fato de que eu deveria deixar ela ir”. Era agonizante assistir os três e eu queria morrer toda vez que eu ouvia alguém gritando “KIKYOOOOOOU” ou “KAGOMEEEEEE” ou “INUYASHAAAA”, que cobre pelo menos metade do anime (tive dolorosas lembranças de na adolescência ouvir 10 horas seguidas de Inoue, de Bleach, gritando KUROSAKI-KUUUUN).

Agora vamos para o problema principal: a relação entre Miroku e Sango. Eu me senti profundamente mal por ela, que foi quem mais sofreu horrivelmente no anime, e ainda assim acaba com um traste como Miroku. Ok, essencialmente, o personagem do monge não é ruim. O que estraga e apodrece a personalidade dele é exatamente a necessidade de ser o centro do alívio cômico do anime, usando assédios e incontáveis passadas de mão como fonte de humor. Além disso, a forma como esse problema é sempre revertido em algo que Sango tem que trabalhar em si mesma em vez de algo que Miroku precisa rever me irritou profusamente. Ele é um assediador convicto e mesmo querendo casar com Sango não se esquiva de mostrar que não irá parar de assediar qualquer rabo de saia que aparecer em sua frente – ou seja, não existe ali um respeito por mulheres em qualquer nível. Foi simplesmente insuportável de acompanhar. Não me desce pela cabeça por que uma mulher criaria uma história achando engraçado ver mulheres em situações humilhantes e degradantes de assédio. Vi tanto isso em animes que abro uma exceção na minha vida pra bater com pau no shoujo (que infelizmente é uma demografia subestimada e muito pouco levada a sério exatamente por ser considerada como “coisa de mulher”) e culpo toda a indústria de anime pelas raivas passadas, cansei MESMO de ver essas coisas.

E não é só isso: Sesshoumaru com Rin? Haja forças para debater a quantidade de problemas nesse anime… Como alguém pode ver com bons olhos um relacionamento surgido de uma relação quase pai e filha? Sesshoumaru salva Rin da morte e ela passa a segui-lo como sua serva e companheira de viagem, nunca como interesse amoroso. A preocupação que ele ocasionalmente mostrava com ela era claramente paternal. O pulo disso pra “casamos e tivemos um bebê” me deixou honestamente embasbacada. Sim, ele deixa Rin numa vila e provavelmente só voltam a se ver quando ela está adulta, mas tudo ao redor dessa narrativa me deixa com cabelos em pé, sabe? Não parece certo, principalmente porque a audiência foi acostumada a ver os dois com uma relação de hierarquia e também a ver Sesshoumaru como um youkai impiedoso e odiador de humanos (tsundere, eu sei, mas ainda assim).

Queria meu tempo de vida assistindo esse anime de volta. Sei que Inuyasha é um queridinho que não vai descolar do coração da galera, mas a intenção aqui não é essa. Eu só quero que as pessoas reconheçam que a história definitivamente não envelheceu bem. E tá tudo ótimo, muitos animes dessa época compartilham do mesmo destino fatídico.

12. Naruto

Ahh, Naruto. A mera menção para o anime de qualquer forma negativa já gera uma onda de hate na internet, porque são duas gerações que cresceram assistindo, então o apego no fator nostalgia é bem alto. Mas resolvi falar sobre ele de toda forma porque aqui ele também representa um problema com os shounen em geral (Bleach, One Piece, Death Note, Fairy Tail e Dragon Ball, por exemplo) e a forma como personagens femininas são retratadas nessa demografia, muitas vezes se aproximando de um tipo padronizado: as personagens femininas são sempre magras e muitas vezes com peitos-balão, ausência de órgãos internos e coluna elástica; o fato delas terem um interesse amoroso as torna “mais fracas” ou “vulneráveis” (Hinata e Sakura); elas podem ser fortes mas nunca serão mais fortes que seus companheiros masculinos (literalmente todas as personagens femininas de todos os shounen); quando elas são fortes demais, também são a) incrivelmente horrendas (Big Mom ou Catarina Devon, de One Piece)  ou b) lindas/fúteis ou normais/com poderes imbecis (Boa Hancock e Tsuru, respectivamente, também de One Piece [aliás VAI TOMAR NO CU, AKUMA NO MI DE LAVAR E BOTAR NO VARAL, MANO, PORRA VSFDDDDDEEEEE]), ou c) totalmente badass que servem simplesmente para serem mortas com fins de fortalecer outro personagem masculino (Unohana, de Bleach). Tudo coisa que me indigna profundamente e que dá pano pra manga. Merece outro artigo, futuramente.

Enfim. Pergunte a qualquer fã de Naruto o que eles não gostaram em Boruto, e as chances são altas de que eles citem o fato de Sakura e Sasuke ficarem juntos. Isso é compreensível – o relacionamento é tóxico pra caramba. Começa com Sakura bajulando Sasuke, apesar de sua total falta de interesse por ela, e socando Naruto o tempo todo por atrapalhar seu tempo com ele. Sasuke rudemente a dispensa e a insulta rotineiramente. Isso é um comportamento exagerado, mas ainda relativamente normal de 12 anos de idade. O problema é que as coisas ficam muito piores a partir daí – em um ponto, Sasuke realmente faz um atentado contra a vida de Sakura.

Embora ela não tenha motivos para perdoar isso, deixa tudo de lado e o perdoa de qualquer maneira. Mas  daí o que a bonita não pode perdoar é a posição política do Sasuke contra Konoha, especialmente contra o governo que fez um genocídio na sua família. Mas disso Sakura não tem empatia… São queixas muito reais e ela quase não faz nenhum esforço para entender porque ele está com raiva. Ele é errado e um criminoso? É. Se rebelar contra o genocídio da família dele deveria gerar alguma comoção? Devia.

Depois que os dois realmente se casam e têm um filho, Sasuke sai em missões com tanta frequência que ele literalmente não conhece sua própria filha. Quando ele mostra enfim algum interesse em consertar isso, só acontece quando Sarada tem doze anos, o que significa que ele negligenciou seu relacionamento com as duas por muito tempo.

Basicamente, esse relacionamento aqui se contenta em passar a mensagem de que tá tudo bem eles se machucarem, e também tá tudo bem eles não se entenderem ou apoiarem um ao outro.

Os que shippam SasuSaku que me perdoem, mas é o pior relacionamento do anime. Mas aqui sou só eu dando a minha opinião raivosa mesmo. Façam o que quiser com ela.

13. Ao Haru Ride

“Eu sinto como se quisesse chorar”

Eu sempre tive um misto de preguiça com horror desse anime. A imagem que citei do mangá acima no texto já consta como um dos maiores motivos. E diferente da imagem de tentativa de estupro em Ouran, a imagem de Aoharaido tem um plano de fundo já romantizado, com luzinhas brilhantes e toda uma estética de momentos de romance mesmo. Um horror… Como se Kou estivesse falando aquilo simplesmente por que “se preocupa” com a protagonista, como se fosse bonitinho dizer que poderia estuprá-la. É mais uma vez uma cena de um homem querendo impor a diferença de força entre ele e a personagem feminina, negando a ela a capacidade de imaginar que seria capaz de reagir.

Enfim. Fora essa atrocidade, Ao Haru Ride é um shoujo bem genérico, onde uma menina está obcecada com um garoto que acabou de perder a mãe que tinha doença terminal (cuja morte inclusive causou nele um trauma gigante, resultando em uma mudança de personalidade). Resumidamente, é uma história sobre duas pessoas que deviam estar na terapia e mais uma prova de que amor NÃO cura problemas psicológicos. Que forçar companhia não cura o luto (o que aliás também me faz lembrar da infeliz experiência lendo Orange).

Além disso, nada na personagem de Yoshioka é explorado. Não vi realmente nada sobre sua personalidade. O que ela gosta? Quais são os interesses dela? Hobbies? Significado na vida? Não. Nada disso. Apenas ela perseguindo repetidamente Kou, que a maltrata o tempo todo. Foi frustrante assistir. Ela também se força a ser alguém que não é (ser alguém menos feminina e passar agir como uma tomboy) para conseguir amizades femininas e parar de ser vista como alguém que ficava sempre querendo chamar atenção dos homens (não precisávamos de outra história reforçando rivalidade feminina, né, mas ok).

A escrita do mangá é ruim e meio clichê, no final das contas. Apenas assista outra coisa, tem muito romance shoujo bom por aí, isso aqui simplesmente não é um deles. Não é horrível nem nada, por isso está no final da lista, e eu definitivamente já vi pior. Mas não é memorável e ensina um péssima lição sobre relacionamentos com pessoas precisando desesperadamente de ajuda psicológica.

Ter um passado traumático não é desculpa para ser abusivo.

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A minha vontade mesmo era elencar aqui também uma lista de casais problemáticos dentro de animes de todos os tipos de demografia, mas daí o artigo ficaria gigante. Só espero que compreendam o intuito da matéria e também que vocês procurem sempre se informar sobre as obras que decidirem consumir, inclusive as que sempre foram suas favoritas. Às vezes existe muito mais nas histórias do que conseguimos perceber. É foda, eu sei. Dá vontade de desistir de assistir anime e ler mangá, eu sei. Mas eu curto, eu amo, me diverte, me faz sentir melhor. Não pretendo desistir de procurar as histórias que me emocionam de verdade, nem de criticar as pedras no sapato no meio do caminho.

E que fique claro: a ideia não é “cancelar” os animes e seus autores ou mesmo quem assiste e curte, mas sim incentivar o consumo crítico. Eu tenho consciência que é preciso levar em consideração uma diversidade de fatores que contribuem para esse tipo de narrativa existir (quando foram publicadas, a mentalidade da época, etc), mas também entendo que é importantíssimo avaliar o que existe de ruim e danoso nesses enredos para ajudar que outras pessoas, especialmente o público-alvo desses animes e mangás (adolescentes), não sofram consequências da influência negativa dessas mídias.

Passemos adiante apenas as que corroboram para atitudes e pensamentos realmente benéficos, deixando a história enterrar as que não têm nada a oferecer nesse sentido.

Lembrem-se: você não é a mídia que consome. E uma crítica à mídia que você consome não é uma crítica a você.


Caso você queira um motivo para não desanimar de assistir animes e ler mangás japoneses, temos AQUI no site uma lista de animes e mangás criteriosamente selecionados que respeitam suas personagens femininas e nos dão histórias inspiradoras.

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