O que você achou dessa mudança de Sokka?

A série de Avatar: O Último Mestre do Ar da Netflix tem dado o que falar. Sendo uma história amada por tantos, é óbvio que existe muita expectativa para o lançamento da adaptação em live-action. O trailer empolgou muitas pessoas, mas tem uma notícia recente que não deixou os fãs tão felizes assim.

De acordo com uma entrevista dada ao Entertainment Weekly, os atores Kiawentiio (Katara) e Ian Ousley (Sokka) falaram sobre algumas mudanças que foram feitas para o live-action.

Há mais peso no realismo, em todos os sentidos. Sinto que também tiramos o elemento do quão misógino [Sokka] era. Sinto que houve muitos momentos na série original que eram esquisitos.

Não acho certo julgarmos uma série antes dela ser lançada, mas também não dá para ignorar a bandeira vermelha que é essa declaração.

A misoginia é parte do que torna Sokka um personagem tão interessante.

No primeiro episódio de Avatar, Katara e Sokka acabam se perdendo em uma geleira. Katara ainda era uma dobradora de água muito iniciante e acabava causando vários acidentes. Sokka, por ser um adolescente misógino, começa a reclamar das atitudes da irmã. Durante uma bronca enorme que Katara dá nele por conta da misoginia, ela acaba, sem querer, usando sua dobra e quebra o iceberg onde Aang está preso.  A misoginia de Sokka desencadeia um momento importantíssimo da história.

Você pode imaginar que essa cena pode ser feita com qualquer outra motivação, e é verdade, adaptações são possíveis. Porém, essa falha do Sokka é um elemento importante em vários outros momentos. Por conta da sua visão preconceituosa sobre papeis de gênero, Sokka subestima as guerreiras Kyoshi e, mais tarde, aprende a lutar e a ter mais humildade com elas.

Sokka passa de um jovem cheio de si e imaturo para um homem responsável e inteligente. Esse arco funciona tão bem porque vemos Sokka ir desconstruindo a misoginia dele. Ele é um adolescente que cresceu em uma sociedade patriarcal, estranho seria se ele não fosse misógino em algum momento de sua vida.

Por mais que tenham cenas “esquisitas” na animação original, a misoginia do Sokka nunca é corroborada pela narrativa. Pelo contrário, é sempre mostrada como algo ruim e que deve ser mudado caso ele queira ser uma pessoa melhor.

A tribo da água é conservadora e isso é essencial para o mundo de Avatar.

Um dos motivos que torna o universo de Avatar tão rico são as diferentes culturas, como elas são apresentadas e mostrando os inúmeros conflitos desses povos. Temos duas Tribos da Água: a do sul, muito afetada pela guerra, e a do norte, que é mais desenvolvida, mas se fechou em prol da sobrevivência.

Na Tribo da Água do norte, apenas homens aprendem a dobrar água como mestres. As mulheres só podem aprender técnicas de cura. Através do ponto de vista de Katara, temos um choque de como essa sociedade é patriarcal. A narrativa e os personagens mostram que essa divisão por gêneros não é boa para ninguém. Não só entre a dinâmica de dobradores, mas na forma que as famílias nobres da tribo lidam com seus filhos.

O que resulta em uma das cenas mais icônicas da animação, que é a luta entre Katara e Mestre Pakku, um dos maiores dobradores de água que se recusa a ensinar uma mulher. Mesmo sendo mais fraca, Katara enfrenta Pakku e tudo que ele representa, até que consegue conquistar seu espaço como aluna de dobra d’água. Além disso, é vendo preconceito afetando as pessoas que ama que Sokka também amadurece.

Avatar é uma história sobre como a união de pessoas diferentes podem trazer o melhor para o mundo, contanto que as pessoas estejam dispostas a se respeitar e lutar contra opressões. O fato da misoginia estar inserida até em um dos heróis, sendo desconstruída aos poucos, é essencial para que essa mensagem fique mais forte.

Se a misoginia é um ponto relevante para Avatar, por que tirá-la?

Entendo perfeitamente que a adaptação de Avatar precise, como o nome indica, se adaptar de várias maneiras. Não é uma animação como o original, e sim um live-action. Faz 20 anos que o original foi lançado, o público mudou, então é esperado que a história se adapte para agradar esses novos espectadores.

A questão é que, ultimamente, personagens “problemáticos”, que fogem da perfeição inalcançável, não são bem recebidos por parte do público. Existe uma noção em certos espaços de fandom que nós somos o que gostamos. Então, se você gosta de Sokka na época em que ele ainda era misógino, logo você corrobora esse comportamento. Para ser aceita nessas partes do fandom, muitas histórias acabam deixando de lado defeitos importantes para arcos de personagens… Mas acaba perdendo oportunidades enriquecedoras com isso.

Acredito que alguém na equipe da série tenha pensado que Sokka não ser misógino seria mais inclusivo. Afinal, ele não seria mais um cara cheio de preconceitos e passaria um exemplo melhor para o público, certo? Bem, não. Estamos em uma época em que, cada vez mais, homens jovens estão ficando mais conservadores. Qual melhor exemplo para essas pessoas do que um adolescente misógino que, ao longo de uma jornada, aprende que pode mudar e que existe mais no mundo além de sua visão preconceituosa?

Histórias ficcionais são reflexos das nossas vidas. Pessoas erram, então faz sentido que os personagens errem também. Da mesma forma, pessoas mudam, podem melhorar ou piorar, um tema que Avatar lida muito bem. O arco de redenção de Zuko é um dos mais falados da cultura pop até hoje. Ele é um jovem que, mesmo depois de muitos erros, escolheu melhorar.

A série não saiu ainda, talvez Sokka ainda seja misógino, mas de um  jeito menos caricato, que se encaixe melhor em um live-action. Se for isso, as mudanças podem ser bem interessantes, mas caso a misoginia seja cortada… Infelizmente perderemos um dos aspectos que tornam Sokka um dos personagens mais memoráveis de Avatar.

Leia mais sobre Avatar: O Último Mestre do Ar no GG!

 

Compartilhe: