Conheça esse livro que mistura realidade, fantasia e meio ambiente

Tecer é entrelaçar metodicamente fios, para criar um tecido. Para a teoria do imaginário, que estudo, o entendimento do tecer é, também, a compreensão de nossos objetos simbólicos. Os símbolos nunca são puros, eles sempre têm raízes como uma árvore. Estudar os fios é analisar as raízes de uma imagem, tentar capturar uma cultura. Claro, nem sempre é um estudo perfeito, nem deveria ser. Porque o mundo se impõe em nós, somos sempre resultado de outro tecido: nossa cultura, nossos pais, nossos amigos, e assim por diante.

Árvore Inexplicável, livro novo da finalista do Jabuti Carol Chiovatto traz em seu DNA essa visão complexa dos seus personagens e da sua trama. Em seu resumo, Diana vem de uma família não estruturada, e busca estrutura nos estudos para um futuro mais promissor. A protagonista Diana está terminando o curso de história na USP e faz o percurso diário entre Guarulhos e o campus longínquo da universidade. Diana, contudo, vê estranhos fenômenos e teias ao redor das árvores de São Paulo. E a partir deste fio, ela se vê em meio a um ecossistema complexo detalhado em suas lutas de poder.

O que liga e o que separa

O fio é ligador, ele é um símbolo de continuidade, pois o tecido entrelaçado é sobre continuidade. Contudo, pode se romper, o se fala muito em contos das deusas cortadoras de vida, como as Parcas mitológicas. Árvore Inexplicável passeia entre o receio e a ameaça do rasgo, versus o desejo de continuidade e de comunidade. E isto não é mostrado apenas na narrativa interna do livro, mas em sua ligação com o mundo exterior. Diana está em uma cidade que existe; faz um percurso que existe; é cercada de pessoas maravilhosas e falhas, como as pessoas que conhecemos; e deve navegar problemas políticos, como a pandemia que colocou uma lente nos nossos problemas cotidianos e societários. Sim, a sombra do fascismo e da queda dos valores democráticos está lá, no âmago do livro. Seja pela inclusão dessas realidades na narrativa, seja pelo conflito principal: só porque não vemos algo (o ecossistema de forma completa), não significa que ele não esteja ameaçado.

Da mesma forma, existe uma naturalização de personagens LGBTQIAP+, pois assim como a USP, nós existimos cotidianamente. Há algumas escolhas corajosas de enredo, que trazem personagens para uma luz nem sempre favorável, e isso é algo que apreciei. Os relacionamentos importam, e as consequências variáveis que vêm deles também. São esses fatos que me mantiveram ligadas à narrativa, que traz um pé na realidade, muitas vezes devastadora, por vezes até perdendo a ternura. Mas a ternura deveria ser criada, e não apenas nos dada como verdade.

As névoas entre realidade e fantasia

Para entrelaçar sua história, Carol traz as névoas como uma imagem que abre as portas como um mundo mágico. Esse misticismo não está desassociado do mundo real, o que traz peso para a história. Esse tipo de escrita é uma das gemas da literatura da América Latina, chamada de realismo maravilhoso.

Depois da Revolução Industrial, a literatura, em sua maioria, começou a se focar não apenas em mundo inexistentes, mas nas contemporaneidades, o que elas representam para a humanidade separada da natureza. Foi em meados do século XX que o tecido entre o mundo inexistente e o existente começou a ser criado. O termo “realismo mágico” aparece pela primeira vez em 1925, no título do livro do crítico de arte alemão Franz Roh.

A mistura dos elementos de realidade cotidiana com elementos de universos folclóricos, oníricos ou míticos se torna muito forte na América Latina, como uma forma nova de racionalizar e criticar a realidade. Você os conhece de autores como Gabriel García Marquez (Colômbia, 1927-2014) e Jorge Luis Borges (Argentina, 1889-1986). Ou Mario Vargas Llosa (Peru, 1936), Julio Cortázar (Argentina, 1914-1984) e Isabel Allende (nascida no Peru, em 1942, mas radicada no Chile). Também pode ter visto no cinema nas obras de Guillermo del Toro – O Labirinto do Fauno e A Forma da Água. Assim, como no longa brasileiro, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.

Para quem é

Indico o livro para quem:

  • Curte realismo maravilhoso

  • Quer uma história contemporânea sobre natureza, complexidade e conspirações

  • Gosta de New Young Adult e quer ver um novo olhar sobre isso

  • Quer ver uma história envolvente em um cenário de grandes cidades brasileiras

  • Gosta de representatividade LGBTQIAP+

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