Kill Bill Vol. 3 poderia ser um filme fantástico, mas devemos mesmo querer isso?

Em uma entrevista recente no podcast da MTV, chamado Happy Sad Confused, o diretor Quentin Tarantino confirmou que ainda está conversando com Uma Thurman sobre a continuação de sua aclamada série de filmes de artes marciais, Kill Bill. Ele diz na entrevista que, apesar de já estar com sua aposentaria praticamente marcada, se fosse revisitar algum de seus filmes antigos seria Kill Bill.

A primeira parte, Kill Bill Volume 1, saiu em outubro de 2003, e sequência saiu em abril de 2004. Tarantino já falou muitas vezes sobre querer continuar a série com um terceiro filme, que contaria agora a história da filha agora adulta de Vernita Green (Vivica A. Fox), Nikki Bell, perseguindo vingança contra Beatrix/A Noiva por matar sua mãe.

É uma história que foi criada desde o Volume 1, em que Beatrix diz a Nikki:

Não era minha intenção fazer isso na sua frente. Por isso, sinto muito, mas você pode acreditar na minha palavra: sua mãe fez por merecer. Quando você crescer, se ainda se sentir mal, eu estarei esperando.

O problema é que de 2003 até hoje muitas notícias graves e sinceramente estarrecedoras foram reveladas sobre a relação de Tarantino com Uma. Ele foi o responsável por colocar a atriz em uma situação em que ela foi forçada a fazer uma cena perigosa no set de Kill Bill: mesmo depois de expressar diversas vezes seu incômodo com a cena e de ter seus pedidos de dublê negados. Uma teve que dirigir um carro em alta velocidade numa estrada desnivelada, o que causou um acidente e a deixou com, nas palavras da própria atriz, “um pescoço permanentemente danificado e joelhos deformados”.

“Depois do acidente deixei de ser uma colaboradora e performer criativa para ser como uma ferramenta quebrada.”

Quando as notícias sobre isso surgiram (apenas no começo do ano passado), o diretor chamou o acidente de “um dos maiores arrependimentos de sua vida“. Logo depois, surgiram relatos de que ele havia cuspido em Thurman durante as filmagens e que ele a estrangulou em uma cena, além de também estrangular Diane Kruger em uma cena durante a filmagem de Bastardos Inglórios

Thurman postou em seu Instagram um vídeo do acidente explicando que mesmo que o diretor tenha se sentido arrependido, a tentativa dele e da equipe administrativa de Kill Bill (Lawrence Bender, E. Bennett Walsh e Harvey Weinstein) de abafar o caso, mentindo e destruindo provas, tinha intenções maliciosas e era imperdoável. O post era um complemento para uma matéria no The New York Times, explicando sua mágoa e ressentimento pela forma como foi tratada pelo diretor em Kill Bill e pelo assédio que sofreu de Harvey Weinstein.

Além desses problemas, o The Guardian trouxe a discussão de que os filmes do diretor abusam de cenas violentas contra mulheres. Na matéria, o autor diz que no filme de estréia de Tarantino, Reservoir Dogs, as únicas personagens femininas nos créditos são “Shot Woman” (mulher que recebeu um tiro) e “Shocked Woman” (mulher que recebeu choque). Pulp Fiction, seu segundo filme, apresenta personagens femininos com mais destaque, mas uma tendência de se divertir com o abuso de mulheres começou a surgir. Uma das cenas mais famosas de Pulp Fiction envolve a personagem de Uma Thurman sendo esfaqueada no coração com uma injeção de adrenalina para ressuscitá-la após uma overdose de drogas. Embora o autor também afirme que seja justo dizer que os personagens masculinos também foram submetidos a violências extremas. Os filmes de Kill Bill foram uma orgia cinematográfica de violência na tela, a maioria dirigida para Thurman: sua personagem é severamente espancada e enterrada viva. A personagem de Daryl Hannah, Elle Driver, não se sai muito melhor: ela tem os dois olhos arrancados. As coisas atingiram o auge com a cena de Tarantino em 2015, The Hateful Eight: Jennifer Jason Leigh é algemada a um cadáver e espancada e torturada durante todo o filme. Seu último filme, Once Upon a Time… in Hollywood, já provocou um considerável desconforto ao usar no filme o assunto horrível do assassinato cruel de Sharon Tate pela “família” Manson, em 1969. O filme inclusive já foi criticado porque Margot Robbie, atriz que interpreta Sharon, quase não tem falas. Por fim, o autor da matéria diz que o interesse do diretor em violência selvagem contra a mulher é, se olharmos para trás, um fio comum em quase todos os seus filmes.

Ele também questiona o fato de que Tarantino admite abertamente que causa abusos em seus filmes em busca da cena perfeita para seus filmes e que, em 2003, o diretor afirmou que o estupro de Roman Polanski a uma garota de 13 anos era apenas “sexo com uma menor”.

Quaisquer que sejam os méritos do diretor, os filmes de Tarantino de fato revelam violência extrema contra personagens femininos e até mesmo contra as atrizes que os interpretaram. Isso tem que parar. Os casos de abusos de diretores com atrizes de filmes (já falamos dos casos de Isabelle Adjani em Possessão e de Shelley Duvall em O Iluminado aqui no site) DEVEM ser criticados, DEVEM ser levados mais a sério.


Fontes: The Mary Sue | 2 | The Guardian

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