Uma animação inovadora em tantos sentidos!

A quarta temporada de She-Ra e as Princesas do Poder foi devastadora. Assistir a amizade de Adora e Cintilante se esfarelar como uma gema sobrecarregada foi algo triste demais, e junto com o Arqueiro, ficamos torcendo para que o esquadrão dos melhores amigos voltasse a sua glória doce e brega.

Apesar disso, os planos de Noelle Stevenson, criadora da série, eram outros, e os problemas de Cintilante e Adora passaram longe de ser resolvidos nessa temporada. Ainda assim, por mais que doa ver essas duas se afastarem cada vez mais, essa fuga do clichê foi brilhante e reforçou ainda mais a tradição da série em lidar com as complexidades de relacionamentos tóxicos, especialmente entre mulheres.

Porque apesar da série ser sobre mulheres apoiando umas às outras, é também sobre mulheres ferindo, negligenciando, manipulando, mentindo e traindo umas às outras, não importando o quão “nobres” ou “necessários” os seus motivos sejam. E isso, na minha humilde opinião, é um ponto forte da série.

Não é sempre que temos tamanha riqueza e quantidade de personagens femininas completamente conscientes, com defeitos igualmente reconhecidos, ainda mais em uma única série. Stevenson já se manifestou no passado sobre querer colocar personagens femininas e queer em relacionamentos completos, antes de She-Ra enfatizar a importância de mostrar seus esforços e falhas.

E ela faz exatamente isso. Antes do Esquadrão Melhores Amigos se separar, Felina e Adora haviam carregado o manto do “relacionamento complicado”. De melhores amigas a inimigas mortais e ainda assim, possíveis interesses românticos (não custa sonhar), a evolução da sua dinâmica de gato e rato é um dos pilares da história.

Seu laço é estabelecido desde o começo: Adora cobre Felina em um teste, Felina se enrola no pé da cama de Adora em vez de dormir em sua cama, e elas então vão pra floresta para ocupar a cabeça. As suas diferenças são óbvias desde o começo também, com a coragem e foco de Adora contrastando imensamente com a caricata e diabólica forma de pensar de Felina.

Por volta do terceiro episódio da primeira temporada, as duas já se estabeleceram em posições opostas na luta por Etérea, e apesar de todas as lutas brutais, manobras constantes e danças ocasionais, uma coisa bastante clara é que as duas estão fazendo o melhor que podem de acordo com suas limitações – movimentos insanos de batalha e traumas ainda mais insanos. E é como elas lidam (ou não) com esse trauma que as faz seguir em frente – e ao final, as separa.

E ainda assim, as duas continuam assombradas pelos flashbacks e lembranças dos dias em que eram elas contra o mundo, especialmente do lado da Felina. E quem não é assombrado, de uma forma ou outra, pelos fantasmas de amizades perdidas?

E o que é ainda melhor é a forma como a série apresenta essas personagens e seus relacionamentos, de uma forma revigorante, e feita para mulheres, sem se envergonhar disso.

Ainda que ninguém queira ficar no caminho de Felina, é inegável que suas melhores qualidades não são a força bruta ou o gosto por violência, mas sim sua resiliência pura, sua inabalável adaptabilidade e sua astúcia – todas elas características direcionadas para o público feminino. Mesmo a garota de ouro, Adora, cuja aptidão física é o traço mais marcante, enfrenta problemas de autoconfiança e uma síndrome do impostor. Quer algo mais direcionado às mulheres do que isso?

É claro, um dos atributos negativos de Felina é sua tendência a afastar as pessoas para se blindar e evitar ser ferida novamente. Como consequência, ela acaba sendo cruel e impiedosa, especialmente com a amigável Scorpia, que é a única princesa trabalhando para a Horda – e a única amiga verdadeira que Felina teve após Adora, algo que ela não percebeu até ser tarde demais.

Aos olhos de Felina, Scorpia finalmente se unir à Rebelião é um castigo – e uma afirmação de que você não pode confiar em ninguém, especialmente aqueles que se dizem seus amigos, mas para o público é tão satisfatório ver Scorpia finalmente reunir a coragem para abandonar um relacionamento tão tóxico e finalmente dizer: “Você é uma péssima amiga”.

A evolução dos relacionamentos entre Felina e Adora, e Felina e Scorpia é um terreno familiar. Apesar de sentir um pouco de pena de Felina, não podemos culpar Adora ou Scorpia por cortarem laços com ela, especialmente após dedicarem tanto tempo a tentar fazê-la feliz recebendo nada além de dor em retorno.

As águas são bem mais turvas quando falamos sobre Cintilante e Adora. As duas desrespeitaram limites e violaram a confiança uma da outra como nunca durante a quarta temporada. As coisas agora parecem bastante diferentes – a pressão está maior e o trauma, tanto antigo quanto novo, está mais presente do que nunca. Falar sobre isso, especialmente pelo fato de nenhuma das duas estar disposta a realmente ouvir a outra, não ajuda e tampouco um abraço ajuda a resolver, para desespero de Arqueiro.

As perguntas levantadas por seu relacionamento são as mesmas que muitos de nós já tivemos de responder em algum momento de nossas vidas: Quais limites são sagrados para mim e por que? Quais serão as consequências se alguém desrespeitá-los? E se alguém que eu amo fizer algo que eu acredito ser fundamentalmente errado?

E isso também enfatiza os aspectos mais feios e realistas de uma amizade feminina de uma forma dolorosamente real, apesar das explosões de glitter e arco-íris que constantemente dominam o cenário de Etérea – a competição ora sutil ora nem tanto e as constantes comparações, às vezes devido a expectativas sociais, e outras vezes por conta de sua própria insegurança.

De qualquer maneira que os problemas de Adora e Cintilante venham a ser resolvidos – e esperamos que aconteça – ficamos na expectativa pelo retorno de Adora, Felina e as outras princesas do poder, e que elas continuem amando e ferindo os outros de uma forma que continuemos a nos importar profundamente com todas elas. Por mais que seja duro, é realista – e os momentos felizes ajudam a diminuir um pouco a dor.

Então, Netflix, nos dê logo um final maravilhoso para essa história que todas amamos!


Texto traduzido e adaptado do The Mary Sue.

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