Eu serei o rei dos piratas!

Para quem ainda não conhece a atual saga mais popular do gênero shounen — fato comprovado pelos vários anos em que a série tomou a liderança nas vendas de mangás no Japão e provavelmente no mundo — One Piece é uma obra de mangá e anime criado pelo talentoso Eiichiro Oda. A história é focada numa tripulação pirata comandada pelo capitão Monkey D. Luffy, um jovem pirata pouco convencional que sonha conquistar o maior tesouro do mundo (que é o famigerado One Piece) e assim ocupar o posto deixado pelo finado e lendário Rei dos Piratas Gol D. Roger.

ONE.PIECE

O mangá já vem sendo lançado desde 1997 e o anime desde 1999, sendo licenciado no Brasil pela Panini Comics. É o mangá mais vendido na história da Weekly Shōnen Jump, assim como o título mais aclamado. E não apenas isso! One Piece entrou para o Guinness World Records em junho de 2015 como a série de quadrinhos de um mesmo autor com mais cópias publicadas no mundo inteiro.

Se você se perguntar o motivo para tanta aprovação, aqui vai uma lista de pontos que elucidam o quanto a história é sensacional e o quanto merece ser assistida e principalmente refletida com carinho. One Piece ensina que:

1 – Ninguém deve ou merece ser discriminado

One Piece trata o tema de discriminação diversas vezes. Discriminação por raça, classe social, gênero e mesmo por simples escolhas da vida. O assunto começa a aparecer no arco de Baratie, sendo mais explorado a partir do arco de Arlong Park. Por exemplo, temos o caso do famoso restaurante Baratie. Quando o autor explica o passado de Sanji (o cozinheiro da tripulação de Luffy) e seu mentor Zeff (cozinheiro dono do Baratie), vemos que o velho pirata-chef e o jovem cozinheiro passaram por um episódio em que quase morreram de fome enquanto esperavam resgate em um minúsculo pedaço de terra no meio do mar. A sensação desesperadora e a experiência de quase morte fez com que os dois determinassem que nunca recusariam um prato de comida a alguém faminto, fosse marinheiro, fosse pirata, fosse santo ou bandido.

Outro exemplo é a saga da Ilha dos Tritões, que explora a luta de uma rainha tentando quebrar o preconceito dos seres marinhos pelos seres humanos — que não era injustificado, uma vez que humanos sequestravam tritões e sereias para vendê-los como escravos em terra firme — e fazer com que seu povo superasse o medo que esse preconceito trazia, o que os isolava do resto do mundo, no fundo do mar.

One Piece em geral é uma dura crítica à sociedade e uma máquina de quebrar tabus. Racismo, preconceito, corrupção, desigualdade social, escravidão, abuso de poder e muitos outros temas são abordados durante a trama de forma direta, mostrando que o mundo não é um mar de rosas e que nada vai desaparecer se os problemas forem apenas e sumariamente ignorados. Que muitas vezes, não escolher nenhum lado é ficar do lado de quem faz o mal. Por isso, o jovem Luffy sempre toma partido e as dores em todos os lugares que ele vai, com um senso de justiça simples e verdadeiro que não deseja nada além do que a paz, mais do que um senso de vingança corrosivo e cego. E por fim, que amizade nenhuma tem de se limitar a qualquer coisa que seja.

E por mais óbvio que pareça, One Piece faz questão de deixar claro: Discriminar pessoas não é um direito. E num mundo onde isso é visto, e pior, vendido como sendo um direito, ou, como gostam de dizer, “liberdade de expressão”, ver uma obra que mostra que não se pode confundir apologia aos crimes (como o crime de racismo e de discriminação por homofobia) com liberdade de expressão, dá muito gosto de ler.

2- Doação de sangue é MUITO importante!

Ainda no arco da Ilha dos Tritões, Luffy é novamente salvo pelas amizades que construiu. Na luta contra o vilão principal da vez, o protagonista da saga pirata perde muito sangue e passa por um momento entre a vida e a morte. Mas nenhum tritão ou sereia se disporia a ajudar, porque afinal de contas Luffy era humano e a doação de sangue para humanos era contra a lei na Ilha. Sem ninguém do bando do Luffy com compatibilidade sanguínea, o desespero cresceu. Seria ali o fim de toda a aventura? Morreria assim, de forma tão banal, o maior concorrente ao título de novo Rei dos Piratas? Daí, num ato de solidariedade, Jinbe, o antigo amigo tritão de Luffy, quebra a tradição e oferece seu próprio sangue na tentativa de salvar sua vida.

One Piece também traz duas mensagens importantíssimas nesse sentido: doar sangue não é só um ato de solidariedade, mas também de responsabilidade. Você, fã da saga que é jovem e saudável, também pode servir como salvador de muitas vidas na realidade e, como já falamos aqui anteriormente no #MangáNaVeia, seus heróis dão o sangue para salvar a humanidade e você pode se unir a eles doando sangue! Para isso, você pode fazer uma rápida pesquisa (no Google que seja) sobre qual instituição na sua cidade aceita doações, como por exemplo a Fundação Hemominas. Sempre é bom repetir que o sangue doado não faz a menor falta para o doador.

A segunda mensagem é de, novamente, igualdade: não importa qual sua raça, cor, gênero, opção política e etc. O sangue que corre nas suas veias é o sangue que corre nas veias de todo mundo.

3 – Sentimentos são cegos para gênero

One Piece é provavelmente o mangá — com público voltado para o gênero masculino — que melhor explora e mais quebra um dos maiores e mais antigos tabus da masculinidade: a errônea ideia de que homem não pode chorar. A todo momento e em toda a saga você vai encontrar pessoas aos prantos (homens em quantidade muito maior do que mulheres!) e vai perceber que One Piece passa a mensagem de que desabafar e chorar não te torna menos gente, menos homem: só mostra que você é humano.

TRIP TO FEELS. Esse gif mexe demais comigo e com meus sentimentos, socorro.

Talvez porque no Oriente haja muitos conceitos fundamentalmente diferentes dos que existem no Ocidente e consequentemente tabus diferentes, essa ideia de virilidade masculina lá não seja assim tão importante ou válida quanto o “código dos gêneros” daqui. Afinal de contas, se você quer “agir como um homem”, você não pode “chorar como uma menininha”, como se demonstrar emoções fosse algum sinal de fraqueza (além do “menininha” ali ser uma expressão obviamente pejorativa e bastante machista). Daí o porque de One Piece ser uma pedrinha de diamante dentre os shounens da vida: ele tira dos heróis aquela imagem puramente violenta e agressiva, e mostra-os de uma forma mais humana e emotiva. E acho digno! Chega de criar histórias que ensinem as crianças a “segurar o choro”! Pessoas têm que ser simplesmente pessoas e serem livres para explorar suas próprias características. Homem não tem que ser nada, muito menos macho. Por um mundo com mais histórias como One Piece que falem que todo ser humano pode (e deve) chorar, com ou sem motivo aparente.

4 – Não passar preconceitos dos adultos para as crianças é uma forma de mudar o futuro

Estranhar o diferente é uma reação comum do ser humano. Nas crianças, antes que o ato seja contaminado por juízos de valor negativo, são os pais e educadores  que devem intervir para mostrar que é preciso aceitar as diferenças e conviver em harmonia com elas, mostrando que a convivência com essas diferenças é segura. E segundo afirmam especialistas, se os pais são discriminadores, dificilmente ajudarão os filhos a não ter preconceito. Se não forem, servirão de modelo pela sua conduta e por aquilo que puderem transmitir verbalmente, ensinando  que conviver com pessoas de diferentes grupos étnico-raciais e, sobretudo, que ter uma postura de vida que combata hierarquias e subordinações de raça, gênero, etnia e classe social é o mais certo a se fazer.

Essa ideia é passada para os fãs de One Piece também na saga da Ilha dos Tritões. A rainha Otohime se esforçava ao máximo para ensinar suas crianças e as crianças da ilha a ter bons exemplos, a respeitar e a evitar a intolerância, além de passar constantemente a mensagem de que guardar ódio não era algo bom, pois apenas perpetuava o preconceito e o medo.

otohime family

Com esta pequena passagem no mangá e no anime, One Piece mostra que não existe forma mais eficaz de combater o preconceito do que transformar o futuro através de uma criança, já que muitas vezes os adultos e as pessoas mais velhas em geral se acham sábias o suficiente para nunca precisar mudar de opinião.

5 – Saber seus próprios limites também significa ser mais forte se você tem quem preencha as lacunas de suas falhas

One Piece trabalha muito em cima do entendimento de que não existe apenas um tipo de força no mundo. Mostrou várias vezes que uma pessoa pode se dizer a pessoa com maior força física do mundo mas ter um emocional debilitado e que, consequentemente, pessoas fortes não são necessariamente aquelas com muita massa muscular ou um poder extraordinariamente raro e potente. Todos nós sabemos que as emoções são poderosas e que exercem uma grande impacto na nossa vida, podendo interferir positivamente ou negativamente nos nossos objetivos ou resultados desejados. Então, aprender a controlar as emoções e saber seus limites é uma forma muito mais saudável de ser forte do que apenas treinar o corpo. Até porque ninguém é perfeito a ponto de conseguir fazer tudo e qualquer coisa sozinho, ninguém tem a liberdade de fazer tudo que deseja e, ademais, há condições básicas insuperáveis para tudo. Logo, conhecer seus limites (legais e morais) e suas limitações (físicas e mentais) é condição básica para a construção da sua marca, do seu sucesso.

Luffy, o protagonista mais forte emocionalmente que já vi até hoje na vida, sabia que jamais conseguiria chegar até o One Piece e se tornar o Rei dos Piratas estando sozinho. Ele próprio admite:

Eu não sei usar espadas, não sei navegar, também não sei cozinhar e não sei mentir, o que eu sei é que dependo dos meus amigos se quiser continuar vivendo!

E a verdade é que compartilhar objetivos com seus amigos aumenta as suas chances de sucesso, porque você sempre conseguirá seguir em frente se estiver acompanhado!

 

6 – Família não é só quem tem laço sanguíneo

A sociedade em geral tende a transformar a instituição família em algo sagrado, da qual não se pode cortar laços. Existe uma pressão imensa para amar a família, mas que tipo de amor é esse que tem que ser forçado para existir? Hoje em dia a gente sabe que nem sempre as coisas funcionam assim. Pra quem tem família que se importa, que cuida, que ama: ok, meus parabéns, que bom pra você, sem dúvidas você é uma pessoa de sorte por não conviver com vampirinhos emocionais. Infelizmente, nem todo mundo compartilha dessa sorte, afinal de contas, família é feita de gente e gente às vezes é horrível mesmo. E um dos pontos mais legais de One Piece é ver mensagens que enfatizam isso falando: “Olha, às vezes sua família é cagada mesmo. Não tem problema nenhum você se afastar dela e procurar amor em outros lugares, com pessoas que te queiram realmente bem, que te amem sem pedir nada em troca. Ninguém é obrigado a suportar relações tóxicas e justificar abusos dizendo que família é assim mesmo”. Esse episódio é exemplificado principalmente com o passado de Sabo (o segundo irmão de consideração de Luffy), que deixou a família biológica para trocar juramentos de lealdade e fraternidade eterna com Ace e Luffy.

sabo, ace and luffy
Ace, Luffy e Sabo <3

Nessa parte, One Piece ensina: tenha precaução na ligação que você tem com algumas pessoas tóxicas que possam interferir na sua vida. Se elas não tiverem nada de positivo para oferecer, não deve haver espaço na sua vida para elas. E que algumas vezes, manter distância da família pode ser uma das coisas mais saudáveis que você pode fazer, que não tem nada de errado, ingrato ou egoísta em fazer isso. Na realidade, existe uma imensurável diferença entre a imaturidade de se cortar relações por coisas irrelevantes e a maturidade de se autopreservar e cortar relações que só fazem mal. Ainda que sejam com a sua família.

7 – O importante não é o final do caminho, mas a jornada até lá

 Também não é segredo pra ninguém que nós todos muitas vezes nos focamos demais nos objetivos do futuro, e de forma imediatista, esquecemos de viver o presente. Entretanto, podemos planejar os passos indispensáveis para seguir em frente tentando alcançar tais resultados, porém, a chegada não nos é garantida. Alguma coisa aleatória a nossa vontade pode acontecer e comprometer o alcance dessas metas ou até mesmo inviabilizar a chegada desse dia. Sendo assim, precisamos ser felizes desde o primeiro passo que damos na nossa trajetória.

O protagonista de One Piece é quem mais têm consciência disso e enfatiza com suas ações: desde que o rei dos piratas foi morto, todo mundo sabe que o One Piece é o maior tesouro do mundo, mesmo que não houvesse nenhuma confirmação do que seria esse tesouro. No decorrer da jornada, a tripulação de Luffy teve algumas oportunidades de ouro de descobrir o que realmente era o One Piece, mas em todas essas chances Luffy se exaltava e rejeitava firmemente.

Em suma, Luffy sabia que mais importante do que o resultado é o processo que nos leva até ele. O caminho a seguir é o nosso presente, onde estamos hoje, a realidade na qual nos encontramos, logo, não devemos esperar chegar ao destino para sermos felizes. Não podemos depositar todas as esperanças e expectativas lá no final, nos resultados. Podemos escolher percorrer o caminho, rumo às metas, fazendo valer a pena do começo ao fim da jornada. Até porque, se ao chegar lá no destino as coisas não saírem exatamente conforme o planejado, que pelo menos o caminho percorrido tenha sido um trajeto de felicidade, de forma que, ao olharmos para trás, possamos nos orgulhar dos nossos passos, dos desvios, dos sorrisos e das  lágrimas.

Straw Hat Pirates


Concluindo:

É claro que eu também tenho minhas críticas sobre One Piece. Acho importante saber que mesmo as melhores obras tem seus defeitos e que reconhecê-los faz de você um fã mais maduro e menos parcial. Eu poderia criar um post inteirinho só falando sobre os detalhes dessas coisas, mas o que acho importante nessas horas é ter consciência de que essas coisas existem e que, por mais que sejam “só anime”, só ficção, não significa que estejam isentas de falhas inconvenientes. E se as pessoas começarem a dialogar sobre isso, quem sabe um dia o Oda não perceba a crítica e torne o mangá ainda melhor, e a Toei Animation, que é a responsável pela serialização em anime, tome nota desses pontos e deixe o anime ainda mais prazeroso para todos os tipos de públicos? Seria sensacional se isso acontecesse e sinceramente, que bom que sonhar ainda é de graça. De qualquer forma, as mensagens descritas aqui neste post já me deixam bem feliz, por mais que sejam apenas alguns dos muitos pontos positivos do mangá. Por fim, é uma das melhores histórias já criadas no mundo otaku e merece público por isso: A obra é muito bem humorada, bem desenvolvida, bem trabalhada. Tem muita ação, muita aventura envolvendo tramas políticas e históricas, protagonistas e antagonistas cativantes, muitas inspirações vindas do mundo pop e de ídolos do cinema e da música, muita criatividade e enfim, muita diversão.

Então, apesar dos pontos fracos, grande parte deles são ofuscados pelos pontos fortes. E eu admiro a obra porque o autor consegue trabalhar divinamente muitas ideias e ideais complexos de forma simples, porque o protagonista que parece “vazio” e muitas vezes burro como uma porta na verdade tem ideais tão fortes e tão puros que não há como não reconhecê-lo: ele aceita e ama cada país que conhece, faz amizade com qualquer pessoa, de qualquer raça, de qualquer orientação sexual e muitas vezes perdoa os piores inimigos (além de nunca ter matado nenhum antagonista ou vilão até hoje). E é isso o que faz com que os fãs — que já leram mais de 70 volumes do mangá e mais de 700 episódios de anime — queiram que a aventura continue para sempre, sem fim.

Então, quem ainda não viu One Piece, aproveite a oportunidade e embarque na aventura pirata mais divertida e extasiante do mundo!

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