Como adultos, é muito mais fácil procurar pela representação que queremos e precisamos.

*O texto a seguir é a tradução de um artigo escrito por Rosie Knight, para a página Nerdist. A fim de que seja mantida a fidelidade ao texto original, foram mantidos a pessoalidade no texto e os relatos particulares.*

Olhando para trás, é engraçado ver como externamente queer eram várias das coisas que eu gostava no passado. E eu quero dizer engraçado tanto em uma forma “nada engraçado” filosoficamente quanto em uma forma “divertido, hahaha”. Algumas das minhas memórias mais antigas me colocam junto aos meus melhores amigos de infância, organizando festas de filmes da Eurovision, quando éramos bem pequenininhos, por vezes para os outros, e por vezes para nós mesmos. Nós assistimos aos filmes de John Waters, fizemos filmes de música drag inspirados nas Spice Girls e devoramos as mais campistas obras de terror. E nunca pensamento que nada disso passasse de escolhas estéticas. Mas no meio de tudo isso, sempre esteve um filme. Um bastião brilhante e esplendoroso em meio ao acampamento gótico que me fez perceber que era possível se apaixonar profundamente por mais de um gênero ao mesmo tempo. Aquela obra-prima poderosa, brilhante e envolta em cetim que era o Drácula de Bram Stoker.

Dirigido por Francis Ford Coppola, o filme estreou quando eu tinha apenas quatro anos de idade. Eu não me lembro claramente sobre quando foi a primeira vez que assisti ao filme, mas ele esteve presente em todas as minhas lembranças de infância. O vermelho profundo da armadura musculosa de Drácula, os vestidos tremulantes da Mina Harker de Winona Ryder, os colarinhos justos do certinho Jonathan de Keanu Reaves, e flashes assustadores da Lucy de Sadie Frost e do lobo pontuaram a bagunça que foi a minha infância. Eu já adorava terror quando era bem nova. Minhas emoções vicárias vinham da leitura da contracapa de fitas VHS macabras e de todas as cópias pirateadas de Frankenstein e Drácula que eu era capaz de adquirir. Com tudo isso, não é surpresa alguma que eu me senti atraída pelo melodrama da versão de 1992.

O fato de eu ter crescido a base de Bill & Ted e Edward Mãos de Tesoura provavelmente contribuiu para isso. Eu tenho sentimentos florescentes de infância tanto por Ryder quanto por Reeves, e sua chegada aos filmes de terror da época confirmou esses sentimentos.

Eles interpretavam amantes amaldiçoados pela atenção do monstro imortal do título. Assistindo a Drácula enquanto adulta, eu posso ver claramente os motivos pelos quais o filme apelava tanto para a minha versão jovem. Não apenas é exagerado e assustador, sem chegar a ser aterrorizante, mas também é estrelado por pessoas sensuais. As mesmas pessoas sensuais que eu já amava, utilizando trajes deliciosamente góticos, e aparentemente não querendo fazer nada além de dar uns pegas. Quem eles querem pegar não está ali nem acolá. Mina e Jonathan, Jonathan e as noivas, Drácula e Jonathan, Jonathan e Mina. Todas as opções estão na mesa. Excentricidade e tensão sexual permeiam todo o filme. E eu acho isso especialmente irresistível.

Drácula sempre foi considerado um romance trágico e sensual. Coppola se inclina pesadamente neste sentido, e amplia o erotismo. Toda a obra possui uma decadência teatral, que criou algo completamente extravagante e exagerador, de uma forma que os filmes de terror dos anos 90 raramente conseguem ser. Vermelhos sedutores e destaques sob a luz da lua banham a viagem de Jonathan para a Transilvânia. Mesmo o gambito de abertura no estilo de teatro de sombras, apresentando os horrores da guerra de Vlad, acrescentam ao estilo extremamente estilizado do filme. Parece algo feito para atrair olhares jovens e crianças queer, que são tímidas demais para participar das peças de teatro da escola.

E ainda existe um senso inato de saudosismo, tão entrelaçado em todos os momentos de Drácula e cada segundo do amadurecimento como jovem queer. Filmes de época são comumente densos e recheados de repressão silenciada. Qualquer pessoa que tenha crescido desenvolvendo uma queda por outra pessoa do mesmo gênero entende esse sentimento.

O Drácula de Coppola cria uma mistura de tensão sexual e repressão, que é tão poderosa, que quase brilha enquanto Jonathan atravessa o estranho lar de seu anfitrião. Não é só uma exploração sutil atmosférica. O triângulo amoroso central não consiste em dois homens apaixonados pela mesma mulher. Drácula sempre foi um personagem excessivamente sensual. Sua atração pela vida e por corações que batem transcende gêneros. Aqui vemos ele reivindicar Jonathan como seu. Ele furiosamente pune as suas noivas por ousarem encostar em seu convidado sacrossanto.

E não são nem mesmo os três quadros centrais que apresentam o caráter queer do filme.

Temos também, é claro, o despertar de Lucy. Após o seu encontro ilícito nos jardins, ela subitamente se torna alerta a toda uma nova forma de viver. Ela consegue ouvir e ver coisas que nunca havia percebido antes. Sentir paixão, amor e emoções de uma forma totalmente nova, e todos ao seu redor não ficam nada além de apavorados.

Se existe uma analogia textual sobre como a experiência queer, isso pode até certo ponto ser problemático, por comparar os antigos medos de monstruosidades com a sexualidade de alguém. Porém, como uma jovem amadurecendo, aprendendo a lidar com meus próprios sentimentos, isso era algo que eu conseguia encontrar em mim.

Assistir ao filme hoje, com um conhecimento próprio muito mais amplo, de minha identidade queer, faz com que o filme não pareça nem um pouco menos profundo ou menos aproveitável. Se eu sinto algo, é que ele tem agora um espaço ainda mais especial em meu coração. A pieguice e os exageros estéticos significaram muito para a minha versão pré-adolescente excessivamente sincera. Como adultos, é muito mais fácil procurar pela representação que queremos e precisamos. Nós somos capazes de esbanjar na relacionabilidade que encontramos no subtexto.

E por todos esses motivos e mais, Drácula de Bram Stoker sempre será um clássico do terror queer, ainda que muitos possam discordar.


Fonte: Nerdist

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