Jogadores denunciam falas de outros players que reproduzem racismo e xenofobia em Albion Online

Os jogos online foram tomando proporções gigantescas e atingindo cada vez mais pessoas, motivo pelo qual, atualmente, o público é bem diversificado. Neste cenário, jogo de MMORPG conquistam o centro das atenções, já que promovem um grande envolvimento entre os jogadores, especialmente dentro de guildas.

Infelizmente, a comunidade de alguns jogos desta modalidade estão sendo contaminadas por usuários que reproduzem falas racistas e xenofóbicas através de canais no Discord, um aplicativo de conversação, por vídeo, voz ou escrito, desenvolvido para a comunidade gamer.

A denúncia da vez se deu em uma comunidade do MMORPG Albion Online, em um canal de trash-talk.

Trash-talk é algo bem polêmico na comunidade gamer. Alguns defendem que é uma maneira saudável e expressiva de se jogar e, para outros, é algo tóxico e definitivo para evitar certos jogadores ou grupos.

Originalmente, este tipo de conversa servia basicamente para se vangloriar de suas habilidades, intimidar ou tirar sarro de um concorrente em um esforço para provocá-lo ou desmoralizá-lo – a famosa “zueira”. Entretanto, muitos usuários partem para ataques pessoais, dirigindo-se à aparência, raça, orientação sexual e outras características que jamais deveriam ser utilizadas, em hipótese alguma, para ofender alguém. E, pior do que isto, estão sendo criados diversos canais onde algumas pessoas se reúnem para destilar ofensas a grupos determinados de pessoas, reproduzindo racismo e xenofobia. E isto não é brincadeira ou “zueira”: é crime!

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A denúncia em questão se refere a um canal no qual jogadores, em um chat neutro em diversas guildas do game, reúnem-se para a clássica “conversa fiada”, a qual, infelizmente, tornou-se um local em que alguns dos participantes reproduzem muito racismo e xenofobia.

Em tese, o canal possui algumas “regras” que, claramente, não estão sendo cumpridas (nem pelo próprio fundador):

Discord: Cartun#2289 / Albion: Cartun
Racismo
Albion: rafabnu
Discord: arraya#4037 / Albion: arraya

racismo

racismo
Albion: TONHAOOTRATOR
racismo
Discord: Smonder#5357

racismo

 

Também há conteúdo contra judeus:

racismo

E mesmo após banirem a palavra “judeu” do chat:

Muito embora alguns jogadores tenham se mostrado verdadeiramente incomodados com as falas que reproduzem racismo e xenofobia – que, aliás, configuram crime – os mantenedores continuam inertes.

Por que não basta apenas a denúncia do canal pelo Discord, e alguns jogadores solicitam uma postura mais ativa dos desenvolvedores do jogo?

Boa parte dos usuários que reproduziram as falas expostas são criadores de conteúdo do jogo. Para facilitar a compreensão do funcionamento do game, vamos dividir os players em esferas. ATENÇÃO: essa divisão é apenas didática; não existe, formalmente, no jogo.

Na primeira esfera, temos os novatos, que estão em guildas não competitivas e seguindo o conteúdo exclusivamente proporcionado pelo jogo. Na segunda, temos os jogadores que ainda mantém este comportamento, mas por terem mais fama, por já possuírem participações em maior quantidade em dungeons, já participam mais do PVP. E, na terceira, temos jogadores que possuem muito mais fama, que produzem o conteúdo da temporada. Aqui, temos uma menor interferência dos desenvolvedores do game, que designa apenas as formas de marcação de pontos e os territórios, de modo que esta parte do jogo depende do relacionamento que existe entre as alianças e rivalidades firmadas entre as guildas, que são determinadas de forma exclusiva por seus líderes, que estão na quarta e última esfera.

Assim, já que a interação entre as guildas competitivas é boa parte do conteúdo do jogo e que ela é determinada por jogadores influentes, a reprodução, por alguns deles, deste tipo de comportamento pode acabar influenciando parte da comunidade, criando uma cultura dentro do game.

Será que essa interação é suficiente para gerar, a longo prazo, a normalização dessa atitude dentro do jogo? A resposta é sim, e não apenas por questão de opinião pessoal, mas da literatura antropológica.

Ruth Benedict escreveu em seu livro O Crisântemo e a Espada[1] que a cultura é como uma lente através da qual as pessoas veem o mundo, e cada uma delas possui sua própria lente, que é moldada de acordo com nossas interações e visões de mundo, sejam elas essencialmente vividas por nós ou passadas através de outras pessoas.  A nossa herança cultural é desenvolvida através de gerações e nos condiciona a agir de determinada forma em sociedade, e acaba se alterando conforme vamos criando vínculos no decorrer de nossa vida, já que é justamente essa interação que promove a construção da cultura[2]. Isto acontece no ambiente familiar, no ambiente acadêmico, no ambiente de trabalho e não é diferente dentro do ambiente do jogo.

Assim, um comportamento que não é devidamente repreendido acaba sendo normalizando e se integra à comunidade. Por isso é muito importante que haja uma postura ativa de todos os envolvidos para repreender, de forma efetiva, esses comportamentos – no caso em questão, a disseminação de racismo e xenofobia – para que eles não voltem a ser repetidos, mesmo porque são condutas criminosas, que podem ensejar sanções bem sérias para os envolvidos.

Citamos, a título de exemplo, que um clube esportivo foi responsabilizado, em 2018, por ofensas racistas que foram direcionadas pelos torcedores do time a um dos jogadores do time adverso (leia a decisão aqui), situação que pode, em muitos pontos, assemelhar-se a esta que estamos discutindo hoje.

Vale lembrar aqui que tanto o Discord quanto o Albion Online contém, em seus regulamentos, a proibição de falas discriminatórias:

13.2 Users are forbidden to…
• distribute content including but not limited to pictures, videos, links, names, words (including member names, character names, guild names, etc.) (i) which contain political, religious, insulting, offensive, violent, inciting or glorify violence or war, sexist, pornographic, obscene or other objectionable matters, especially including racist, right extremist or left extremist content, persons or depictions; (ii) which are suitable to cause serious moral harm to children and young people or which threaten their wellbeing; (iii) which can damage the reputation of Sandbox Interactive;
• make public such information or upload content, if applicable, that is racist, inhuman, offensive or immoral

Fonte: Albion

 

Como condição de seu uso do Serviço, e sem limitação de suas outras obrigações consoante estes Termos, você concorda em obedecer às restrições e regras de uso estabelecidas nestes Termos e em nossas Diretrizes da comunidade, bem como a outras restrições e regras (como regras específicas do aplicativo) definidas no Serviço. Por exemplo, você aceita não utilizar o Serviço para:
(…)
difamar, caluniar, ridicularizar, escarnecer, perseguir, ameaçar, assediar, intimidar ou abusar de alguém;

Fonte: Discord

Sabemos que muitas comunidades em vários games online estão sendo contaminadas por usuários que reproduzem este tipo de fala, e que ela não representa, atualmente, todos os players. Entretanto, conforme ressaltamos aqui, é necessário que esta atitude seja repreendida, justamente para evitar a normalização deste tipo de comportamento, que é, ressalte-se, criminoso.

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Como denunciar casos de racismo e xenofobia para o Discord?

Mande um e-mail para [email protected] e lembre-se de ter em mãos todas as ações necessárias expostas neste link.

Como denunciar casos de racismo e xenofobia para o Albion Online?

Mande um e-mail para [email protected] em inglês, pois a SBI não é uma empresa brasileira, e o suporte não é o responsável para punir usuários que praticam crimes.

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Atualização 29/03:

Após a veiculação desta matéria, o canal foi excluído, bem como o link de invite, pelos próprios jogadores, a fim de evitar sanções.

Houve até mudança no nome do usuário

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Atualização 01/04:

Após a repercussão da matéria, houve outro caso de racismo dentro do jogo e comentários a respeito deste ataque no grupo do Facebook do jogo:


[1] BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1973.

[2] LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. 24ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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