Por que este ano foi tão frustrantemente regressivo no que diz respeito à representação feminina nos jogos? 

Já se passou quase uma década desde o GamerGate, aquele acesso de raiva misógino da indústria de jogos que assediou mulheres sob o pretexto de exigir “ética jornalística” – mas estamos em 2023 e parece que ainda não melhoramos muito disso.

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Sem dúvidas existem mais mulheres que trabalham na indústria hoje do que em 2014, e muitas delas são inovadoras nesse mercado, como Mila Pavlin, da Sony Santa Monica, ou Emilia Schatz da Naughty Dog, ambas líderes em acessibilidade. As organizações de eSports estão criando equipes lideradas por mulheres e Sarah Bond agora é a vice-presidente do Xbox, o que fez com que as mulheres streamers ganhem dinheiro com acordos exclusivos. As mulheres jornalistas estão fazendo um trabalho pesado quando se trata de notícias de última hora e examinar questões culturais, como Rebekah Valentine da IGN sobre a Linha Direta de Assédio Online nos Jogos, ou  Cecilia D’Anastasio da Bloomberg sobre o fim do FaZe Clan, ou Ash Parrish do The Verge com a cobertura da agora extinta Liga de Overwatch.

E, no entanto, este ano foi repleto de eventos desanimadores, perturbadores e totalmente traumatizantes, desde alegações de conduta inadequada em relação às mulheres na GDC 2023, até uma completa ausência de mulheres no palco durante o Summer Game Fest, para não mencionar um escândalo pornográfico deepfake que tinha como alvo streamers femininas populares da Twitch e, mais recentemente, ele: o resumo da PC Gamer, comemorando os 30 anos de história da publicação, que não menciona uma mulher sequer. Para onde vamos a partir daqui?

Representatividade, novamente e sempre

Ao longo do ano, fui atingida por uma forma muito frustrante de déjà-vu em mais de uma ocasião, enquanto eu e outros corremos para explicar mais uma vez a importância e a prevalência das mulheres na indústria de videogames. Já percorremos esse caminho antes, depois do GamerGate, enquanto mulheres desenvolvedoras, jornalistas, criadoras de conteúdo e apenas jogadoras casuais lutavam para estabelecer seu direito de existir nesse espaço sem ser assediadas desenfreadamente.

O cansaço que sinto parece quase universal. As respostas à postagem da PC Gamer no X (antigo Twitter) anunciando sua edição impressa comemorativa são quase uniformemente negativas, com mulheres de toda a indústria criticando sua completa falta de mulheres em destaque. “Não há nenhuma mulher citada na lista de vozes influentes dos jogadores de PC nos últimos trinta anos. NENHUMA?”, escreveu a Dra. Rachel Kowert, diretora de pesquisa da Take This. “Parece uma atitude troll intencional não incluir nenhuma mulher em sua lista de ‘vozes influentes’ nos últimos 30 anos”, sugeriu a cofundadora da What’s Good Games, Andrea Rene. A escritora da empresa Firaxis Games, Emma Kidwell, apresentou o testado e comprovado meme Billy On The Street, onde o apresentador aponta um microfone para o rosto de alguém em uma rua da cidade de Nova York e grita “por um dólar, diga o nome de uma mulher”. A ira não para por aí, e é compreensível.

A streamer Alina Matson também comentou: “Então a PC Gamer tomou a decisão editorial de não incluir uma única mulher nas principais vozes dos jogos nos últimos 30 anos? É isso que queremos dizer quando afirmamos que não somos levadas a sério. Estou cansada dessa merda.”

Embora o número de trolls do GamerGate tenha diminuído desde 2014 (ou talvez muitos deles tenham voltado para suas cavernas úmidas e soprar as migalhas de comida embutidas nas fendas de seus teclados), o assédio que as mulheres experienciam jogando não é menos intenso do que há nove anos. A única maneira de acabar com esse assédio é tornar a existência das mulheres (e das pessoas não-brancas e LGBTQIA+) tão normal, tão óbvia, tão evidente que se opor a isso seria como lutar contra uma correnteza.

A frase que repetimos, ad infinitum, até ficarmos com a cara azul: Representatividade importa.

Isso significa que o The Game Awards não deveria apenas apresentar os mesmos desenvolvedores homens conhecidos todos os anos (como Hideo Kojima, ou Ben Brode, ou Sam Lake), ou relegar a co-apresentadora Sydnee Goodman em um palco secundário onde ela distribui pequenos prêmios, como “melhor treinador de esportes eletrônicos” ou “comunidade favorita”. Isso significa também que a mesa de transmissão ao vivo da Summer of Gaming da IGN não deveria apresentar quadros com apenas quatro homens brancos, e a retrospectiva exaustiva da PC Gamer em seus 30 anos de história não deveria ser desprovida de mulheres colaboradoras da indústria. Isso significa que deveriam haver mais vozes femininas na Twitch, em eventos do setor de games, em reuniões de desenvolvedores, em convenções.

E as mulheres não deveriam ser as únicas pessoas a fazer o trabalho para garantir que isso aconteça – os homens, que já ocupam posições de poder, que controlam todas as cartas do jogo, precisam de fazer a sua parte para garantir que estão dando espaço para vozes femininas.

É fácil para as mulheres nomearem outras mulheres – desafio os homens da indústria a fazerem o mesmo, em voz alta, até que a nossa existência não esteja mais em debate ou discussão. Até lá, estamos todos condenados a reviver os eventos e ideologias da era GamerGate continuamente – e eu, francamente, estou muito velha e cansada para fazer isso para sempre.


Texto escrito e publicado por Alyssa Mercante. Traduzido e adaptado da Kotaku.

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