O excesso pode sim dessensibilizar o leitor!
*Atenção! Esta matéria contém spoilers dos capítulos mais recentes do mangá de Jujutsu Kaisen!*
Jujutsu Kaisen lida generosamente com a morte, mas essas fatalidades frequentes são o suficiente para carregar a série até o fim?
Já sabemos que Jujutsu Kaisen não tem a intenção de contar uma história gentil. Sua brutalidade, violência e intensidade dão à série de traços marcantes que a diferenciam das demais obras de ação shonen.
O arco de Shibuya, recentemente adaptado para anime, avançou para um final emocionante que provocou um futuro ainda mais sombrio para a série e, ao longo do caminho, apresentou mortes comoventes que são uma prova de quão impiedoso o mangaka Gege Akutami realmente é. As mortes de Nobara Kugisaki (me chamem de negacionista, mas eu ainda acredito que ela vai voltar!), Nanami Kento e Toji Fushiguro ainda podem ser cruas para os fãs do anime, mas para os leitores de mangá, Gege lhes deixou pouco tempo para superar o luto.
Mas uma morte boa e impactante não precisa ser apressada, e o padrão de Akutami de matar personagens está começando a perder força. Choso foi morto no Capítulo 259 do mangá, mais uma de uma longa série de mortes “chocantes” no arco mais recente, que estão as tornando, na verdade, completamente sem sentido.
À medida que Akutami continua a derramar sangue nas páginas de seu mangá, ele aumenta o risco de entorpecer o impacto emocional que essas mortes deveriam causar. A consternação não existe mais, e parece que ele está contando com um dispositivo narrativo singular para manter seu mangá vivo – irônico, certo?
Não há nada de errado em matar personagens. Na verdade, a morte de um personagem pode ser crucial para a história ao distorcer um enredo ou introduzir outro nível de desenvolvimento dos personagens (em especial, do protagonista). No entanto, chega um certo ponto em que os hábitos característicos de um autor podem parecer um exagero. No caso de Akutami, sua necessidade de eliminar os feiticeiros Jujutsu um por um já está esgotando os leitores, e os capítulos mais recentes do mangá estão ficando cada vez menos criativos, mais maçantes e, sinceramente, sem graça.
As mortes de personagens mais bem-sucedidas de Jujutsu Kaisen provaram que essas mortes são mais eficazes quando feitas com qualidade do que quantidade. A morte de Satoru Gojo (e seu tão esperado e aguardado retorno) deixou o fandom se deleitando em seu desespero. A obsessão avassaladora da internet por Gojo resultou em seu infeliz destino ainda sendo discutido até hoje, apesar de já se ter passado uns bons meses desde o ocorrido. Os fãs simplesmente não conseguem seguir em frente.
Para dar outro exemplo: pessoalmente, o que mais me impactou em Jujutsu assim que conheci a obra, foi a forma como a obra lidou com a morte de Junpei Yoshino, me pegando completamente de surpresa e me levando às lágrimas por um personagem secundário que nunca teve chance de ser desenvolvido.
Em sua estreia, Jujutsu Kaisen recebeu elogios por sua originalidade e ousadia. Agora, está aninhado numa zona de conforto autodesignada, circulando em torno do mesmo tropo previsível e redundante da morte. O luto só pode se estender até certo ponto. A escolha de Akutami de eliminar seus personagens com tanta frequência limitou o próximo destino da série. Como terminará Jujutsu Kaisen? Com Ryomen Sukuna eliminando completamente os feiticeiros Jujutsu?
A morte de Choso no capítulo 259 levanta a preocupação de que Akutami não tem certeza do que quer fazer com seus personagens à medida que cada novo capítulo é lançado. Jujutsu Kaisen corre o risco de se trancar em um ciclo inquebrável, girando em torno da mesmice das histórias semanais sem ter um plano seguro de como seguir em frente.
A popularidade das indagações de qual será a “morte da semana” de Jujutsu Kaisen ameaça reduzir as possibilidades de uma narrativa complexa pela qual a série insistia em ser conhecida. Matar sem sentido leva à expectativa de que os personagens morrerão por morrer, e essas “grandes revelações” começaram a se apresentar como um clichê rotineiro que está se cansando.
A próxima morte de Jujutsu Kaisen deve ser um ato de selvageria completamente devastador e tão revolucionário que altera a trajetória do mangá para sempre. Caso contrário, Akutami se recusa voluntariamente a deixar seu mangá crescer.
Akutami deixou claro o quão cruel está disposto a ser. Agora, ele precisará explorar como pode aprimorar seu mangá e introduzir algo que seja ainda mais angustiante do que a morte por si só. Assim que o autor estiver disposto a explorar o desconhecido, é aí que Jujutsu Kaisen terá a oportunidade de convidar novos e emocionantes elementos de história para o futuro da série. A coisa mais surpreendente que Jujutsu Kaisen pode fazer agora é encontrar uma alternativa para esses “choques” que se tornaram tão familiares.
Post traduzido de The Mary Sue, com algumas adaptações e adições.
Leia mais sobre Jujutsu Kaisen aqui no Garotas Geeks!
Doutoranda em Letras Clássicas pela USP; é escritora, tradutora e maga das Letras num geral. É otaku e fã de Star Wars desde bem pequena. Queria ter o superpoder da Rumor (Umbrella Academy), mas se contenta em ser devoradora de livros, mangás e séries. Se não a encontrar numa dessas atividades, deve estar tentando escapar do Hades com o Zagreu.
