Se você não escutou a música nos créditos finais, A Glass of Soju, você não terminou de assistir ao filme sul-coreano Parasita.

Esta é a última peça que faltava do filme, então este texto terá SPOILER.

Nós já estamos acostumados a esperar nas salas de cinema para saber se haverá alguma cena pós-crédito de um filme, mas o que podemos não estar tão acostumados é que o desfecho se dê instrumentalizada na letra de uma música, como ocorreu no super aclamado e premiado filme sul-coreano Parasita (기생충 – Gisaengchung), do diretor e co-roteirista Bong Joon-ho.

A sensação de que “não temos mais o que esperar nas salas de cinema” se intensifica porque a trama encerra bem com um emblemático epílogo de esperança de Kim Ki-woo ou “Kevin”, interpretado por Choi Woo-shik, sobre seu plano para libertar o seu pai Kim Ki-taek (Song Kang-ho) e também porque a música dos créditos está em coreano, passando despercebida para quem, como eu, desconhece o idioma.

A música chamada A Glass of Soju foi composta por Jung Jae-il, responsável pela trilha sonora do filme que está disponível no Spotify, cuja letra foi escrita próprio diretor Bong Joon-ho e é cantada pelo ator Choi Woo-shik, dando voz ao que aconteceu com Ki-woo nos anos seguintes à tragédia.

Apesar de não ter sido indicada ao Oscar 2020 como Melhor Música Original, ela esteve entre as 15 canções selecionadas de 75 elegíveis na categoria, tratava-se da lista restrita que avançaria para uma nomeação. Vamos conhecer que música é essa?

https://platform.twitter.com/widgets.js

Um copo de Soju

Soju é uma popular bebida alcóolica coreana que aparece no início do filme, quando Ki-woo está bebendo na rua com seu amigo Min-hyuk (Park Seo-joon) e recebe a proposta de se infiltrar como universitário e tutor de inglês na casa dos Park, dando a entender que é uma bebida que Ki-woo aprecia e que ele é o eu-lírico da canção. Se forçarmos um pouco a interpretação, podemos subentender que a bebida também representa a esperança de ponto de virada na vida do personagem.

Ignorando a letra, a música A Glass of Soju começa muito agitada, até alegre, e quebra o ar mórbido do filme, realçando a sensação de esperança no sonho de Ki-woo. Mas a letra não é tão feliz, o que também condiz com o estado mental do personagem que ri, mesmo estando triste. Mas, assim como na própria trama, ela encerra com o tom cansado e triste.

ki-woo bebe soju

Após o entorpecer de um otimismo falso, da esperança de um futuro melhor que nunca chegará, o eu-lírico termina o dia respirando a poeira fina, com pés pobres e secos, mãos calejadas, trabalhando de dia e noite até desgastar todos seus músculos. O copo de soju frio transborda sobre suas unhas sujas enquanto as nuvens inundam o céu azul e chove lágrimas em seu rosto, assim canta Ki-woo sobre sua triste vida.

Em entrevista para o The Ringer, Bong explicou que escreveu a letra com a intenção que o público pudesse ver a vida de Ki-woo.

“Quando as pessoas estivessem saindo do cinema, eu queria que elas escutassem a voz de Ki-woo no final, então, eu pedi para o ator cantar a música que escrevi a letra”, explica o diretor e co-roteirista de Parasita.

Uma curiosidade é que em vez de se chamar A Glass of Soju ou Soju One Glass, como também é traduzida, iria se chamar 564 years, o cálculo que o diretor fez de quantos anos uma pessoa nas condições do personagem teria que trabalhar até ter recursos para comprar uma mansão como a da família Park.

Ou seja, para quem ficou em dúvida sobre o suposto final ambíguo, é impossível na sociedade retratada que alguém pobre, fichado na polícia e com um trauma cerebral ascenda economicamente como ele sonha na carta.

pés de ki-woo molhados na enchente

Confira a seguir uma tradução livre para o português da letra A Glass of Soju:

Vadeando (atravessando a água) em uma interminável névoa

Bombeando uma fina poeira nos meus pulmões

Sem neve à vista

Sem chuva à vista

Meus pés pobres mais secos que a areia

Todos os dias eu me queimo

Até os meus músculos se reduzirem a cinzas

Trabalhando dia e noite

Mas eu os aperto novamente

Com minhas duas mãos duras e calejadas

Está gelado o soju que transborda

E molha a sujeira embaixo de minhas unhas

O céu limpo ameaçado pelas nuvens de chuva

Rastejando mais perto

Amargo é o soju que transborda

E molha a sujeira embaixo de minhas unhas

Minha bochecha corada e inchada

Finalmente

Acariciada pela chuva

Ki-woo pensa em um plano

A conciliação com a sociedade

Já que estamos falando de música, apenas uma informação a mais: Na trilha composta por Jung Jae-il há três músicas chamadas Conciliation diferenciadas apenas por numerais na ordem que aparecem no filme.

Elas tocam nos três momentos de oportunidade de mudança de vida vislumbradas pela família Kim: 1) Quando Ki-woo recebe a proposta de emprego de seu amigo; 2) quando ele inventa que conhece uma renomada arte-terapeuta chamada Jessica; 3) quando “Jessica” introduz o personagem do motorista.

Gera-se a ideia de que essa família pobre poderia, finalmente, se conciliar com o restante da sociedade abastada.

Compartilhe: