As últimas temporadas decepcionaram, e isso reflete a dificuldade de se produzir um bom conteúdo sobre bruxaria.

O Mundo Sombrio de Sabrina, da Netflix, acabou e, enquanto eu avançava pelas temporadas, fiquei realmente desapontada com a forma como uma série com tantas promessas e uma estética tão boa conseguiu fazer com que nada valesse a pena. Mas o ponto que eu realmente gostaria de discutir é que este é um problema que tende a aparecer em muitos programas centrados em bruxas.

Os programas de maior sucesso e longa duração sobre bruxas são Sabrina: Aprendiz de Feiticeira, Charmed e A Feiticeira. Todos passaram por alguma forma de reboot com desempenhos de sucesso bem diferentes. Mas todos eles retratam a feitiçaria e a magia de uma forma “mágica” e “fantástica”, deixando de desenvolver conceitos dentro do paganismo, da wicca ou de outras práticas que se relacionem com religiões ou similares, porque quando a fé e as crenças se misturam com bruxaria, os resultados às vezes podem ser, bem, o que aconteceu com O Mundo Sombrio de Sabrina.

O Mundo Sombrio de Sabrina

Atenção: a partir deste ponto o post contém spoilers das terceira e quarta temporadas da série.

Desde os primeiros episódios, percebemos que o patriarcado satanista está uma verdadeira bagunça e Sabrina chega como um tipo de “entidade feminina” que iria contra isso – como a Aradia, e eu amei essa ideia – mas a série não podia se comprometer com este tipo de mitologia, e isso acabou ficando de lado.

Já quando o coven de Sabrina decidiu adorar a deusa das trevas Hécate, fiquei animada, já que a deusa está profundamente ligada à bruxaria. Mas o arquétipo da deusa tríplice – Donzela, Mãe e Anciã – não é algo historicamente ligado a ela, especialmente porque é mais uma concepção do século 20 que tem sido uma grande parte da fé neopagã moderna.

Ainda, apesar da série apresentar algumas conexões com a morte e com necromancia, nada disso é usado na batalha contra os terrores sobrenaturais na quarta temporada. Na verdade, percebemos que elas são usadas principalmente para abordar aspectos tradicionais de maternidade e proteção – e desde já ressalvo: não coisas ruins, mas faz parecer que a divindade acaba se reduzindo a isto.

Além disso, os covens são administrados como igrejas católicas, sem senso de unidade em torno da natureza, exceto em uma base superficial. Divindades e figuras de outras religiões aparecem e saem sem qualquer base real no que sua feitiçaria significa. Quando Prudence foi a Nova Orleans para procurar a magia vodu haitiana de Mambo Marie LeFleur, pensei que isso levaria a uma maior exploração da magia não ocidental, mas foi apenas mais uma aventura concluída. Outra vez que isso se repete é na revelação de que Roz é, na verdade, uma bruxa, o que poderia ser uma oportunidade para explorar a tradição negra americana de magia conjurante e Hoodoo/Hudu/Hodu, mas isso não acontece. Ela simplesmente faz as mesmas coisas que sempre fez, sem nenhuma conexão cultural com a origem de sua magia.

Enfim, a série O Mundo Sombrio de Sabrina ilustra um problema que muitos meios de comunicação têm quando lidam com bruxas: eles pensam nisso como algo que não tem qualquer relação com fé, com crenças, com um contexto histórico e cultural. Mesmo ao torná-lo mais fantástico, não significa que não podemos perder algum tempo para ter certeza de que, se vamos ter um coven de bruxas adorando Hécate, podemos realmente entender como é, de fato, a tradição certa e não apenas juntar as ideias religiosas gregas de Hécate com os conceitos neopagãos da Deusa Tríplice, ou que não podemos pegar religiões africanas históricas e simplesmente misturar tudo.

Essa incapacidade inconsistente de entender a religião e mitologia dos outros fez da série O Mundo Sombrio de Sabrina muito desconcertante de se assistir em quase todos os níveis. Da magia à moralidade e a qualquer senso de irmandade, a série era todo glamour, mas bem superficial no que se refere à tentativa de retratar a realidade da bruxaria.


Texto traduzido de The Mary Sue

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