Quem amou, amou. A quem odiou, resta engolir o choro.


Texto sem spoilers do filme!

Talvez pareça exagero chamar de obra de arte uma produção cinematográfica de uma empresa de brinquedos, mas eu entendo que o filme da Mattel encaixa perfeitamente no conceito da palavra. É rosa demais, pastelão demais, “Sessão da Tarde” demais? É. E não tinha como ser mais perfeito.

Quando saí do cinema e revirei a internet procurando saber a opinião do público, uma frase se manteve constante em minha mente:

“A arte deve confortar os perturbados e perturbar os confortáveis”

É uma citação de 1997 do poeta e acadêmico mexicano César A. Cruz, que acompanha toda a minha carreira de artista, e é, notavelmente, o maior efeito do filme até agora.

Graças a Barbie, vi inúmeras mulheres, tanto online quanto off, compartilhando um sentimento de comunidade, empatia e admiração. Gente se saudando com frases do filme? Fascinante de ver. Usar rosa e ver alguém do outro lado da rua falando “Oi, Barbie” ou chegar no cinema e ouvir “você está super Barbiezinha” ou outros elogios semelhantes é, ao mesmo tempo, uma bobeira divertida de fazer estender um sorriso e um acalento gentil de abraçar o coração. Ver a cidade inundada de rosa e mulheres de todas as idades aderindo características femininas, sem vergonha de parecerem “fúteis” ou quaisquer outros adjetivos e conotações negativas que agregaram ao feminino? Fascinante de ver. Existem pouquíssimos exemplos de obras de cinema que permitem que as mulheres sejam elas mesmas, experimentem e celebrem seus interesses com tanta alegria, desligadas do julgamento alheio, exatamente por causa de uma comunidade que se apoia.

Que bom estar viva na mesma época que Greta Gerwig.

Por outro lado e também graças ao filme, vi a já esperada e, infelizmente, comum onda de ódio vindo de homens repugnantes cheirando a porão e de uma gentalha cínica espumando fanatismo religioso. Aqui, Barbie acertou em cheio: perturbou gente que está acostumada e muito confortável em repercutir ideias machistas, preconceituosas, misóginas. Homem e Igreja estão unidos nesse sentido desde os primórdios do tempo.

Como pesquisadora de sociologia de gênero, vejo as críticas desse último grupo recordando a afirmação de Pierre Bourdieu de que existe um “coeficiente simbólico negativo” agregado às mulheres, tal qual a cor da pele para os negros, que afeta tudo que somos e fazemos. E como isso está fundamentando na nossa sociedade por causa de leis e costumes que homens inventaram, e que a Igreja consolida com sua influência.

Vamos passar o resto das nossas vidas contestando essas estruturas – mas felizmente existe Barbie para fazer isso com humor e sagacidade. Se perturbou os confortáveis, é porque funciona. Arte.

Falando da minha experiência pessoal assistindo ao filme, fui ao cinema tentando conter minhas expectativas. Admiro o trabalho da diretora e os trailers apresentaram uma história inicial que me deixou entusiasmada: tudo indicava que seria um filme leve, bem humorado e divertido. Ao mesmo tempo, como a própria diretora afirmou, louco e anárquico.

E foi tudo isso mesmo. Barbie pode ter um pouco de cara de filme de sessão da tarde, com aquele gostinho de nostalgia e algumas lições de vida que acabam te seguindo por anos, mas é também daqueles filmes que você guarda com carinho não só por causa do filme em si, mas por causa de toda a experiência que veio no pacote. Estou adorando o auge do rosa e já pretendo rever o filme quando ele chegar na HBO Max em setembro – mais uma comprovação de que o fracasso passou longe: ainda vai demorar um tempinho para o filme sair dos cinemas e chegar no streaming. O sucesso traduzido em uma bilheteria milionária coroa tudo como cereja de bolo.

Saí do cinema com a cabeça borbulhando: pensando nas inúmeras referências, na quantidade enorme de participações especiais com atores estelares, na profundidade de algumas falas e, acima de tudo, impactada com a forma que o filme trouxe emoção para quem estava na sala assistindo ao meu lado. Raramente choro vendo filmes (não posso dizer o mesmo com séries), e não chorei vendo Barbie, mas muita gente chorou. Não chorei, mas me emocionei. No fim da sessão, vi amigas desabando num pranto sofrido, mas cheio de consolo. Teve algo catártico ali. Essa característica do cinema vai para sempre me impressionar.

Fui embora com um sentimento agridoce, na verdade. Doce porque tudo envolvia a mais pura e simples sororidade, do telão até o auditório. Amargo porque é o retrato mais preciso da feminilidade que vi no cinema até hoje. Amargo também porque sei que não existe nada no filme que complique o entendimento do que está sendo dito ali, e ainda assim existe uma resistência em ouvir – que não se baseia em nada lógico, senão no ódio. Em tudo o que torna um preconceito real. Como pode alguém ver um discurso de justiça social e entender como sendo uma narrativa “anti-homem”? Desnecessário afirmar que esse tipo de “crítica” diz mais sobre quem está criticando do que do filme.

Barbie é sobre como o mundo elogia os homens por fazerem o mínimo enquanto as mulheres lutam todos os dias e seus esforços nunca são suficientes. Nesse sentido, uma das cenas finais do filme, quando a música “What Was I Made For” de Billie Eilish começa a tocar, é definitivamente a que acerta mais no âmago da gente.

A linha final de Barbie é genial. Terminar o filme com uma boa gargalhada era tudo que eu precisava.

Esqueça os “críticos”. Veja Barbie. Use rosa. Governe o mundo.


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