What, like it’s hard?

Quando Legalmente Loira (2001) chegou às telonas em 2001, foi simultaneamente elogiado e criticado. Jessica Winter, então escritora do Village Voice, afirmou que o longa era um “filme de junk food que se esforça para ser nutritivo“, elogiando sarcasticamente a protagonista Elle Woods (Reese Witherspoon) por sua capacidade de “memorizar fatos, sorrir muito e olhar para as pessoas nos olhos”. (Roger Ebert, por outro lado, disse que o filme era “impossível de não gostar”).

Vinte anos depois, podemos nos solidarizar e compreender melhor Elle porque a grande mídia fez avanços bem expressivos no reconhecimento de como todos nós sofremos nas mãos da misoginia e do male gaze: ela não é uma ferramenta do patriarcado; ela está lutando contra isso. Assim como podemos rever nosso tratamento – e, de forma mais ampla, o tratamento da mídia – com as mulheres na cultura pop, podemos rever também a maneira como respondemos quando conhecemos a loira e borbulhante Elle. Superficialmente, Legalmente Loira é simplesmente um filme leve e de conforto sobre uma mulher que faz uma coisa boba seguindo um ex-namorado, Warner Huntington III (Matthew Davis), até a Escola de Direito de Harvard depois que ele a dispensa por uma mulher “mais séria”. Em uma reviravolta divertida, no entanto, ela se destaca em Harvard e, eventualmente, usa seu conhecimento sobre tratamentos de cabelo para resolver um caso de assassinato.

É importante notar que Legalmente Loira foi dirigido por um homem – Robert Luketic em sua estreia como diretor – apesar do roteiro ter sido escrito por duas mulheres – Karen McCullah Lutz e Kirsten Smith. A direção de Luketic pode ter sido o motivo pelo qual um filme como este foi capaz de decolar: com um diretor homem, um filme sobre uma loira aparentemente burra, mas, em última análise, adorável, não é uma ameaça para o público masculino ou para os líderes da indústria masculina. Também poderia explicar por que Legalmente Loira não foi mais longe em seu radicalismo, preferindo, em vez disso, o subtexto sutil para pintar o quadro político mais amplo. O que alguns críticos, especialmente as mulheres, sabiam ser verdade na época de seu lançamento, e o que entendemos ainda mais agora, é que o filme é uma exploração de como os homens percebem as mulheres (e o machismo que existe nisso), as maneiras pelas quais as mulheres demonizam outras mulheres pelas formas como os homens as percebem (rivalidade feminina) e a armadilha de ser a “santa” ou “puta”.

Elle ensinou uma geração de mulheres a não ceder às maneiras que “deveriam” ser e as encorajou a perguntar: “Como EU me vejo?”

Legalmente Loira agregou características na singular Elle e em seu coração de ouro que foram (e ainda são) muitas vezes ridicularizadas ou criticadas pela mídia. O filme foi lançado durante um momento difícil para as mulheres aos olhos do público: o início dos anos 2000 foi forjado com misoginia, tanto internalizada quanto externalizada, e nossa cultura pop refletia isso. Qualquer mulher que passasse de “pura” para “mulher adulta sexualmente ativa” era aterrorizada pela imprensa. Essa era a norma. Legalmente Loira apareceu alguns anos depois de vários escândalos de assédio sexual.

Se colocarmos Elle em um alinhamento com outras mulheres de seu tempo – Anna Nicole Smith, Paris Hilton, Britney Spears – ou qualquer celebridade que cruzou a “linha” do que era considerado um comportamento feminino “aceitável”, vemos que a mídia tratou a personagem da mesma forma que tratou essas celebridades femininas.

O filme foi vendido como um conto de empoderamento destinado a desafiar essas normas misóginas, ao lado de filmes como Erin Brockovich (2000), Driblando o Destino (2002) e Ela é o Cara (2006). No início dos anos 2000, as mulheres, famosas ou não, eram levadas a buscar empoderamento por serem constantemente atacadas simplesmente por serem mulheres.

Como Elle, esperava-se que as mulheres fossem femininas, mas não muito femininas, por medo de não serem levadas a sério ou, pior, de serem insultadas, assediadas ou agredidas.

As noções sobre o que uma mulher “deveria” ser atuam mais obviamente no relacionamento entre Elle e sua rival, Vivian (Selma Blair). Vivian e Elle estão em desacordo durante a maior parte do filme. Warner, que é pouco mais do que um patético playboy (apesar de ser bem bonitinho levando em conta os padrões do início dos anos 2000 em relação à atratividade de gente branca), é o objeto das afeições de ambas. Ele é, no entanto, decididamente indigno de qualquer uma delas. Warner diz à Elle que ela não é inteligente o suficiente para ir para Harvard (apesar dela conseguir entrar por seus próprios méritos), numa tentativa de justificar o término com ela porque a considerava “muito burra” para ser a futura esposa de um político promissor.

O rompimento dos dois trabalha uma mensagem muito mais ampla. Ao terminar com ela, Warner explica: “Eu preciso me casar com uma Jackie, não com uma Marilyn”. Elle responde: “Você está terminando comigo porque eu sou muito… loira?… Meus seios são muito grandes?”. Nesta cena, vemos que, em algum nível, Elle sabe em qual das duas opções ela foi colocada. Agora, 20 anos depois, podemos desempacotar essas categorizações e chamá-las do que são: misóginas e putafóbicas (a prostituição está na raiz do complexo “santa-puta”). Embora alguns espectadores possam ter simpatizado com Elle, muitos não (por exemplo, a crítica de Winter citada acima no post). Nossas respostas ao personagem dela ilustram nossos cálculos individuais com a misoginia e o male gaze. Repetidamente vemos as maneiras como Elle é punida por incorporar as características exatas que se espera que as mulheres incorporem. À medida que o filme se aproxima do fim, o professor Callahan (Victor Garber), que atuou como líder para o grupo de alunos de Elle, trai a confiança dela, assediando a personagem ao passar a mão em sua coxa e insinuar que só assim ela conseguiria prosperar em Direito. Vivian assiste o momento à distância e então presume que Elle esteve transando com Callahan o tempo todo. Essa suposição anula qualquer esforço que Elle já tinha passado para convencer os outros alunos, Vivian incluída, de que ela tinha valor real além de sua aparência e seu apelo sexual.

De uma só vez, Elle não é apenas assediada, mas também tem o assédio usado como uma arma contra ela. No final, porém, Elle sai por cima – e finalmente decide por si mesma quem ela é.

Legalmente Loira não simplesmente resistiu ao teste do tempo; ele permanece relevante por causa de seu discurso presciente em torno do feminismo prevalente (e não prevalente). Isso influenciou uma geração de jovens, incluindo eu, a assumir suas próprias vidas e recusar a se curvar ou se limitar aos olhares ameaçadores e as exigências de gênero.

Apesar do sexismo de gente como Warner e Callahan, e de ser reprovada por mulheres como Vivian, que optaram por fazer julgamentos precipitados, Elle se valoriza. Eventualmente, Elle e Vivian acabam se acertando e se unindo, chutando Warner para o meio-fio e se tornando amigas. Elle resolve o assassinato mencionado, se forma como a primeira da classe e não muda quem ela é para realizar seus sonhos. Ela era tão poderosa há 20 anos quanto é hoje.

Assistindo agora, uma coisa fica clara: não é que Elle precisasse ser diferente. É que, talvez, só agora podemos reconhecer e honrar seu poder.


Texto traduzido e adaptado do Bitch Media.

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