É uma história sobre família, perda e memória, que vai deixar seu coração quentinho


O novo filme da Disney/Pixar, que lá fora se chama “Coco” e aqui ganhou o inexplicável nome de “Viva – A Vida é uma Festa“, tem feito muita gente sair do cinema um tanto desidratado e com olhos inchados. Em uma das sessões que eu fui, algumas pessoas não se contiveram e chegaram a soluçar, coisa que eu nunca vi na vida em uma sala de cinema. Esse é o poder de uma história que em vez de almejar salvar o mundo, propõe que se salve algo muito mais delicado: a memória das pessoas que amamos.

Ambientada no Dia de los Muertos, o feriado de Finados dos mexicanos, a animação acompanha a jornada de Miguel pelo Mundo dos Mortos, onde ele busca a bênção de um membro da família para que possa retornar ao Mundo dos Vivos e se tornar um músico. E apesar do protagonista ser um menino, o filme é inteiro costurado através da história de mulheres fortes. A narrativa é cheia de reviravoltas, dignas das melhores novelas mexicanas, e é focada em relações familiares e na ideia de que às vezes é preciso ceder para conviver em família.

“E nessa loucura, de dizer que não te quero…”

Com todos atores, artistas e consultores de nacionalidade ou ascendência mexicana na equipe, e um diretor que é filho de mexicanos, a Pixar teve um cuidado extra para respeitar a cultura que estava retratando. É só olhar as fotos reais do Dia de Los Muertos no México – com as oferendas, as bandeirolas de papeles picados, os alebrijes e as fantasias de caveira – para perceber o quão meticulosa é a animação. O Mundo dos Mortos, além de ser deslumbrante de se ver, foi inspirado em diversos períodos da arquitetura mexicana. E até Dante, o cachorro que acompanha Miguel, é de uma raça vinda do México. São tantos detalhes e referências, que é preciso ver o filme mais de uma vez para absorver melhor sua riqueza.

Música, novelas e muita festa! Temos muito em comum com os mexicanos!
Música, novelas e muita festa. Temos muito em comum com os mexicanos!

Tudo isso contribui para que “Viva – A Vida É Uma Festa” seja um marco em termos de representatividade cultural, não apenas para o México, mas para toda América Latina, que mesmo com 20 países de culturas ricas e diferentes entre si, tem traços de identidade que unem a todos e nos diferenciam dos outros continentes. E como o único desses países cujo idioma oficial é o Português, o Brasil se distancia em diversos aspectos dessa “família”. E esse distanciamento é reforçado por uma cultura global que valoriza o eurocentrismo e o norteamericanismo em detrimento dos nossos próprios vizinhos. Mas vendo “Viva” é difícil não se sentir também representado, especialmente se você cresceu em uma cidade pequena.

As grandes famílias que moram próximas, a bisavó que vive em uma cadeira de rodas, com um cobertor no colo, a avó que ameaça os netos malcriados com a chinela na mão e fica ofendida se eles não repetem três vezes a comida. As festas, a pracinha da cidade, as telenovelas, os rojões, e até o cachorro vira-latas que as crianças locais alimentam, tudo isso é tão brasileiro quanto mexicano. E pensar que essa cultura tão familiar e tão nossa está sendo levada ao mundo através do cinema, pela maior corporação de entretenimento do mundo, é um tanto mágico. É como assistir a um episódio de “Irmão do Jorel”, mas no cinema, e em escala global.

E dentro dessa latinidade, a figura da mulher é o alicerce da trama, como não poderia deixar de ser. Na história, depois de ser abandonada pelo marido cantor com uma criança pequena, Mamá Amelia Rivera, a grande matriarca da família, começa a fabricar sapatos para sustentar a filha. A família cresce, assim como os negócios, e os Rivera ficam marcados por seus belos sapatos e por suas mulheres fortes e cheias de personalidade, muito respeitadas e até temidas pelos homens da família. O próprio título original do filme, “Coco”, é o nome da bisavó de Miguel, que em muitos aspectos é a chave da história. E outra mulher importante que aparece no longa é a própria Frida Kahlo, um dos maiores ícones feministas latino-americanos. A força e a independência dessas personagens são celebradas pela história, e elas são essenciais para a trama, que não ignora a luta e o sofrimento da mulher mexicana, tão parecida com a mulher brasileira.

Compartilhe: