Existe amor sem sexo?

A TEXTO CONTÉM CONTEÚDO SOBRE RELACIONAMENTO ABUSIVO QUE PODE SER GATILHO, E IMAGENS DE NUDEZ!

Nós Temos Um Grande Problema é um J-drama da Netflix e tem um enredo impressionante. A trama é pesada e necessita de um tempinho para digerirmos toda a situação.

De início, é importante saber que a história não é um mero roteiro fictício, e sim uma adaptação de um best-seller japonês, escrito por uma mulher que não quis se identificar e usou como pseudônimo o nome Kodama.

O livro foi um fenômeno literário e vendeu mais de 130 mil cópias no Japão, gerando muita discussão pelo seu conteúdo e pelo título escolhido pela autora Otto no Chinpo ga Hairanai, que seria algo como “O pênis do meu marido não entra”, em tradução livre. Devido a este sucesso, a obra foi adaptada como mangá, e depois como dorama.

O mangá ganha destaque pela maneira delicada que organizaram o relato de Kamoto, gerando empatia no leitor. 

O dorama gira em torno de Kumiko, e o fato de que o pênis do seu marido não entrar na sua vagina. No decorrer da história, percebemos que o problema não é apenas vaginismo e sim algo mais complexo, profundo e doloroso.

Nós Temos Um Grande Problema começa na década de 90, com Kumiko chegando numa nova cidade para fazer seu curso universitário, e se tornar professora. Ela é uma menina do interior do Japão, extremamente tímida, inexperiente, com sérios problemas de relacionamento com sua família, em especial com sua mãe. Sair de casa é como um alívio, uma libertação e, também como um recomeço, um lugar novo, para conhecer pessoas novas e finalmente começar a viver. 

Enquanto tenta se instalar na espelunca que chama agora de lar, Kenichi aparece e literalmente, invade e ocupa sua vida.

Kenichi está no segundo ano do curso que Kumiko está fazendo, ele chega entrando no apartamento, sem pedir permissão, montando móveis, abrindo a geladeira, entregando roteiros de estudos, mostrando tudo sobre o alojamento, levando-a ao mercado, aos restaurantes, ensinando-a a como viver a vida de universitária. Kumiko é tão tímida, tem uma autoestima tão baixa que fica fascinada pela possibilidade de ter alguém que seja “seu protetor”, não consegue perceber o quão abusiva é a atitude dele em relação a ela. Inclusive, no momento em que Kenichi a convida para o primeiro encontro, a única coisa que ela consegue pensar, depois de demorar para entender o que aquilo de sair juntos realmente significava, foi ficar imensamente agradecida, porque nunca imaginava que um homem pudesse ter sentimentos por ela.

via Netflix

Depois de alguns encontros, o casal tenta manter a primeira relação sexual, mas não há penetração porque Kenichi não consegue colocar o pênis dentro de Kumiko. Ele acaba estranhando, Kumiko fica muito nervosa, pede desculpas e ele acaba pressupondo que o problema é a virgindade da sua namorada. Só que Kumiko não é mais virgem, e o relato de sua primeira experiência sexual nos ajuda a entender o porquê dela talvez ter desenvolvido o transtorno do vaginismo. Durante a adolescência, ela tem sua primeira vez em um festival, pensando ser apenas um encontro, acaba sendo levada para um lugar isolado, o rapaz, sem ouvir uma palavra de consentimento, abusa sexualmente dela.

Kumiko se sente uma péssima namorada já que não consegue transar “de verdade” com Kenichi. Devido a isso, tenta compensá-lo de todas as maneiras possíveis, se anulando e perdendo dia após dia sua voz dentro do relacionamento, já que para ela é um milagre Kenichi querer se casar, sem poder transar ou ter filhos.

Para Kumiko, Kenichi é um excelente marido, aceita sua condição “especial”, é um excelente professor, não se importa com não ter filhos, é carinhoso e compreensivo. Ela se desdobra sendo uma dona de casa impecável e uma ótima professora, para recompensá-lo de alguma forma, por ele amá-la. A autoestima da nossa protagonista é quase inexistente, depois de anos de casamento ainda não houve penetração, mesmo com os artifícios de lubrificante (o famoso óleo de bebê). Mesmo assim, Kenichi, não se importa e segue carinhoso e compreensivo. Mas nem tudo são flores nesse casamento…

Via Netflix

Kumiko começa a ver que seu doce Kenichi não é um príncipe, e sim um homem normal, que mente, que trai, que nem sempre é compreensivo. Primeiro, ela descobre que é traída regularmente pelo seu marido num bordel local. 

Ela, que já se sente culpada e responsável pela traição, passa a usar um fórum online para desabafar e tentar descobrir se existe mais alguém no mundo em uma situação como a dela. Nessa rede social, aparecem muitos amigos virtuais, com os quais ela acaba mantendo relações sexuais. (Sim, é isso mesmo que você leu).

Assim como sua primeira vez, ela vira presa fácil das armadilhas da internet e acaba sendo alvo de novos abusos. Na tentativa desesperada de se vingar de Kenichi e mostrar que pode ser uma mulher completa, ela se submete a todo o tipo de fetiches e não sente prazer algum durante esses encontros, em alguns chora de desespero. Kenichi durante toda essa etapa, se mostra alheio a tudo que diz respeito à sua esposa e segue vivendo sua vida, agora num novo emprego, ainda frequentando o bordel, sem notar o sofrimento de Kumiko no trabalho, e o tormento psicológico que vive devido os problemas sexuais e de autoestima que tem. Quando ela já não aguenta mais e desabafa com Kenichi, não recebe o menor apoio, ele se afasta e deixa bem claro “eu não quero saber nada sobre isso”.

Via Netflix

Amor é mais que sexo, sexo é mais que penetração

O ponto alto da trama é a forma como Kumiko e Kenichi ressignificam sua relação e os conceitos do que é amor, sexo e casamento, que são amplamente discutidos nos últimos episódios do dorama. A história vai muito além do vaginismo, é sobre como amor e sexo são conceitos elásticos, e que cada casal se organiza como se sente melhor. 

Kumiko e Kenichi conseguem se reencontrar, depois dele pensar muito sobre o que é amor e o que é sexo, e qual a importância que essas ideias tinham na sua vida.

Via Netflix

Depois de uma conversa com uma aluna, em que discute que amor é algo que não tem nenhuma ligação com o sexo, Kenichi começa a se questionar sobre o que é amor e sexo para ele. Enquanto frequenta o bordel, em meio a uma conversa com uma prostituta, percebe que tem uma visão muito equivocada sobre o que é sexo e como trata as mulheres em geral. A partir daí muda sua atitude com Kumiko, já que descobre que a ama de verdade, que tudo que queria era fazê-la feliz e que até agora, só havia feito o contrário.

Volta a se criar uma conexão entre os dois, eles entendem que não precisam “seguir padrões da sociedade” para serem um casal feliz, entendem que amar não é só transar e transar nem sempre é só penetração. Kumiko e Kenichi conseguem se libertar da ideia do julgamento da família e sociedade, e assim, encontram a paz e a felicidade que os dois tanto buscavam.

Nós Temos Um Grande Problema não é um dorama nada fácil de assistir, os temas centrais como autoestima, amor, sexo e relacionamento são delicadamente abordados nos diálogos curtos, silêncios longos e doses enormes de realidade trazem um grande desconforto.

Via Netflix

É o tipo de dorama que te tira da zona de conforto e te faz repensar sobre suas escolhas e posição diante de tudo na vida.

Nós Temos Um Grande Problema está disponível na Netflix.

Leia mais sobre doramas aqui.

Compartilhe: