Sim, a Disney aparentemente andou plagiando bastante.

Com o lançamento do remake em live-action de O Rei Leão, os fãs da Disney foram novamente atingidos pela controvérsia envolvendo o filme Kimba, o Leão Branco. Ao longo dos últimos 25 anos, O Rei Leão tem sido uma das mais lucrativas obras da cultura popular. A animação de 1994 foi um dos filmes mais vistos daquele ano e a segunda maior bilheteria. O filme continuou a crescer nas décadas seguintes, se tornando a animação mais lucrativa de todos os tempos e o filme mais vendido em “home vídeo” (fita cassete).

Sua adaptação para a Broadway, que é o terceiro musical de maior duração da história deste teatro, arrecadou mais de oito bilhões de dólares ao redor do mundo, sendo a propriedade de entretenimento de maior bilheteria de todos os tempos. E graças às suas várias sequências, séries para TV e produtos diversos, O Rei Leão se manteve não apenas como um dos maiores ícones da Disney, mas um verdadeiro titã do entretenimento. E o remake, trabalhado em CGI fotorrealista e com um elenco incrível, tinha previsão de bilheteria entre 150 e 170 milhões de dólares no final de semana do lançamento. Resumindo: O Rei Leão é algo colossal.

Porém, quando o filme estava em produção, ninguém imaginava o quão grande ele poderia se tornar. A produção foi problemática e os executivos da Disney estavam convencidos de que sua maior aposta para o sucesso teria sido com Pocahontas, que estava sendo feita paralelamente. Uma vez que o filme quebrou os recordes de bilheteria e recebeu críticas extremamente positivas, a controvérsia começou. Não demorou para que os fãs percebessem imensas similaridades entre O Rei Leão e a série de anime de 1965, Kimba o Leão Branco. As acusações de plágio assombraram o filme desde o seu lançamento. Até mesmo Os Simpsons fizeram piada em um episódio (com a frase “Você deve vingar minha morte, Kimba… er, quer dizer, Simba!”). E os problemas só se tornaram maiores com a forma como a Disney vendeu o filme como seu primeiro “filme original”, o que queria dizer que não era uma adaptação de um conto de fadas ou uma história clássica como seus mais icônicos filmes eram.

 Explicando Kimba, O Leão Branco

Kimba, o Leão Branco foi um anime transmitido pela televisão japonesa entre 1965 e 1967. A animação é baseada no mangá homônimo publicado pela Manga Shonen entre 1950 e 1954, criado por Osamu Tezuka (sim, o próprio. Imagina a cara de pau da Disney), mesmo criador de Astro Boy e conhecido por muitos como “o pai do mangá”. Tezuka foi fortemente influenciado por Walt Disney durante a sua formação, sendo comparado constantemente com ele, ao ponto de ser considerado “a contraparte japonesa” de Disney.

Kimba conta a história de um filhote de leão, nascido em um navio após ter sua mãe capturada por caçadores e seu pai morto. Após uma tempestade, o navio naufraga e mata todos que estavam a bordo, forçando Kimba a nadar até terra firme e encontrar um novo lar. Boa parte da série conta como ele cresceu na floresta com seus amigos estranhos, aprendendo a se tornar um verdadeiro líder como o seu pai. Kimba foi refeito várias vezes no Japão, e o anime original era transmitido regularmente nas TVs americanas.

As similaridades entre O Rei Leão e Kimba

Os fãs da animação notaram a existência de muitas similaridades entre ambos os desenhos. A icônica imagem de Mufasa e Simba no topo da Rocha do Orgulho pode ser vista em Kimba de forma praticamente idêntica. Existem similaridades perturbadoras com relação a personagens também. Ambas as histórias têm como centro um filhote de leão lutando por seu trono após a morte de seus pais. Ambas possuem leões malvados como principais antagonistas, babuínos anciãos como mentores do protagonista, hienas risonhas como parceiras do vilão e pássaros histéricos e divertidos. As cenas de morte dos pais são muito similares, assim como as cenas das planícies africanas e animais passando por elas. Ambos os filmes possuem a cena do protagonista olhando para o céu em direção a uma nuvem no formato de seu pai, o que Os Simpsons também fizeram questão de parodiar.

Mas a Disney sabia sobre Kimba antes de O Rei Leão?

A Disney foi criticada quase imediatamente ao lançamento de O Rei Leão por conta das inevitáveis semelhanças com Kimba. O codiretor do filme, Rob Minkoff, afastou as críticas em uma entrevista concedida ao The Los Angeles Times, afirmando que “não é incomum a presença de personagens como um babuíno, um pássaro ou hienas em uma história na África”. Tanto Minkoff quanto o codiretor Roger Allers afirmaram desconhecer Kimba durante seu trabalho em O Rei Leão, algo que deixou os especialistas céticos. Já os animadores Tom Sito e Mark Kausler, ambos creditados na história, admitiram ser fãs de Kimba e assumiram que muitos de seus colegas também eram, uma vez que a história havia feito parte de suas infâncias.

Matthew Broderick, dublador americano do Simba adulto, admitiu que acreditava ter sido contratado para um remake ou pelo menos um projeto diretamente relacionado a Kimba, como afirmou na época:

Eu pensei que ele queria dizer Kimba, que era um leão branco em um desenho que assistia quando era criança. Então eu falei pra todo mundo que dublaria o Kimba. Eu realmente não sabia nada sobre isso, mas eu não me importava.

A Mushi Production, empresa responsável por Kimba, nunca tomou nenhuma ação legal contra a Disney por conta das similaridades, e a Tezuka Production afirmou que Osamu Tezuka, como grande fã da Disney, se sentia “honrado” por seu trabalho ter influenciado a companhia. A Disney afirma até hoje que a inspiração para O Rei Leão foi Hamlet, de Shakespeare. Durante o lançamento do filme no Japão, mais de 400 animadores e desenhistas japoneses assinaram uma carta pedindo que a Disney reconhecesse e creditasse a história de KimbaForam sumariamente ignorados, pelo visto.

O que a controvérsia de Kimba revela sobre a “originalidade” da Disney

A polêmica de Kimba ainda está viva mesmo após tantos anos porque a Disney continua sendo uma titã da cultura pop. E ainda assim, desde o lançamento de O Rei Leão, sua influência só aumentou, assim como, o valor de mercado. O Rei Leão, sozinho, foi capaz de render bilhões de dólares. E no atual cenário de domínio da empresa sobre os meios de entretenimento, em que os remakes dos clássicos em versões live-action têm redefinido a sua marca, questões como a originalidade, influência e possíveis plágios cometidos pela empresa não podem deixar de surgir.

A Disney tem sido muito criticada pelo fato de vários de seus remakes em live-action serem idênticos ao material-fonte. Tendo em vista que esses filmes apenas existem para reforçar suas marcas pré-existentes e não para oferecer algo novo ou criativamente vital, não deveria ser algo surpreendente o fato de que o live-action de A Bela e A Fera (2017) tenha sido extremamente similar ou praticamente uma regravação cena-a-cena do filme original. O objetivo não é apenas lembrar ao público que A Bela e a Fera existe, mas que a interpretação específica da Disney e de todos os produtos ligados a marca existem para as próximas gerações.

E isso se torna especialmente frustrante quando a questão do plágio aparece. Originalidade nem entre na equação quando discutimos os remakes da Disney, mas quando a questão Kimba/Simba é levantada, as águas se tornam turvas. Até que ponto a “inspiração” se torna um roubo descarado quando você está transformando em uma marca e licenciando estas imagens que é acusado de roubar?

E esta não é a primeira vez que a Disney enfrenta este problema. A versão de Aladdin de 1991 era muito similar, e foi acusada de roubar ideias de outro desenho, O Cavaleiro das Arábias, de Richard Williams. O filme possuía um enredo muito similar, personagens e estética muito parecida. O problema é que O Cavaleiro das Arábias ainda não havia sido lançado quando Aladdin saiu nos cinemas. Williams havia passado décadas trabalhando no projeto ao ponto de que isso já havia se tornado parte da cultura da animação. Quando o filme foi finalmente lançado, era apenas uma apressada sombra do que desejava ser, e Williams sequer estava envolvido no produto final. A Miramax lançou a versão final do filme em 1995, e ironicamente foi acusada de plagiar Aladdin.

Outro caso parecido é com Atlantis: O Império Perdido, de 2001, que foi muito criticado por suas similaridades extremas com a animação japonesa Nadia: O Segredos das Águas Azuis, de 1991. Tem uma galeria inteira de imagens comparando as duas animações e diversas teorias na internet falando das semelhanças.

O fato é que a base para os filmes da Disney é o material pré-existente, especialmente de histórias com apelo universal, que possam ser moldadas facilmente para se encaixar em seu próprio tipo de narrativa e moral. Você reconhece um filme da Disney na hora que vê, mesmo quando as histórias, personagens, músicas e etc, sejam diferentes. E é isso que faz com que eles tenham se tornado tão grandes, e uma empresa amada por gerações de pessoas, de uma forma que você não costuma ver em Hollywood. Todos sabem que eles não criaram “A Bela e a Fera”, “Cinderella” ou “A Bela Adormecida”, mas a força de sua marca fez com que a maior parte do público acredite que a adaptação da Disney é a história padrão. E é por isso que quando a Disney afirma que O Rei Leão é seu filme “original” isso é tão importante. Existe muita evidência que aponta o contrário. E não é impossível que se trate de uma longa e infeliz série de coincidências (apesar de ser improvável), mas existe um motivo claro para que tanta gente não esteja disposta a conceder à Disney o benefício da dúvida. Tendo em vista a influência e popularidade de Kimba, em décadas de animação, é uma pena que ele seja tratado como uma mera nota de rodapé na história da Disney.


Texto traduzido da Screenrant.

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