A caster Bruna Balbino entrevistou homens na BGS e as respostas chegam a ser revoltantes.

Toda vez que mulheres se deparam com reclamações por causa de alguma generalização do gênero masculino, o protesto ouvido sempre é no sentido de afirmar que a generalização é injusta, pois nem todo homem se encaixa na descrição. Felizmente para estas pessoas, toda generalização já pressupõe que há exceções. Considerando isso é que o título foi escrito, sem remorsos, de forma generalizada.

Mas o fato é que nós mulheres precisamos mesmo estar constantemente apontando, lembrando e insistindo que existimos e que sempre fizemos as mesmas coisas que os homens, em qualquer período histórico. Historiadores têm se esforçado por décadas para documentar e manter vivas as biografias e conquistas de mulheres que faziam arte, escreviam, inventavam, construíam… E assim por diante. Mesmo hoje, mulheres estão ativamente lutando para terem seus trabalhos reconhecidos: inúmeras áreas consideradas como de “predominância masculina” ainda refletem pensamentos ultrapassados e muitas vezes discriminatórios.

No futebol, por exemplo, as atletas precisam continuamente se provar e ouvir machismos como “não assisto futebol feminino porque os jogos são ruins”. Mas, como afirma Isabela do E-cycle:

Com o tempo, as coisas foram mudando, e as mulheres conquistaram seu (mísero) espaço no universo esportivo – depois de muita luta e, literalmente, muito suor. Nesse novo cenário, o machismo teve de se reinventar, incorporando outras faces da desigualdade de gênero. Entre elas, estão a desvalorização financeira, a escassez de incentivos e patrocínios e, é claro, a sexualização dos corpos das atletas.

Quando o assunto é esportes eletrônicos, famosos eSports, as mulheres transitam por problemas semelhantes. Apesar da modalidade só começar a ganhar aprovação e respeito enquanto profissão muito recentemente, já é gritante a diferença entre o tratamento de profissionais homens e mulheres. E foi pensando nisso que a caster e apresentadora Bruna Balbino resolveu gravar um vídeo na Brasil Game Show (BGS) no último dia 21, entrevistando consumidores homens para saber quais mulheres eles acompanhavam ou não e os motivos. O vídeo e as respostas vocês conferem abaixo:

É aqui que deveria ser inserido o meme “disappointed but not surprised” (desapontada, mas não surpresa)? Por que o sentimento majoritário ao ver o vídeo sendo mulher é esse aí. Mas vamos começar pelo começo.

Existem poucas mulheres fazendo stream de jogos?

Em comparação com homens, o número de garotas fazendo stream é significativamente menor, sim. A título de curiosidade, em 2021, a Kotaku fez um levantamento dos streamers mais bem pagos do mundo na Twitch e apenas 3% deles eram mulheres, sendo que desses 3% apenas uma mulher não era branca.

Isso quer dizer que mulheres não conseguem sucesso enquanto streamers?

Não. No Brasil, algumas das maiores jogadoras e streamers chegam à casa de milhões de seguidores: Gabriela Catuzzo e Bárbara Passos, por exemplo, têm 1,7 e 1,4 milhões de seguidores na Twitch, respectivamente (nota: conta antiga da Gabi tem 1,7 e a atual tem 927,6 mil seguidores). A grande maioria das grandes streamers acumulam um número aproximado de meio milhão de seguidores só na plataforma da Twitch, desconsiderando demais redes sociais.

Disso já é possível afirmar que o argumento da “dificuldade de mulheres estarem em destaque na área” é falso. E a disparidade entre homens e mulheres não invalida as conquistas femininas. Conseguir manter um público assim não é pra qualquer um.

Também a título de curiosidade, pesquisei os dados de streaming brasileiros na Streams Charts, buscando fazer uma comparação dos Top 10 influenciadores nos últimos sete dias:

Streamers homens no Top 10 influenciadores de língua portuguesa nos últimos sete dias — Foto: Divulgação/Stream Charts
Streamers mulheres no Top 10 influenciadores de língua portuguesa nos últimos sete dias — Foto: Divulgação/Stream Charts

De um lado, no cenário masculino, temos pessoas que a) com direito de transmissão de campeonatos nacionais e internacionais (Cazé), b) com direito de transmissão de eventos de eSports (Gaules) , c) que estão há mais dez anos fazendo stream e jogando profissionalmente (Alanzoka, Coringa). Já no cenário feminino, temos garotas que variam entre streamers de variedades e jogadoras profissionais.

Para concluir, abaixo constam os Top 20 streamers brasileiros mais assistidos nos últimos 30 dias:

Streamers no Top 20 influenciadores de língua portuguesa nos últimos sete dias — Foto: Divulgação/Stream Charts

Meu ponto ao trazer esses dados é demonstrar que, apesar de estarem em menor número e com menor visibilidade, mulheres streamers ainda assim conseguem ótimos retornos em números e constam entre os melhores e mais populares streamers da plataforma.

Entrevistando Bruna Balbino

Para auxiliar no debate iniciado por Bruna com o vídeo da BGS, entramos em contato para poder entender mais sobre o que motivou a iniciativa e o retorno que a caster conseguiu desde a publicação do vídeo. Bruna contou um pouco da sua trajetória como jogadora e apresentadora, buscando unir sua paixão pelo trabalho com o interesse pelos games. Falando sobre seu público e sobre o cenário de eSports no geral, Bruna conta que recebe muito carinho dos fãs, que a procuram em etapas importantes ou graves da vida e que sempre recebe agradecimentos pelo conteúdo que cria.

Abaixo deixamos seus pensamentos sobre o vídeo, e esperamos que nossos leitores não só reflitam bem sobre o assunto, como também procurem apoiar mulheres nessa área.

Foto: Divulgação/Bruna Balbino

Garotas Geeks – Como surgiu a iniciativa da gravação do vídeo da BGS e como a ideia foi desenvolvida?

Bruna Balbino: Já tem tempo que eu vinha amadurecendo a ideia de mostrar de forma clara como a falta de investimento no mercado para mulheres gamers influência na dificuldade desse conteúdo chegar nos consumidores de games. Eu vi um vídeo da @anaterra.oli que bombou na semana da BGS, e resolvi recriar para o meu nicho. Se tornou um viral e estourou a bolha dos games, entregou para diversas comunidades trazendo mais discussão saudável, mas também hates.

GG – Você encontrou resistência na hora das entrevistas? Alguém se recusou a fazer ou reagiu mal após ouvir as perguntas?

BB: Não. Todos toparam participar numa boa e foram super respeitosos comigo. A reação deles foi tranquila. Só depois que foi ao ar que um dos entrevistados pediu o vídeo no qual ele aparece na íntegra e eu postei pra que ele tivesse o arquivo bruto.

GG – O seu vídeo viralizou na internet e vimos que ele recebeu apoio, mas também uma onda bem grande de ódio e ataques pessoais a você. O que você acha que falta para as pessoas entenderem o ponto chave do seu vídeo, que assumo que é “como homens não consomem o trabalho de mulheres”?

BB: Eu queria muito que eles olhassem para o vídeo de coração aberto e fizessem uma auto reflexão se questionando do porquê de não consumirem conteúdos criados por mulheres. Pode ser algoritmo. Pode ser falta de entrega da plataforma de streaming trazendo mais frontpage, destaque, convites a projetos que tragam mais presença e representatividade feminina. Pode ser falta de investimento de empresas, tanto que eu perguntei o que faltava para que eles tivessem nomes de mulheres do cenário na ponta da língua da mesma forma como tem o nome dos gamers que eles acompanham, mas não consegui descobri o ponto chave dessa minha dúvida… A resposta de muitos são bem machistas no sentido de “não temos o humor deles”, “não criamos conteúdo geek o suficiente”, “só fazemos conteúdo apelativo” (claramente uma pessoa que nunca procurou buscar meia dúzia de minas, enfim)… Muitas desculpas para dar e pouca reflexão do porquê não conseguir dar ouvidos, atenção e admiração a uma mulher criadora de conteúdo/streamer/pro player.

GG – Você acha que a questão da “divulgação” é um fator que realmente interfere no quanto mulheres streamers são reconhecidas?

BB: Com certeza. Eu espero que esse vídeo chame a atenção não só dos consumidores, mas também das marcas, e para as plataformas de streaming para que elas olhem para gente, porque tem muita mina perfeita no meio, mas falta aquele empurrãozinho.

GG – Ainda sobre divulgação, você tem visto alguma iniciativa de empresas de games ou do mercado de entretenimento pop que auxilie suas colegas profissionais da área ou você própria?

BB: De iniciativas legais temos o Revelah Casters que é uma iniciativa das Casters da Riot: Lahgolas e Fogueta que visam profissionalizar mulheres que desejam se tornar Narradoras, Comentaristas, Apresentadoras e Comunicadoras de eSports. Tem o Wakanda Streamers que tem uma crew de streamers pretos dando visibilidade para que mais pessoas conheçam o trabalho deles, e tem o Projeto Fierce que dá visibilidade para a comunidade LGBTQIAP+.

Se for para falarmos de marcas eu vejo a campanha muito legal de O Boticário para impulsionar o surgimento de novas protagonistas. Eles têm um time muito diverso de mulheres cis e trans, patrocinam a primeira line inclusiva de Valorant, que é da LOUD. E também vejo a Lenovo e o SBT Games muito ativa na causa também, apoiando pretos, LGBTQIAP+ e PCDs.

GG – Você considera que existe um saldo positivo da sua iniciativa?

BB: Para tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim. O ruim é que fui mexer num assunto muito delicado e virei alvo de ataques, mas o lado bom é que muita gente de fato fez a reflexão e expôs o que falta para nos acompanhar, outros citaram minas que acompanham e outros admitiram que nunca haviam parado para pensar nisso.

Foto: Divulgação/Bruna Balbino

GG – Qual seu conselho para mulheres que querem participar da comunidade gamer/streamer, principalmente para as que se sentem impactadas negativamente pelo vídeo, no sentido de sentir tristeza pela discriminação e o claro desprezo do público masculino. Como não deixar isso te abater?

BB: Meu conselho é para que a gente se una e se apoie criando assim uma rede de proteção para que consigamos continuar a fazer o que a gente ama, sem que interferências machistas sexistas e/ou misóginas nos afastem desse ambiente e ele deixe de ser tão tóxico, também é preciso de muita força e psicólogo em dia haha, rindo de nervoso.

Eu acho que muitas de nós, até eu mesma estávamos numa falsa ilusão de que estávamos ganhando a luta, mas esse vídeo mostrou que o caminho ainda vai ser longo, talvez esse vídeo possa vir moldar e plantar a sementinha na cabeça de algumas pessoas, para que daqui uns 10 anos o cenário esteja um pouco mais de coração aberto para a gente. Fico pensando aqui, que quando comecei a fazer stream em 2014 na Twitch a gente não tinha como monetizar direito (era bem difícil ser verificado pra ter botão de inscrição, além disso o site era todo em dólar), começamos de hobby mesmo, no amor, e recebíamos MUITO HATE… Hoje a plataforma é bem mais popular e melhorou muito tem o método de banimento, moderadores, e tudo mais, mas o tanto de mina que eu conheci na época e não continuou por falta de incentivo da plataforma, falta de visibilidade, e principalmente pelo ambiente extremamente machista que precisava ser muito resistente.

Eu consegui ser uma das que sobreviveu da primeira geração, e foi muita porrada, viu?! Não foi fácil. Mesmo que eu nunca tenha bombado, tem muita menina que vem falar comigo que eu fui uma inspiração para ela começar e isso não tem preço. Precisamos ficar na linha de frente para abrir espaço, lugar no mercado para gente e outras mulheres que virão depois. Como o mercado começou de forma muito precária e amadora, também tive que ter outros trabalhos no meio gamer para me manter porque só como streamer seria impossível… Apresentadora eu sempre quis ser porque pra mim a stream era um “ensaio” antes de me tornar apresentadora, mas eu fiz um pouco de tudo no mercado, fui produtora, executiva de contas, social media, manager de influenciadores e por aí vai. A melhor forma de não nos deixarmos abater é parar de ler o hate, bloquear, lembrar quem somos verdadeiramente e ir à luta.

GG – Indique pro nosso público streamers mulheres pra acompanhar?

BB: Nossa tem taaaaantas, recomendo darem uma checada no meu vídeo que gerou uma corrente de pessoas marcando creators incríveis, mas vai algumas: Alice Gobbi, Dyen, Jinki Winkki, Nerissa Ithuriana, Nayu da LOUD, Nanda, Paula Nobre, Transcurecer, Nahzinha, Haru, Wanessa Wolf e eu, claro!


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