Star Wars é continuação, reboot e remake ao mesmo tempo.

**********   O texto contém spoilers (leves/médios) nada que comprometa muito *********

J.J. Abrams quando recebeu o convite para dirigir o novo filme de Star Wars, tinha a difícil missão de trazer vigor e emoção de volta à maior franquia da história do cinema. Mais de 30 anos se passaram desde O Retorno de Jedi, último filme da saga que presta clássica, e há exatos dez anos após A Vingança do Sith – o último filme da franquia – Star Wars: O Despertar da Força faz (re)nascer em seus velhos e novos fãs ao redor do mundo, a Força.

 

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 A História

O roteiro escrito por Michael Arndt (Jogos Vorazes: Em Chamas), Lawrence Kasdan (O Império Contra-Ataca e O Retorno De Jedi) e pelo próprio diretor, narra uma história que se encaixa muito bem no cânone do universo da saga. A trama se passa décadas após a destruição da nova Estrela da Morte, a morte de Darth Vader e o fim do Império Galáctico. Das cinzas deste, surge a Primeira Ordem, a qual a Resistência terá que confrontar. Há um visível respeito tanto pelos filmes anteriores quanto com o público, que se depara durante todos os 135 minutos de projeção, com a união entre elementos novos e os já conhecidos e familiarizados. O diretor soube aproveitar as tecnologias atuais para dar mais dinamismo e realismo às cenas de perseguição de naves e de luta, mas sem perder a essência e a estética visual das obras passadas.

Os plots principais da história são óbvias derivações de Star Wars IV: Uma Nova Esperança. Não que isso seja um aspecto negativo, mas inegavelmente é o costume de repetir a fórmula que deu certo; uma maneira de se manter na zona de conforto, ousando pouco. Em Star Wars IV assim como em O Despertar da Força, o filme se inicia com o ataque dos “antagonistas” em uma reunião de “heróis”. Em ambas as obras, a importantíssima mensagem que pode salvar a galáxia é levada por um droide (R2D2 e BB-8 respectivamente) que se desloca para um planeta seco, árido e hostil (Tatooine e Jakku). O herói (Princesa Leia e Poe Dameron) é capturado, membros de suas equipes são mortos e ambos são humilhados, pressionados e torturados pelo vilão (Darth Vader e Kylo Ren) dentro de um destroyer extremamente potente. Chegando no planeta desértico, mesmo enfrentando diversos contratempos e empecilhos, de algum modo mirabolante, o robô acaba caindo na mão do personagem principal (Luke Skywalker e Rey). Embora os droides em seus respectivos filmes acabam por confiar em seus novos “mestres”, é apenas quando encontram seus destinatários originais (R2D2 encontra Obi Wan, e BB-8 o grupo reunido com Han Solo e Chewie) que as mensagens que carregam são exibidas na íntegra. Logo depois os antagonistas dos dois filmes tentam capturar seus protagonistas, que fogem na Millennium Falcon. E é na mesma Falcon que a amizade entre os heróis e seus recentes amigos e aliados começa a florescer (Luke e Obi Wan Kenobi com Han Solo e Chewbacca; Rey e Finn com Han Solo e Chewbacca), e a aventura a tomar formas épicas. Na cena da morte de Han Solo, onde seu filho Kylo Ren mata o próprio pai, é uma forte alusão à morte de Obi Wan – que é uma figura paternal nos 3 filmes da trilogia prequel ( episódios I, II e III) – por Darth Vader, dando tons de tragédia grega à la Édipo Rei, de Sófocles. Essa mesma cena em que Kylo mata Han Solo, se dá em uma ponte que se parece bastante com a plataforma em que Darth Vader vence Luke no duelo mais famoso da saga. Quando Rey vai em busca de treinamento com Luke Skywalker, que se tornou um eremita em um planeta longínquo, a jornada se remete automaticamente à procura em que Luke, em O Império Contra Ataca, enfrenta para aprender a usar e dominar a força com o mestre Yoda, afinal em um distante planeta, ermitão ele é também.

Personagens

Os personagens novos e o reaparecimento dos antigos é o que dá o tom de celebração que o filme carrega. E há, de fato, muito o que comemorar. A personagem Rey (Daisy Ridley) é uma heroína extremamente independente e livre de estereótipos. Que ao lado da Imperatriz Furiosa (Charlize Theron – Mad Max: Estrada da Fúria) chega destruindo o machismo presente em Hollywood, mostrando de forma definitiva que mulheres podem sim serem protagonistas de seus próprios enredos em qualquer gênero cinematográfico. Rey é uma clara, e muito bem escolhida, sucessora de Leia Organa (Carrie Fisher), que por sua vez é talvez uma das primeiras personagens femininas fortes do cinema de ficção. Ambas são heroínas naturais, fortes, independentes, inteligentes, ágeis, espertas e não precisam ser conduzidas ou salvas por um personagem masculino.

A Força e o #GirlPower, definitivamente, são fortes em Rey. Mesmo lidando sozinha com o inimigo, o que deixa o personagem Finn incrédulo e surpreso, e consertando e pilotando confiantemente a Millennium Falcon, deixando Han Solo admirado, é através dos detalhes que a protagonista desconstrói estereótipos femininos e empodera uma gama de mulheres que ansiavam pela sua chegada. Como quando em meio a muitos tiros, porrada e bomba, Finn corre e agarra a mão da moça para puxá-la para mais perto de si afim de protegê-la, porém com Rey o papo é reto e direto: “Eu sei correr sem dar a mão!”. Outro fator importante da personagem é que não é sugerido a possibilidade de um romance entre ela e Finn. Quase que para corroborar essa ideia, as circunstâncias levam Rey a beijar a testa de Finn e o chamar em seguida de amigo. Traçando um paralelo, mais uma vez, com os outros 6 filmes anteriores de Star Wars, mesmo com o protagonismo de personagens femininos atípicos e fortes como a Princesa Leia e Padmé, há uma visível tensão amorosa em ambos os casos. Onde em Uma Nova Esperança, tanto Luke Skywalker (Cersei e Jaime Lannister curtiram isso rere) quanto Han Solo se insinuam para ela. Já nos Episódios I, II e III, a Rainha Padmé surge rapidamente como interesse amoroso de Anakin Skywalker.

Rey mostrando para o mundo que sabe correr sem segurar nas mãos do boy!
Rey mostrando para o mundo que sabe correr sem segurar nas mãos do boy!

 

Não se iluda, ainda há um caminho deveras tortuoso para as mulheres percorrerem no universo de Star Wars. Afinal, mesmo em todos os 6 antigos longas da saga ter a presença de uma protagonista feminina, não se deve deixar passar despercebido a falta de outras mulheres por perto. Vale salientar que, além de nós mulheres sermos metade da população mundial, somos também a maioria frequentadora nas salas de cinema no Brasil e nos Estados Unidos. Mesmo assim, só 12% das protagonistas dos filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos em 2014 eram mulheres (um ano para esquecer em relação a filmes com protagonismos femininos, vide a lista de indicados a melhor filme pelo Oscar 2015) e mesmo em papéis secundários, as mulheres somam apenas 30% dos personagens falantes. Esse fenômeno de “solidão imposta” à essas mulheres protagonistas é chamado de Smurfette Principle. Baseado na personagem da animação Os Smurfs, o conceito aponta algo recorrente nos filmes: a existência de apenas uma personagem mulher em meio a diversos homens. Dessa forma, a personagem “Smurfette” não tem outras mulheres com quem interagir, ou seja os garotos definem e ditam as regras do grupo, sua história e seus valores. As garotas existem apenas em relação e em função deles.

Podemos considerar sim o Despertar da Força como um novo despertar e olhar sobre as mulheres protagonistas, e praticamente pela primeira vez na franquia, sobre as coadjuvantes. Pois, finalmente temos um filme da saga capaz de passar no teste Bechdel (teste que examina filmes segundo alguns critérios: a produção tem que apresentar pelo menos duas personagens femininas com nomes, que conversem entre si sobre algo que não seja um homem e etc.) e que traz não somente 1 personagem feminino relevante, mas pelo menos 4, com todas devidamente trajadas e sem interesses exclusivamente amorosos.

mulheres - star wars - garotas geeks
Rey (Daisy Ridley), general Leia (Carrie Fisher), capitã Phasma (Gwendoline Christie *_* ) e Maz Kanata (Lupita Nyong’o).

 

Outro aspecto relevante na obra é a abordagem do co-protagonista Finn (John Boyega), na qual a origem de seu personagem é uma referência aberta às histórias reais de crianças raptadas em meio às guerras civis africanas para se tornarem combatentes. Ele é uma espécie de alívio cômico da obra, mas não é palhaço ou um bobo como Jar Jar Binks. Seus enxertos de humor são pontuais, representando bem este elemento presente em todos os filmes da saga, seja por frases engraçadas, seja pelo desespero e às vezes despreparo e inocência com que lida com algumas situações. Finn, sendo negro, assim como Rey por ser mulher, chegam pra somar e dar voz e representação dos tidos como “minorias” como: oficiais negras, pilotos mulheres, comandantes asiáticos, entre outros. De maneira bastante orgânica, Star Wars VII reflete a diversidade de um mundo globalizado, representa melhor a diversidade do mundo real e diegético, atendendo as necessidades e anseios da sociedade atual.

Os fãs ficarão em êxtase e com lágrimas nos olhos ao encontrar com C3PO, R2D2, Han Solo e Chewbacca. A produção, que se comporta como uma cópia em estrutura do episódio IV, faz questão de retratar esses personagens com tom de agradecimento e despedida, afinal a história precisa continuar, se renovar e revigorar. Han Solo toma o lugar momentâneo de Obi Wan Kenobi, como mentor e figura paterna. BB-8 é o encantador droide que se estabelece nas funções de R2D2. E Kylo Ren é um declarado aspirante a Darth Vader. E por Falar em Kylo Ren, este ainda é um vilão mimado instável, complexo e ainda em desenvolvimento. Por isso tenha calma.

 

Conclusão

O Despertar da Força embora empolgante, não é perfeito. Talvez seja por não se fechar em si próprio e/ou deixar muitas coisas mal explicadas, como a substituição do Império pela Primeira Ordem e a sua origem; e o desfecho de alguns personagens originais. O longa é muito preocupado em manter seus mistérios e segredos, mas em alguns trechos parece omissão. Chega a ser um pouco frustrante, mas a gente supera.

Star Wars: O Despertar da Força traz uma nova geração de personagens promissores e junto com eles ilimitadas possibilidades de expansão de um dos universos ficcionais mais importantes da história. A obra entrega exatamente o que todo fã queria ver: aventura, mitologia épica dos próprios filmes, inúmeras referências e easter eggs, e um suspense final que abre o caminho para às futuras produções. De certa forma, Abrams fez com Star Wars exatamente o que ele mesmo fez em 2009, com Star Trek. Tomou uma franquia da cultura pop adorada por uma legião de discípulos decepcionados, tratou-a com respeito, e fez com que ela fosse importante de novo. O longa faz justiça aos seus muitos anos de história, e é digno do legado que, muito provavelmente veio antes de você nascer, leitor. Honestamente, enquanto se assiste ao Despertar da Força, você vai se pegar sem saber se chora ou aplaude.

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