Vívian Cordeiro – médica, psiquiatria, mestra e jogadora de RPG – fala sobre RPG e saúde mental na pandemia.

Conheci a médica e psiquiatra Vívian Cordeiro (Ivie) jogando RPG na D&D Adventures League Brasil. Por alguns meses, participamos de uma aventura de Dungeons and Dragons no cenário de Forgotten Realms – Moonshae que é transmitida no YouTube no Perdidos no Play.

À medida em que fomos nos conhecendo, descobri que além de ser uma pessoa muito legal e uma companheira de RPG divertidíssima, DM e jogadora de RPG, também é médica formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, concluinte da residência em Psiquiatria pela Universidade Federal da Bahia e recém-aprovada para o mestrado.

Vivian Cordeiro - Foto Arquivo Pessoal
Vivian Cordeiro – Foto Arquivo Pessoal

Confira esse bate-papo super legal, e necessário, que tive com Ivie!

Garotas Geeks: Quando e como você começou a jogar RPG?
Vivian Cordeiro: Comecei em agosto de 2018, jogando D&D 5ª edição online com alguns amigos, numa frequência bem esporádica e com sessões de duas horas, apenas. O grupo todo era iniciante, então não mergulhei muito no sistema. Em janeiro de 2020, com sede de mais D&D, procurei mesas em um grupo de Facebook e passei a jogar assiduamente.

GG: Quais sistemas você já jogou?
VC: Sou “casada” com D&D 5e, mas já joguei um pouquinho do RPG Tales From the Loop.

GG: Quando você se tornou DM?
VC: Mestrei uma one shot ou outra aqui e ali, desde o final de 2020. Pretendo mestrar a primeira campanha em breve.

GG: De que forma sua vivência no RPG se relaciona com sua escolha profissional pela medicina?
VC: Recentemente, entendi que escolhi a medicina, e mais especificamente a psiquiatria, porque amo ouvir histórias. Gosto de saber de onde as pessoas vieram, como se tornaram quem são e, principalmente, ver como elas evoluem e se transformam enquanto enfrentam seus transtornos. O que me encanta no RPG são as histórias, as relações entre os personagens e sua evolução ao longo das campanhas.

Vivian Cordeiro - YouTube Bar Princesa - Reprodução
Vivian Cordeiro – YouTube Bar Princesa – Reprodução

GG: O que mudou para você no consumo e na relação com o RPG, a partir da pandemia?
VC: Eu já comecei jogando online (via Discord) e nunca joguei presencial. Então, pessoalmente, esse aspecto não mudou, além de, como médica, eu trabalhei normalmente durante todo o período. Porém, a maior disponibilidade de mesas online, por conta da pandemia, me possibilitou conhecer jogadores e amigos incríveis. Isso se tornou mais uma válvula de escape para o estresse do dia a dia.

GG: Qual é a importância de atividades lúdicas, como o RPG, para a saúde mental?
VC: É fundamental que todo ser humano tenha momentos de lazer. Formas de lazer mais ativas, como o RPG, geram um maior engajamento do que atividades passivas, como sentar em frente à televisão e assistir o que quer que esteja passando. É fundamental ter momentos em que se escapa da rotina e do trabalho.

GG: O RPG pode ser um instrumento da psiquiatria para abordagem da população geek?
VC: Sim! Eu acredito muito que o psiquiatra deve conhecer o universo de seu paciente. Estar envolvida com cultura geek facilita muito para me conectar e criar vínculos terapêuticos com meus pacientes que consomem esse conteúdo. Além disso, vejo no RPG uma oportunidade ímpar de treinamento de habilidades sociais e teoria da mente, que é a capacidade de entender estados mentais de outras pessoas. É muito comum a ultrapassada ideia de que jogos violentos seriam a causa de transtornos ou alterações de comportamento. Acredito que os psiquiatras devem se livrar dessas noções pré-concebidas e realmente buscar compreender o que atrai o público para o conteúdo geek e que papel isso tem em suas vidas.

GG: É possível abordar temas sensíveis em jogos de RPG, como o suicídio, de maneira saudável e positiva?
VC: Sim, mas exige um cuidado muito grande. O uso de ferramentas de segurança para evitar gatilhos emocionais é essencial. É importante que esses temas sejam abordados de forma saudável, não romantizada ou estigmatizante, reforçando a chance de melhora, e que se aproveite a oportunidade para estimular que as pessoas procurem ajuda. O sofrimento psíquico existe e deve ser abordado. Falar sobre suicídio não induz ao suicídio. Porém, o respeito e o cuidado ao abordar o tema é o que pode diferenciar um gatilho de uma conversa saudável.

O Olho das Brumas - EP.01 - RPG de Mesa DeD 5E - Moonshae - YouTube Perdidos no Play - Reprodução
O Olho das Brumas – EP.01 – RPG de Mesa DeD 5E – Moonshae – YouTube Perdidos no Play – Reprodução

GG: O RPG pode contribuir ou auxiliar no tratamento de pessoas com sofrimento mental?
VC: Definitivamente sim. O RPG é um jogo social, que possibilita a criação de redes de apoio. A socialização é um aspecto fundamental do tratamento de qualquer sofrimento mental. O ato de escapar da própria mente e do próprio ambiente, por meio da imaginação, possibilita um alívio momentâneo, porém muito necessário para algumas pessoas. Além disso, como mencionei antes, é uma excelente ferramenta para o treino de habilidades sociais, mentalização e teoria da mente, que são treinos extremamente importantes para pessoas com transtornos de ansiedade, transtorno do espectro autista e transtornos de personalidade, entre outros.

GG: Há alguma outra questão importante que você gostaria de abordar, relacionando RPG e universo Geek à saúde mental?
VC: O RPG e o universo Geek podem ser terapêuticos em si, porém é importante ressaltar que não substituem uma terapia profissional, quando esta é necessária. É preciso estar atento a sinais, em si e em outros, de que está na hora de buscar ajuda profissional. Nos RPGs, o mestre muitas vezes acaba assumindo um papel de terapeuta, resolvendo conflitos entre jogadores e tomando sobre si a responsabilidade sobre o bem estar de todos. Quero aproveitar, então, para dizer a todos os queridos mestres (e aqui especialmente às queridas mestras), que vocês não são responsáveis pelas questões psíquicas dos outros. Quando a resolução de conflitos for muito difícil, ou quando você sentir que está carregando um peso muito grande, não hesite em buscar ajuda e a orientar que seus jogadores façam o mesmo.

GG: Faça um convite para as leitoras do Garotas Geeks para ficarem atentas à saúde mental. E a jogarem RPG na Adventures League Brasil.
VC: Rainhas, guerreiras, paladinas, magas, clérigas, bardas… vocês podem conquistar o mundo, mas não tentem carregá-lo inteiro nas costas. Estejam atentas aos sinais. Se o nível de desafio à sua frente parecer alto demais, busque reforço profissional. Não há vergonha ou fraqueza em uma estratégia de batalha bem elaborada.

E se você busca jogos de D&D 5e, mas nunca consegue encontrar uma campanha que se encaixa nos seus horários, experimente o servidor do discord da Adventures League Brasil. Lá, você pode encontrar mesas diversas, com horários diversos, e jogar com seu personagem de forma mais livre, avançando com ele enquanto passeia pelos Reinos Esquecidos, por Eberron e por Ravenloft.

Leia mais sobre RPG no Garotas Geeks.

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