Compreenda porque o relacionamento dela com seu mentor é abusivo

Eu assisti à Capitã Marvel.

E assisti antes de saber de toda polêmica ao redor do filme. Depois, fui ler sobre a questão da Brie Larson (atriz que faz a protagonista), ter declarado que o filme não era para homens. E isso ter gerado um ódio tremendo nas redes, e uma tentativa de boicote ao filme. O que não deu certo.

Acho que ela tinha razão. Esse filme não é para os homens. E disso, não se depreende que os homens não possam assistir e gostar. Pelo contrário. É um filme divertido, sei de vários amigos que gostaram muito do filme. Mas o filme não é PARA os homens. E por que raios isso irrita tanto? Esta é a questão. Tem vários filmes ditos feitos para homens. Quando finalmente um filme de super herói é feito para mulheres isso parece enlouquecer a turba. Tem algo aí.

Vamos começar pensando porque ele é para as mulheres. Posso dizer que há muito tempo que eu não assistia a um filme assim. Primeiramente, sem cena de sexo, seja implícito ou explícito; ou um casal romântico, de preferência heterossexual. Ou ainda, um lugar super sexualizado da mulher. Veja, eu gostei de Mulher Maravilha. Mas ela é ultra sexualizada e tem um par romântico. A questão aqui não é Marvel versus DC, nem comparação do tamanho do poder, é sobre como mulheres ainda são apresentadas, mesmo quando são líderes de suas próprias narrativas. Não há nenhum problema em romances, nem em sexo. Ambos são maravilhosos. O que aponto aqui é a falta de roteiros com protagonistas mulheres que não insistam nessas temáticas.

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Não há isso no filme. No começo, há uma dúvida, talvez houvesse algo com o personagem de Jude Law (Yon-Rogg), mas isso logo vai para outra direção. O papel do seu pretenso mentor, logo se revela numa relação abusiva, na qual ele diz do quanto ela deve controlar suas emoções… Nesse sentido, esquecendo de quem é, deixando escapar toda sua capacidade, porque coloca seus poderes dentro de uma caixa menor, insuficiente, errada.

Uma relação abusiva se conjuga exatamente dessa forma. Fazendo com que o outro se sinta incapaz, inseguro, menor. Há um jogo de poder envolvido nisso, e ganha quem menospreza o outro. Isso independe de gênero e sexo, mas estatisticamente se revela como preponderante vindo de homens que colocam as mulheres nessa posição de insegurança e sensação de incapacidade. Se você acha que está numa relação como essas, pare, presta atenção, pede ajuda pra quem está de fora. As vezes é difícil se dar conta sozinha.

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Para a Capitã Marvel, o que se revela mais pungente, é a relação entre as mulheres. É nelas que a heroína se reencontra. Tanto na relação com a amiga, como na relação com a mentora.  Diga-se de passagem, a melhor amiga é mãe solteira, negra, pilota como ela. Há no relembrar de sua história um desvelamento da cumplicidade entre esses lugares de minoria. Uma está lá para a outra. Apoiando, segurando a barra, dizendo que não é pra desistir mesmo que pareça impossível.

Ela, a heroína, não é dita capaz por nenhum homem. Ela é celebrada e relembrada pela sua melhor amiga. E dela vêm as lembranças de dor e vitória, de tristezas e de companheirismo.

Goste ou não, esse é um momento histórico. As mulheres, saindo do lugar de objeto, descobrem que não precisam disputar umas com as outras, e que o prêmio antes prometido não vale. Vale poder ser reconhecida e reconhecer uma igual. Lutar juntas por algo que tem um sentido compartilhado, se encontrar no olhar de quem te ama e te revela. Por ser igual. Não por ser assimétrico em termos de poder e te reconhecer capaz. Por ser igual.

Eu chorei. E poder dizer que choro diz da posição que também posso hoje ocupar, eu choro e nem por isso sou menor. Eu sinto e presto atenção no que sinto pra decidir. E acredite, todos nós fazemos isso, por mais racional que acreditemos ser.

Minha racionalidade não é absoluta, nem a de ninguém. Essa pataquada iluminista de razão e emoção, homem e mulher, nos colocou como opostos assimétricos. Serve a um ideal social que entende que essa assimetria precisa ser mantida, para que um pretenso equilíbrio não se perca. Porém, no final, fomos relegadas a seres menores, descritas como emocionais e descontroladas. “Deve estar naqueles dias”, ou “Tá bravinha? Tá precisando de uma…” Quem nunca ouviu uma dessas. Ou, ainda, se você ganha algo, como uma competição, logo seu lugar é desmerecido, pois afinal, os homens deixaram você ganhar.

Isso é um desserviço. Tá na hora de isso ser revisto. Choro e sangro, não duvide do que sou capaz. Não pedi pra me defender, pedi pra me respeitar. Minha diferença não diz de menor valor, diz apenas de diferença. Se sangro uma vez por mês, essa é minha sina por ter útero e preciso pagar por isso? Não. Essa é também minha potência, dentre tantas outras.

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Então, já chega.

Somos capazes.

Aceitem.

Não estamos contra ninguém.

Mas não duvide. Muito menos se tiver amigas ao meu redor.

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