É sempre importante rever o que deveria ficar no passado.

2005 foi um ano de ouro para as séries de televisão. Séries como Grey’s Anatomy, Sobrenatural, The Office e It’s Always Sunny in Philadelphia foram lançadas naquele ano, e posteriormente vieram a se tornar fenômenos da cultura pop. E esse também foi o caso de How I Met Your Mother (Como Eu Conheci a Sua Mãe), que lançou ao estrelato atores novatos como Josh Radnor e Cobie Smulders, além de dar uma nova vida a carreira de atores como Alyson Hannigan (mais conhecida por Buffy: A Caça-Vampiros), Neil Patrick Harris (Tal Pai, Tal Filho) e Jason Segel (Freaks and Geeks).

A série tinha como foco os eventos que levariam o personagem de Josh Radnor, Ted Mosby, a conhecer a mãe de seus filhos, mas o público ficou completamente apaixonado por seu relacionamento com seus amigos, Robin (Cobie Smulders), Lily (Alyson Hannigan), Marshall (Jason Segel) e Barney (Neil Patrick Harris), e também pelos momentos marcantes compartilhados por eles. Quem poderia esquecer a música de “Slapsgiving” do Marshall? Ou do desafio “Fale como um garotinho”? Mas ainda assim, mesmo com os momentos marcantes da série que foi transmitida entre 2005 e 2014, muitas das piadas da série não poderiam ser salvas nem mesmo por uma trilha de risadas ao fundo, atualmente.

As “piadas”, que variavam entre um absurdo slut-shaming, passando por transfobia e homofobia, são tão ruins que um dos criadores da série, Carter Bays, afirmou em seu Twitter alguns meses atrás que “amaria voltar pra sala de edição e dar uma de George Lucas nesse trabalho, removendo muita coisa”. E em suas próprias palavras, se dependesse dele, essas coisas não estariam mais lá e ninguém sentiria falta.

Precisamos então debater algumas dessas questões.

Slut-Shaming

Antes de mais nada, vamos esclarecer o que é o slut-shaming. O nome pode parecer um pouco estranho, mas a prática bastante é comum. O slut-shaming é um fenômeno no qual mulheres são classificadas de maneiras pejorativas quando se comportam fora de um modelo considerado aceitável pela sociedade tradicional. A ridicularizarão se aplica à forma de vestir, de se comportar, ao aspecto físico e ainda às manifestações sexuais. Os exemplos vão de achar que mulheres se vestem de forma “provocativa” só para atrair atenção masculina, até a culpabilização de estupro.

Muitas das piadas de HIMYM envelheceram muito mal. Algumas delas envolvem essa prática de slut-shaming.

O episódio “Naked Man” é um exemplo muito claro disso. Nesse episódio, Barney chama um cara desconhecido pelado (Mitch) sentado no apartamento de Robin e Ted de “Super-Homem”, por ter utilizado uma tática de tirar as roupas para constranger Robin a fazer sexo com ele. Isso por si só já é problemático, uma vez que Barney considera o homem um “super herói” por tê-la manipulado. As coisas ficam ainda piores com a reação do grupo ao descobrir que ela havia transado com ele sem conhecê-lo. Marshall a chama de vadia, dizendo que a única razão para dormir com alguém é o “amor”.

E também temos Naomi, também conhecida como a “Slutty Pumpkin” (na tradução oficial, “Abóbora Melindrosa”, mas em tradução literal, a expressão “slutty” seria algo como safada, oferecida ou provocante), interpretada por Katie Holmes. A personagem surgiu na primeira temporada como uma garota misteriosa que chamou a atenção de Ted em uma festa de Halloween no telhado. Depois de perder o seu número, Ted procurou por Naomi na mesma festa de Halloween por anos. Dez anos depois, eles finalmente se reencontraram e seu nome verdadeiro foi revelado. E levou muito tempo até que o público pudesse notar que ela era na verdade uma pessoa normal com sentimentos, e que merecia um nome muito menos ofensivo.

As táticas manipulativas de namoro de Barney

Um “jogador” que literalmente tinha um “livro” sobre isso, Barney Stinson era o Casanova do elenco de How I Met Your Mother. As “aventuras” sexuais do personagem eram tema de muitos episódios e muitas delas são extremamente questionáveis. Todo o conteúdo do seu “livro de jogadas” consistia em estratégias desonestas para manipular garotas a dormirem com ele. “Mrs. Stinsfire”, por exemplo, consistia em se vestir como a personagem “Mrs. Doubtfire” (Uma Babá Quase Perfeita, no Brasil), a fim de seduzir colegiais em uma república feminina. “The Cheap Trick” (Um truque barato, em tradução livre), consistia em fingir ser o contrabaixista da banda Cheap Trick. E ainda que o personagem se divertisse com isso, ele apenas utilizava técnicas toscas de manipulação de uma maneira tóxica. Outra coisa que não era nem um pouco respeitado era o conceito de consentimento, afinal Barney afirmava por vezes que seus encontros eram “certos”, já que normalmente as mulheres estavam alcoolizadas.

Transfobia e Homofobia

Infelizmente, a série também está recheada de piadas transfóbicas e homofóbicas, tanto explícita quanto implicitamente. O jogo “Who’s hot and who’s Scott” (trocadilho transfóbico tratando como homem uma mulher trans) foi uma proposta ridícula feita por Ted a Barney, cujo objetivo era descobrir se os rumores de uma mulher trans entre várias modelos era verdadeiro. Outro exemplo claro acontece quando Barney se veste dentro do que acreditava ser o “estereótipo de uma lésbica” com o objetivo de seduzir uma mulher LGBT, o que para ele seria uma conquista. Até hoje, as inúmeras piadas homofóbicas e transfóbicas são alvo de discussão, e How I Met Your Mother inclusive entrou para a lista do Los Angeles Times de séries de comédia a serem evitadas, especialmente por causa das demonstrações de transfobia.

As piadas com Patrice e a gordofobia

A discussão sobre peso costuma ser bastante delicada, mas ao longo da série, HIMYM fez questão de mostrar seu grande desdém por pessoas gordas – especialmente mulheres gordas. Fosse o tratamento dispensado ao colega de trabalho de Robin, Patrice, ou quando Ted terminou com uma garota porque ela era gorda, não havia como esconder o fato de que eles tornavam as pessoas gordas o alvo da piada sempre que podiam.

No caso de Patrice, apesar de Robin afirmar ser sua amiga, o público era incentivado a rir do constrangimento dela, que de maneira estereotipada, tinha seu peso associado a um comportamento desengonçado e socialmente inadequado. Seja quando fazia uma pergunta, ou mesmo quando sorria e acenava, a personagem era alvo da desnecessária fúria de Robin. Ela tratava alguma personagem magra do mesmo jeito? Não podemos responder com certeza, mas é claro que ela não merecia as agressões, e o que a série mostrava é que uma personagem acima do peso não é nada além de um incômodo para os outros.

Essas são apenas algumas das piadas que não envelheceram bem. Tem também a questão da “teoria da sereia”, o racismo envolvendo o personagem de Ranjit, Barney filmando mulheres sem o consentimento delas, a “feminilidade” do Ted ser motivo de piada, problemas de apropriação cultural, a forma como o relacionamento da Robin com o pai dela era tratado apenas como piada, as formas como mulheres eram tratadas como “loucas” quando eram rejeitadas por homens – e assim vai.

Agora, tudo que podemos esperar é que a série spin-off não repita esses erros.


Texto traduzido e adaptado da Bustle e da Screenrant.

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