E trata de representatividade

Anne with an E (escrevemos sobre a série em detalhes aqui) é algo único. E não apenas como uma adaptação dos livros, mas também uma exploração do mundo de Avonlea sem qualquer interpretação nostálgica do passado. Como diria Anne, a série apresenta um escopo para sua imaginação. A série leva algum tempo para desembrulhar o trauma e a solidão que vem com o crescimento em orfanatos horríveis e de participar de um abusivo sistema de adoção. Mas isso não afoga o espírito de Anne, colorindo sua juventude com a perda da inocência com relação a coisas como sexo e formas gerais de se comunicar. Sua estranheza é bem escrita, porque ser transportada para um lugar “normal” contrasta bastante com a sua experiência até então.

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A própria Anne é escrita como uma pessoa com várias “camadas”. Sim, ela manteve o otimismo e imaginação de seus livros, mas ela não tem vergonha de ser cabeça-dura e tampouco afasta o fato de seus impulsos fazerem parte de seu desenvolvimento. Ela é orgulhosa, o que é retratado nos livros, e pode ter uma visão bastante fechada com relação a conflitos.

Mas um elemento que a série explora de forma diferente dos livros são a homossexualidade (Josephine Barry, tia de Diana, é lésbica, e a segunda temporada introduziu um segundo personagem gay no círculo de Anne; e ambos os personagens são carinhosamente abraçados e aceitos por Anne), pensamentos suicidas, depressão, abuso sexual, pobreza, morte e a dureza da vida na cidade em comparação com o interior. O feminismo é sempre trazido na forma do grupo de “Mães Progressistas”, mas também é algo comentado por sua falta de intersecionalidade com relação a classes.

Alguns apontam que essa versão consciente de Anne of Green Gables é um erro e que apontam problema com relação a mudanças em uma “obra clássica” e “exageros” em questões como racismo (oi???). De fato, no lançamento da série, uma das maiores preocupações dos fãs era que houvessem mudanças na história original, mas não é difícil perceber que essas preocupações não são tão importantes assim.

De fato, a série utiliza a obra original como fonte de material para contar novas histórias e isso não é algo ruim. Especialmente quando essa decisão dos produtores é o que permite a inclusão de mais personagens de etnias diferentes e diversidade nas identidades de gênero. Se nós queremos inclusão, não podemos exigir que as adaptações sejam cópias de carbono do material original.

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A obra de L. M. Montgomery sempre existirá. Sempre será uma série que muitas pessoas começaram a ler, mas que poucos chegaram ao oitavo livro. A existência dos livros não quer dizer que a obra não possa evoluir. Seria até bobo querer recriar a série de livros mais popular do Canadá apenas para repetir o que já foi feito antes. Anne with an E quer contar novas histórias e isso é uma coisa boa.

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A série é recheada de imaginação – apenas não parece precisar ser reverente ao passado para poder contar uma história – e ser “consciente” não é motivo para reduzir o trabalho dos produtores e redatores, que trazem Anne Shirley a vida em 2018. A criadora da série, Moira Walley-Beckett chegou inclusive a comentar as escolhas para sua adaptação:

Eu estou tão orgulhosa em fazer parte de algo que pode oferecer isso às pessoas, e espero que todas as crianças que estão sofrendo com sua identidade (sexual) e de gênero, que possam talvez não ter a empatia ou a compreensão daqueles ao seu lado, que possam ver que é possível encontrar isso na comunidade, que eles possam ver que é possível encontrar um espaço seguro.


 

Texto traduzido e adaptado do TheMarySue. Créditos de imagens: Netflix

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