Onde nos jogos ela era uma personagem dinâmica e confiante, a HBO fez de Tess um exemplo.

O texto a seguir contém spoilers dos dois primeiros episódios da série The Last of Us da HBO.

A versão da HBO de The Last of Us está gerando muita discussão ao redor do mundo nessas últimas semanas sobre como o material de origem está sendo adaptado. Nessa conversa tem gente morrendo de elogiar, tem alguns dizendo que a série se sente excessivamente em dívida com o jogo, às vezes, alguns observando algumas mudanças notáveis, e boa parte das críticas destacando atualmente sobre as mudanças no enredo de Bill e Frank para o próximo episódio que vai ao ar no domingo que vem.

Mas depois do episódio dois, Infected, foi difícil fingir surpresa com a forma como a série escolheu retratar a Tess de Anna Torv, uma personagem que aparece por um curto período de tempo tanto na adaptação da HBO quanto no jogo original, mas que definitivamente merecia muito mais do que a HBO deu a ela.

No jogo de The Last of Us, Tess é apresentada como uma contrabandista competente que dá as ordens em sua operação ao lado do personagem principal, Joel. Ambos são vistos como indivíduos perigosos na zona de quarentena onde vivem, mas Tess é quem negocia e usa suas conexões para conseguir o que precisam para sobreviver neste cenário infernal, e Joel responde a ela (como de fato a personagem afirmou na série). Isso porque Joel é um cara mental e emocionalmente esgotado que só precisa de alguém para lhe dizer o que fazer na maioria das vezes. As dicas sobre a ternura que eles sentem um pelo outro são muito mais evidentes na série, com uma cena mostrando Tess e Joel dividindo a cama, ou Joel mostrando preocupação com seus ferimentos nas mãos dos homens de Robert, em vez de aborrecimento. Mas, mesmo assim, a série nunca atinge o pico do que Tess deseja, o que é mostrado em sua cena final do segundo episódio. Embora o envolvimento emocional real de Joel com ela pareça complicado, eles se entendem o suficiente para que, quando ela diz pra Joel deixá-la se redimir de seu longo legado de violência com um ato que pode resultar em um mundo melhor depois que ela morrer, ele obedece friamente.

Tess mata Robert no jogo, mas na série ele tem mais medo de Joel do que de qualquer outra coisa

Deixando de lado o funcionamento interno desse relacionamento, Tess é uma personagem que exala confiança, esperteza e intuição na versão do jogo. Na série da HBO, ela é um pouco irreconhecível em algumas cenas. A introdução de Tess no primeiro episódio foi ela lidando com um ex-parceiro de negócios, Robert, de quem ela faria pouco caso no jogo (ela não consegue fazer isso no episódio). Mas acontece que na série, Robert sente mais medo de Joel do que de Tess e, levando em consideração que Tess não é retratada com o mesmo grau de capacidade implacável que tinha no jogo, faz sentido que Robert veja mais Joel como uma ameaça iminente. O Joel e a Tess do jogo pareciam iguais na violência que cometeriam, mas muitos dos momentos que contribuíram para esse sentimento foram eliminados da série. Em busca de Robert, Tess é quem atira impiedosamente nos capangas e inicia algumas das primeiras seções de combate do jogo. No primeiro encontro do jogador com um clicker, Tess é quem mata o infectado enquanto a vida de Joel está em perigo. Mas sem esses momentos, a visão da HBO de The Last of Us não parece reconhecer Tess como uma ameaça.

Nos momentos finais de Tess, ela deixa Joel e Ellie com a esperança de que o mundo ainda possa ser salvo

Tess morre no episódio dois em circunstâncias semelhantes às que levaram a sua morte no jogo, mas com uma reviravolta grosseira e bizarra.

Depois de atravessar Boston para entregar Ellie a um grupo de Fireflies, Joel e Tess chegam ao ponto de encontro e descobrem que a escolta foi completamente eliminada. Só que no caminho Tess foi mordida por um infectado e ela sabe que seu tempo é limitado. E então ela implora a Joel que leve Ellie pelo resto do caminho até seu destino, na esperança de que sua imunidade possa levar à cura. Enquanto uma horda de infectados segue em sua direção, ela despeja tanques de gasolina no chão e espalha granadas ao redor. Ela pode só comprar tempo, mas ela quer morrer nos seus próprios termos.

No jogo, esses infectados eram na verdade forças da FEDRA, e Tess morria por causa do tiroteio. Na série, no entanto, Tess luta com um isqueiro enquanto tenta acender a gasolina que cobre o chão do saguão. A explicação que Craig Mazin, o showrunner, dá para essa mudança é até sensata: faz mais sentido que infectados persigam nossos heróis, em vez da FEDRA, que teria que abrir caminho através dos restos profanados de Boston só por alguns fugitivos.

O problema é que, conforme a horda entra no prédio, muitos deles correndo direto para Tess e ignorando-a completamente, fica claro que a infecção está tomando conta dela e eles estão começando a percebê-la como um deles. Só que então, um infectado se separa do grupo e caminha lentamente em direção a Tess com seus tentáculos fúngicos se expandindo para fora de sua boca.

Qualquer que seja o lore que essa cena pretendia ilustrar, as imagens são inconfundíveis.

Tess eventualmente faz seu isqueiro funcionar e o joga na gasolina, mas não antes que o infectado a beije à força. O fungo cordyceps já está tirando toda a sua personalidade, e a série dá um passo adiante ao sexualizar uma cena já horrível e substituir qualquer ação que ela tenha por outra forma de violência. É possível argumentar que o infectado não tem intenção real, mas as imagens que ele invoca e que o público deve testemunhar são inconfundíveis. Qualquer que seja o conceito de lore que a série esteja tentando ilustrar, não precisava ser feito de uma forma tão hedionda.

Um detalhe à parte, para os mais criteriosos: o infectado que atacou Tess era um runner, o tipo de infectado que age absolutamente em instinto predatório, visto que o fungo ainda não conseguiu se adaptar às funções motoras da presa. É o “zumbi” mais caricato entre os infectados. Não faz sentido que ele ataque devagar, simulando um beijo da morte… É verdade que os criadores da série argumentam bem que a forma como os esporos se alastram e infectam pessoas mostrada no jogo não funcionaria na série, mas será que veremos outras vítimas sendo beijadas assim, de forma clara a mostrar conotação sexual?

Em The Last of Us da HBO, Tess acaba não saindo de cena em seus próprios termos, mas em uma das escolhas criativas mais desconcertantes e desumanizantes que a adaptação fez até agora.

O mundo de The Last of Us é brutal, e ninguém está realmente livre disso em nenhuma de suas mídias adaptadas da história original, mas Tess era uma personagem que pelo menos conseguiu defender algo com confiança em seus momentos finais no jogo. No retrato dela da HBO, Tess carece de uma das principais coisas que ela mais se apegou: sua dignidade.

Tem mais mudanças para vir à medida que a série continua, e nem todas são ruins, mas o que vier a seguir, vai demorar muito para tirar o gosto ruim da história de Tess da minha boca.


Texto traduzido e adaptado da Kotaku

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