Se você ainda não viu Deadpool 2, cuidado com os spoilers!

Como explicado nesta matéria da Delirium Nerd, em 1999, a escritora Gail Simone notou um padrão perverso nas histórias em quadrinho de super-heróis: muitas mulheres eram mortas, estupradas, feridas ou perdiam seus poderes para motivar seus companheiros masculinos. Ela criou o termo “Mulheres na Geladeira” a partir de uma história do Lanterna Verde, em que ele chega em casa e encontra sua namorada morta e enfiada na geladeira de sua casa. Despertando revolta e transtorno, isso motiva Lanterna Verde ir atrás do vilão e derrotá-lo. Um problema maior é que esse padrão envolvia não só personagens secundárias, mas também mulheres protagonistas ou personagens importantes das histórias em quadrinho. Para chamar atenção para esse problema, Gail Simone criou o website Women in Refrigerators, com uma enorme lista dos quadrinhos nos quais mulheres eram “colocadas na geladeira”. A lista vai de Batman a várias HQs de X-Men, até O Espetacular Homem Aranha. Em filmes, essa tendência também é muito comum: filmes como Gladiador, Stars Wars Rogue One, Amnésia, O Grande Truque, A Origem, Interestelar, TODOS os filmes do James Bond e vários outros utilizam o recurso.

E como elas explicaram bem, o problema deste tropo não é retratar a morte de personagens femininas em si, mas sim usá-la como mero recurso de roteiro para motivar um homem. “Também há casos em que a morte de uma mulher não é um recurso barato. Em Capitão Fantástico, o falecimento da esposa de Ben Cash causa um impacto profundo nele e em seus vários filhos. Mas o evento permeia o filme inteiro, e a trama gira em torno dos personagens concretizarem o último desejo dela. A morte também é tratada de forma respeitosa, não sendo um evento pontual que serve somente para motivar o marido. A memória da esposa permanece viva durante todo o filme.” – afirmam.

É preciso que os escritores de todo tipo de mídia tenham mais criatividade na hora de encontrar fontes de motivação para seus personagens. Além de ser um recurso preguiçoso, o “Mulheres na Geladeira” se baseia em ideias machistas de que mulheres devem servir apenas como apêndice na história de um homem, assim como o outro tropo famoso da “Donzela em Perigo”. Está na hora de aposentar esses elementos dos quadrinhos, da literatura, dos videogames e do cinema.

Uma solução para o problema, segundo o site, seria contratar mais mulheres roteiristas para que haja uma melhor representação feminina na mídia.

Em Deadpool 2, vários fãs se sentiram insatisfeitos pela morte de Vanessa, interesse amoroso de Wade Wilson, interpretada pela atriz Morena Baccarin. Aos dez minutos de filme, ela leva um tiro, bem quando ela e Wade decidem a formar uma família juntos. A morte dela motiva Wade a salvar Russell, um mutante. Em outras palavras: Vanessa está na geladeira. Mas ao mesmo tempo que a atriz não nega que esse é o caso de sua personagem, ela acredita que o caso de Vanessa em Deadpool 2 pode não ser uma coisa tão ruim. “É sobre [Wade] descobrir onde seu coração está, e sem ela, ele não tem essa história”, diz Baccarin, falando com o Bustle por telefone alguns dias antes do lançamento do Deadpool 2. “O filme não acontece sem ela.”

Joe Lederer 3
Créditos de Imagem: Joe Lederer

David Leitch, diretor de Deadpool 2, finalmente decidiu se manifestar sobre o principal alvo de críticas ao filme do anti-herói, em entrevista concedida à ComicBook.com. Ironicamente, as piadas ofensivas não foram o centro das críticas, mas sim o fato de que Vanessa teve participação muito menos relevante do que o esperado. “Eu entendo de onde vem as críticas”, afirmou. “Como diretor de filmes, eu acredito que tenho um bom registro de personagens femininas fortes e proativas”. De fato, ele dirigiu Atômica, com Charlize Theron, e trabalhou em V de Vingança em 2005. “Mas em Deadpool, a história é diferente”, continuou Leitch. “O filme é sobre o Deadpool e você precisa tirar tudo dele para poder humanizá-lo. Ele pode ser irritante e um tanto ofensivo, pode ser todas essas coisas, mas você precisa de um gancho emocional que prenda o filme para que possamos acompanhar a jornada do personagem, experimentando Deadpool”.

Apesar de Vanessa tomar um tiro no começo do filme, Morena Baccarin e sua personagem continuam fazendo aparições durante o filme, servindo como diretora da narrativa. “E francamente, ela não sai do filme”, continua. “Ela é um grande ponto de contato para ele e para seu aprendizado sobre o mundo e sobre o fato que um ato de bondade pode mudar a história. E eu acho que sem ela como o veículo desse aprendizado, eu não sei, mas o filme não seria o mesmo e não teríamos tanto contexto emocional. Mesmo a cena do final, em que eles se encontram no pós vida, é bastante emotiva, e ambos tiveram uma grande atuação. Então, novamente, eu não acho que ela deixou o filme.”

Créditos de Imagem: Joe Lederer
Créditos de Imagem: Joe Lederer

Os escritores Rhett Reese e Paul Wernick expressaram um sentimento similar sobre o papel de Vanessa no filme. “A parte da Vanessa não foi filmada até a última semana da gravação do filme, ou nas últimas duas semanas talvez, e o nosso câmera principal, Luke Hosch veio até mim antes de começarmos a filmar e disse: ‘Sabe, eu amo tudo isso desde o início, acho muito divertido, mas estou preocupado que o filme não seja emocionante o bastante.’”, declarou Reese ao site. “E eu respondi: ‘Bem, me faz um favor… Fale comigo em duas semanas, quando terminarmos a filmagem, depois que terminarmos a parte da Vanessa e vejamos se vai se sentir do mesmo jeito’. E depois de duas semanas ele voltou e estava tipo ‘Você arrasou, foi a espinha que estava faltando na minha mente’. Então eu acho que a Vanessa foi um pouco como o laço emocional do filme, que ajudou a demonstrar a profundidade dos sentimentos de Deadpool para Russell, e no vai e vem que ele tinha com Cable, já que os dois haviam perdido alguém importante.”

A partir disso, concluímos que é verdade que a morte prematura de Vanessa não é apenas uma motivação extra para a jornada de Deadpool; sem a morte dela, não há jornada. Ainda assim, ver a personagem morrendo é, sem dúvida, decepcionante, e Baccarin admite que ficou “chateada” quando leu o roteiro pela primeira vez. “Tirar o interesse amoroso imediatamente quando eles estão juntos é tão devastador, e é meio que o único jeito de dar a ele [Wade] um arco tão genuíno no filme. Então, eu estou feliz que eles foram tão ousados e também igualmente feliz que há uma saída.”

Créditos de Imagem: Joe Lederer
Créditos de Imagem: Joe Lederer

Essa “saída” é vista na sequência de pós-créditos do Deadpool 2, na qual Deadpool usa a tecnologia de viagem de tempo para evitar que Vanessa seja morta. E apesar do caos e da natureza cômica da sequência de pós-créditos, Vanessa, a quem Baccarin descreve como “uma sobrevivente”, está definitivamente viva e bem.

Mas uma coisa é certa: as pessoas estão prontas para ver mais diversidade nos filmes – e bem menos geladeiras.


Texto traduzido e adaptado de: Comicbook | Bustle

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