Representatividade importa.

O texto a seguir foi escrito por VS Santoni, autor gay, não-binário e latino da obra “I’m a Gay Wizard”, que será lançada em 22 de outubro pela Wattpad Books. O texto foi traduzido com a maior fidelidade possível, a fim de compartilhar a experiência do autor com o público do site.

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Na primeira vez que abri um dos livros de A Espada da Verdade, de Terry Goodkind, eu sabia que queria escrever sobre fantasia. Desde as primeiras páginas eu sabia que a fantasia me oferecia algo especial: a habilidade de imaginar e habitar novos mundos e identidades.

Para mim, a fantasia era mais do que apenas um gênero, era trabalhar em direção a uma utopia.

Por anos, enquanto eu não estava lendo fantasia, eu estava jogando Dungeons & Dragons com amigos. Mas uma coisa sempre me incomodou. Meu personagem era Armand – porque eu sempre amei dramas de vampiros – e ele era hétero. Ele tinha uma namorada fofa e tudo mais. Mas isso não era quem eu sou, e essa não era a forma que eu realmente o via.

Naquela época, eu estava no armário, então não poderia deixar meus amigos saberem, por meio de meu personagem, o que eu estava passando: a angústia de ser um adolescente no armário.

Assim como muitos jovens gays, eu era obsessivo com encontrar representatividade em minha experiência com qualquer coisa: livros, séries de TV, filmes, qualquer coisa que pudesse afirmar que eu não estava sozinho. Principalmente, de acordo com a maior parte da literatura da época, me era dito que pessoas como eu não existiam. Ou em certo dia, poderíamos ser encontrados próximos a um trilho de trem, torcendo nossos cavanhaques e rindo de forma vilanesca enquanto esperávamos o trem atropelar os heterossexuais que havíamos amarrado aos trilhos (O Talentoso Ripley, Beleza Americana, O Silêncio dos Inocentes); ou morrendo bastante (Buffy: A Caça-Vampiros, Torchwood, The Magicians, etc); ou mesmo sendo amigos assexuados (As Patricinhas de Beverly Hills, Meninas Malvadas, Gossip Girl). Às vezes as séries apenas provocam com a existência de alguma representatividade (Supernatural, Merlin, Sherlock).

Mas não era sempre assim também. Às vezes, nós recebíamos justo, se não tedioso, tratamento, na forma de ficção contemporânea baseada em nossos problemas. Mas isso não era para mim. Eu queria ver pessoas como eu lutando contra trolls, lançando feitiços e salvando reinos. Eu queria que o cavaleiro na armadura brilhante atravessasse a igreja para dizer “sim” ao seu príncipe encantado.

Os anos se passaram, e a luta pelos direitos LGBT se intensificou. Discussões pelo casamento igualitário tomaram o centro do palco, e cada vez mais criadores começaram a esfregar a questão da representatividade LGBT nos nossos focinhos. Para mim, isso culminou com J. K. Rowling declarando que Alvo Dumbledore era gay. Mas estava faltando algo nesta grande revelação. Pareceu mais como bajulação do que qualquer outra coisa. Se Dumbledore havia sido sempre gay, por que levou mais de uma década para que esse fato fosse revelado?

A heteronormatividade teve seu papel inclusive na minha escrita de ficção. Por anos, eu acreditava que jamais conseguiria uma publicação se escrevesse histórias queer, então comecei a escrever algumas hétero.

Rowling havia inconscientemente demonstrado para mim que ainda que um personagem pudesse ser gay, mostrar sua sexualidade ainda era um tabu para o público em geral. Isso machuca. Minha vida não deveria ser classificada como “algo para adultos” apenas porque eu era gay.

E então um amigo me apresentou a Magic’s Pawn, de Mercedes Lackey. Aquele livro foi um grande respiro de ar enquanto eu me afogava. Eu percebi que as pessoas estavam contando histórias queer de fantasia há tempos. Sem bajulação ou promessas falsas. Os livros de Lackey eram gay. Super gay. E então eu encontrei livros como os dela, como Weetzie Bat, de Francesca Lia Block e a série The Nightrunner, de Lynn Flewing. Mas com exceção de alguns exemplos brilhantes, eu ainda percebi como essas histórias eram marginalizadas e obscurecidas. E elas raramente, quando existiam, eram escritas para adolescentes, como eu fazia.

Eu percebi que a maior parte dos livros de fantasia estavam pecando na fantasia. Aquilo de que todos os seus sonhos estavam em uma livraria, de que mundos preenchiam aquelas páginas… Grupos inteiros da humanidade haviam sido deixados de fora. Diferentes tipos de pessoas, diferentes tipos de amor e formas de se conectar, haviam sido apagadas.

E então eu pensei: teriam as coisas sido diferentes para mim como escritos, como pessoa, se o acesso a esse tipo de material tivesse sido mais facilmente encontrado? Quanta angústia eu poderia ter evitado se tivesse encontrado ficção em que pessoas queer não eram apenas os vilões? E se alguém tivesse me contado que eu – uma criança latina queer – poderia ser um herói?

Eu então decidi lutar contra esta marginalização que me torturou por anos. Minha escrita poderia empoderar crianças gays para que buscassem seus sonhos. E não apenas qualquer criança gay, mas crianças gays como eu. Crianças que viveram na interseção de várias identidades marginalizadas: um garoto queer latino que não conseguia se ver em lugar algum. Que amava ação e aventura e queria ser um herói. Não um vilão. Sem promessas vazias. Essa era a minha história e eu devia isso a essas crianças.

E então eu comecei a história de fantasia que eu sempre imaginei para pessoas como eu, e coloquei ela no Wattpad. Ela tinha tudo que eu sempre quis em um mundo rico de fantasia, onde crianças gays e trans pudessem ser elas mesmas, ser bruxos e bruxas e salvar o dia. Mas antes de tudo, um pouco de contexto. Eu escolhi a Wattpad porque ela é conhecida por fornecer um espaço seguro para comunidades marginalizadas compartilhares suas histórias, então era uma escolha natural para a minha, que é corajosa, orgulhosamente e sem qualquer remorso, gay – quero dizer, é literalmente intitulada “Eu sou um bruxo gay”.

E eu estava certo. Eu publiquei minha história integralmente no início de 2017, e a resposta foi quase imediata. Primeiro alguns comentários e leituras, então milhares, e depois centenas de milhares. Pessoas LGBT reais e aliados ao redor de todo o mundo estavam se apaixonando pela minha história.

Em 2017, eu recebi um Prêmio Watty. Entre milhares de concorrentes, minha história foi aquela selecionada como algo especial. E subitamente eu percebi que as pessoas me reconheciam não apenas por causa do meu projeto, que tentava trazer mais vozes LGBT para os livros, mas eles respeitavam o que eu havia criado como um artista. Trazer esses dois lados da minha identidade unidos significou tudo para mim.

No ano passado, eu recebi um e-mail que foi ainda mais empolgante. A Wattpad queria publicar meu livro como parte de sua primeira onda de títulos em sua nova divisão de publicação. A minha história iria se tornar um dos primeiros livros da Wattpad. Eu agora era parte de algo maior: estava me tornando parte do canon de autores literários e pioneiros que literalmente tomariam seus espaços nas prateleiras com histórias LGBT.

E minha jornada ainda não terminou. Eu agora trabalhei mais duro do que nunca para editar minha história e dar vida a ela em um livro físico.

Ainda hoje, eu ouço jovens gays ao redor de todo o mundo que leram “I’m a Gay Wizard” no Wattpad. Eles me disseram que encontram conforto ao verem a si mesmos em um mundo de fantasia, porque eles não podem ser quem realmente são no mundo real.

Representatividade pode parecer algo pequeno para pessoas que não têm falta disso, mas para pessoas que têm que esconder quem são, é algo vital. Um sinal de algo mais.

Nós ainda temos uma longa estrada pela frente, e eu espero que todos os criadores queer – e nossos aliados – entendam o fardo que descansa sobre nossos ombros: nós podemos salvar vidas com representatividade.


Texto traduzido do TheMarySue.

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