A gente ainda ama o Thor, claro. Mas precisava daquilo?

Depois de tanto tempo, nós já poderíamos estar acostumadas com a forma como os corpos são apresentados na mídia. Poderíamos estar acostumados a ver pessoas gordas como uma fácil demonstração de um personagem triste ou raivoso, ou como uma forma de prover alívio cômico. Mas cá estamos, ainda chateadas com a forma como a questão foi tratada em Vingadores: Ultimato. Como fãs ávidas da Marvel, concordamos que o filme foi brilhante em vários pontos, mas a forma como a aparência física de Thor foi tratada não foi um desses pontos.

Quando vemos Thor no início do filme, percebemos que ainda que por fora ainda seja aquele deus asgardiano, ele está lutando contra algo muito pesado pelo lado de dentro. Ele é um homem que lutou uma guerra. Ele está batalhando para superar a perda de seu irmão, para entender a sua incapacidade de derrotar Thanos e está perdendo a luta contra seus próprios demônios. Ele viu guerra, morte e destruição, e como resultado parece ter desenvolvido uma Síndrome de Estresse Pós-Traumático. E o fato de a Marvel abordar condições mentais em seus filmes é algo positivo, mas neste caso o assunto poderia ter sido tratado de uma forma mais sensível…

E o problema não é apenas na forma como ele consome álcool ou comida em busca de conforto – ambos são mecanismos comuns de fuga. O problema é a sua aparência física. Eu achava que já havíamos superado a época das “fantasias de gordo”. Eu esperava que já tivéssemos superado o momento na história em que fazíamos piada com pessoas gordas. Por que parece que o fato de Thor estar 30kg mais gordo fez com que boa parte do público caísse na risada.

Isso não seria um problema caso o peso fosse tratado como um resultado de seu trauma e o assunto fosse tratado de forma mais séria. Variações de peso são normais, especialmente quando você não está tomando conta de seu próprio corpo. Meu problema com a aparência de Thor é o fato de que isso foi tratado como uma piada estratégica que buscava trazer um alívio cômico para quebrar o tom sério do resto do filme.

Sua primeira aparição acima do peso é em uma cena em que ele entra no cômodo sem camisa e com um foco extremo em sua barriga, com todo mundo rindo. Vejam! Thor está gordo! Gordo, mas feliz, porque como uma pessoa gorda poderia não estar feliz? Sentar em um cinema, ouvindo piadas gordofóbicas rolarem soltas a respeito de um veterano com problemas de saúde mental e as risadinhas é uma experiência horrível.

Piadas de gordo não passam de um estereótipo preguiçoso para arrancar risadas fáceis, e a crítica pode soar boba, se não é você quem está sentindo um soco no estômago.

Ao menos não incluíram no filme aquelas cenas clichê de Thor “recuperando a sua vida”. O público segue em uma jornada com Thor enquanto ele enfrenta os seus demônios interiores e chega ao outro lado, e pelo menos não tivemos que lidar com cenas dele perdendo peso, fazendo a barba e cortando o cabelo, como se isso resolvesse seus problemas. Thor enfrenta sua tristeza, cresce, trabalha nas profundezas de sua mente e se torna outro homem. Ele não é o Rei de Asgard que conhecemos anos atrás, o que é algo certo. Ninguém pode encarar a morte de frente, perder tanta gente amada e subitamente voltar a ser aquela pessoa que um dia você foi. Pelo menos por isso podemos ser gratas.

Apesar de ser problemática a forma como o sofrimento de Thor foi retratado, ele estava lutando e isso deve ser reconhecido. Ultimato destaca o peso emocional e os efeitos psicológicos da guerra, que podem ser vistos em todos os personagens e não apenas naquele fantasiado de gordo. Então, apesar de eu indicar que as pessoas assistam ao filme, sinto ser necessário apontar a existência desse problema. Existem gatilhos quanto a gordofobia e transtorno de estresse pós-traumático, afinal é um filme sobre uma guerra.

Tenham certeza de se lembrar disso e serem bons uns com os outros.


Texto traduzido do TheGuardian.

Imagens: Marvel

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