Análises de gênero na literatura e suas adaptações são importantíssimas!

Quando olhamos para obras de outras épocas, normalmente é difícil julgá-las pelos padrões modernos de feminismo e progressismo. Existem muitas obras de arte incríveis que são terríveis com relação a forma como tratam a política de gêneros ou seu subtexto (ou texto) étnico. Isso é algo que devemos enfrentar com relação a arte em um mundo que muda e evolui constantemente.

Então é um grande alívio descobrir que é possível mergulhar na obra de Shakespeare e poder aproveitar seu trabalho sendo feminista. E é claro que isso depende de como definimos feminismo, mas se olharmos pela perspectiva de que ele dá às mulheres profundidade em suas vidas interiores, defeitos e um leque de competências e importância em suas histórias, não chega a ser difícil gostar.

Shakespeare escreveu alguns dos melhores papéis femininos da história. Quatrocentos anos depois, suas mulheres ainda vivem, são complexas e incríveis. Elas são fortes, influentes, e francamente é incrível que ele tenha alcançado algo que inúmeros criadores e artistas nos séculos seguintes não conseguiram fazer. Poucos são aqueles capazes de escrever mulheres complexas.

Vejamos a protagonista de uma das melhores peças (minha obra preferida do autor): Muito Barulho por Nada. Beatrice é tão corajosa e confiante quanto qualquer homem que ela conhece. Ela possui uma visão sobre amor e casamento magnificamente moderna: “Eu prefiro ouvir meu cachorro latindo para um corvo do que um homem jurando que me ama”. E ainda existe um monte de garotas por aí que diria o mesmo.

Beatrice não é apenas autoconsciente, mas também sabe o que quer e precisa, além de entender a injustiça inerente à sua posição social. Ela se enfurece quando sua prima Hero é acusada de basicamente dormir com pessoas antes do casamento, desejando que pudesse estar em uma posição que permitisse vingança. “Oh Deus, como eu queria ser um homem! Eu comeria o coração dele no meio do mercado”.

Ela simboliza várias das heroínas de Shakespeare e a sensibilidade feminista por elas demonstrada. Ela tem vontade. Ela tem inteligência. Ela faz suas próprias escolhas e isso é feminismo, ainda que venha de uma época em que a cultura era tudo menos isso.

Muito foi feito das personagens de Shakespeare através dos anos, isso porque ele as escreveu tão bem. Ele viveu e escreveu durante a época de uma poderosa rainha, e apesar das personagens serem femininas, os papéis tecnicamente eram escritos para atores homens, mas as mulheres assumiram esses papéis, interpretando inclusive vários de seus papéis masculinos.

As mulheres de Shakespeare são tão incríveis que por algum tempo as pessoas chegaram a cogitar que “Shakespeare” seria um pseudônimo de uma mulher.

O que Shakespeare era verdadeiramente, é um artista capaz de expressar as complexidades de todo tipo de pessoa. A imensa variedade de pessoas que subiram aos palcos para interpretar suas obras é o motivo pelo qual ele é lembrado como um dos maiores (senão o maior) escritor de todos os tempos. Porque cada um de seus personagens, homem ou mulher, era vibrante, real e complexo.

Em um tempo em que isso era incomum, Shakespeare encontrou o primeiro e mais importante passo da perspectiva feminista: encarar as mulheres como pessoas. Pessoas que são iguais, tão importantes e complexas, tão dignas de atenção e respeito quanto os homens. Simplesmente isso. E novamente, é triste que tenhamos que baixar tanto o padrão para trabalhos contemporâneos incapazes de fazer isso.

É impossível dizer que toda mulher criada por Shakespeare surgiu de uma perspectiva feminista, porque são tantas! Algumas são sem graça, outras obcecadas por homens, algumas cruéis. Novamente, em obras de outra época, é esperado que seus personagens tenham defeitos e motivações limitadas.

Nada que mude o fato de que as mulheres da obra de Shakespeare são marcantes, e que podemos aproveitar boa parte de sua obra sem que alguém queira cassar nossa carteirinha de feminista.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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