Uma análise de como Star Wars melhorou nesse conceito.

O texto contém SPOILERS!!!

Quando A Ascensão Skywalker chegou aos cinemas em 2019, muitos críticos criticaram o filme por seguir estereótipos dos fanboys com foco em autoridade masculina. Outros reclamaram sobre a decisão de limitar o poder de Rey ao transformar a garota de lugar nenhum na neta do terrível ditador Sith, Emperador Palpatine. Outros chamaram a atenção para o desenvolvimento de Rose e acusaram os cineastas de agirem de forma quase racista com a atriz Kelly Marie Tran no processo.

Se Os Últimos Jedi (2017), de Rian Johnson, permitiu que as mulheres avançassem. A Ascensão Skywalker de J.J. Abrams, aparentemente, deu um grande passo para trás.

Por outro lado, as personagens femininas em A Ascensão Skywalker tiveram proporcionalmente mais tempo de tela do que em qualquer outro filme da franquia. Falando puramente sobre tempo relevante de tela, em que uma personagem fala ou tem alguma ação significativa, aproximadamente 51% do tempo do filme foi focado em personagens femininas, tornando ele o primeiro filme da franquia a atingir paridade de gênero. A narrativa de “o episódio IX é para garotos” – argumento perigoso quando muitos dos fãs tentam demonstrar que a franquia sempre foi para todos – é mais complicada do que parece.

Estatisticamente falando, Skywalker não é apenas o melhor filme de Star Wars em termos da presença feminina em geral, mas também no cruzamento de gênero e etnia, com mulheres brancas ocupando aproximadamente 43% do tempo de tela e mulheres de outras etnias ocupando cerca de 7,2%. O resultado com relação a mulheres de outras etnias não é empolgante, afinal 7,2% não é exatamente um número a ser comemorado. Estamos falando de uma pequena melhora com relação a Os Últimos Jedi, cuja presença de mulheres de outras etnias era de 6,6%, dentro de um total de 43% de tempo de tela feminino.

Os ganhos em representatividade com relação à trilogia original, porém são enormes. Uma Nova Esperança, por exemplo, teve 15% de presença feminina, sendo todo esse tempo ocupado por mulheres brancas. O Ataque dos Clones, por sua vez, teve 18% de tempo com presença feminina e 0,7% de mulheres não brancas.

Abaixo vocês podem conferir o gráfico para todos os filmes da franquia:

A barra azul representa a duração do filme, a roxa o tempo em que mulheres participam, a amarela representa mulheres brancas participando e a verde aponta para a participação mulheres de outras etnias.

É claro que temos de entender que a maior parte do tempo de tela feminino em Skywalker se dá por causa de Rey (Daisy Ridley). Apesar de sua descendência de Palpatine ser fonte de frustração entre os fãs (o que leva a pensar sobre o privilégio de classe das mulheres brancas), existem aspectos positivos sobre sua representação. Na verdade, o público é colocado na visão de Rey em boa parte do filme, em uma série de closes e cenas gravadas pelo seu ponto de vista.

Por causa do foco da câmera em seu rosto, podemos entender as emoções de Rey conforme ela passa por isso, e entender seu espaço psicológico através das visões da Força dentro de sua cabeça. Quando ela observa o fogo da energia Sith engolfando os pilotos da Resistência em Exogol, nós vemos isso através de seus olhos. Quando ela ouve as vozes dos Jedis mortos que somente ela pode ouvir, nós também as ouvimos. Nós somos um com a Força e a Força está com Rey.

Há outros pontos empolgantes no filme também. Duas mulheres aparecem na abertura do filme pela primeira vez em toda a saga, com Leia e Rey. O filme passa com certa tranquilidade no teste de Bechdel, e as personagens femininas possuem diversos papéis, desde a Primeira Ordem (com oficiais e stormtroopers) até a Resistência.

Temos a nossa heroína Rey, a corajosa guerreira da liberdade Jannah (Naomi Ackie), a doce porém indiferente contrabandista Zorii (Kerri Russell), e a leal e inteligente engenheira Rose – que apesar de ter muito pouco tempo de tela, é a responsável por uma das mais corajosas falas do filme. Quando Poe (Oscar Isaac) anuncia o retorno de Palpatine – “de alguma forma” – Rose faz a pergunta que o público queria fazer: “Nós realmente devemos acreditar nisso?”.

E apesar de a inclusão de Leia ser limitada pelo triste falecimento de Carrie Fisher em 2016, sua morte desafia o final violento que costuma esperar pelas mulheres de Star Wars. Diferente de Shmi, Padmé, Lyra, Jyn e Beru, ela morre em paz, cercada por outras mulheres.

Seja como for, apesar de haver fatores positivos, boa parte da crítica direcionada ao filme é justificada, e podemos torturar números por quanto tempo quisermos que isso não vai mudar. O filme é racista ao negar a Rose um arco de história, ao focar apenas em Rey. A forma como ele lidou com o relacionamento entre Rey e Kylo, apesar de ambígua e aberta para interpretações, age como gatilho para várias sobreviventes de violência de gênero, e o filme desperdiça diversas oportunidades para explorar de forma significativa as vidas e sentimentos das personagens mulheres.

A insurreição de Jannah contra a Primeira Ordem se resume a uma linha de diálogo. Zorii existe mais em relação a Poe do que a si mesma. Connix, Capitã D’Acy, Maz e outras são largadas na base da Resistência em Ajan Kloss e o diálogo entre elas é limitado.

É quase como se os cineastas (em maioria, homens) entendessem a representação feminina como um jogo de números: mais mulheres, mais Rey, um pouco mais de tempo de mulheres na tela e o problema está resolvido. Como as mulheres sabem, não é tão simples assim, e devemos tomar cuidado para que os números não apliquem um truque Jedi de manipulação e nos convençam de que a luta por igualdade nos filmes de Star Wars é uma batalha já vencida.

Skywalker pode ter uma porcentagem maior de tempo de tela para mulheres não-brancas do que Os Últimos Jedi, mas enquanto Rose tinha aproximadamente 6% de tempo de tela só para ela, no último filme ela divide aqueles 7,2% com Maz e Jannah. Isso quer dizer que temos mais mulheres dividindo um tempo muito reduzido de tela.

Até que a presidente da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, decida contratar mulheres de outras etnias para dirigirem um filme – e mais mulheres para escreverem as histórias de sua perspectiva – os problemas com as personagens femininas em Star Wars continuarão nos assombrando como um problemático fantasma da Força.

No final, existem motivos para termos esperanças. Deborah Chow e Bryce Dallas Howard dirigiram episódios de The Mandalorian, da Disney+, e Chow trabalhará na futura série de Obi-Wan Kenobi. A indicação de Leslye Headland como redatora e responsável por uma série “focada em mulheres” também gerou certo otimismo. E apesar do aumento de diversidade em Star Wars ser algo incentivado pelos benefícios econômicos oriundos da expansão da base de fãs a novos grupos, já é sensível alguma melhora nesse quadro desde a compra pela Disney em 2015.

Então, por enquanto, devemos nos manter críticas quanto as questões de gênero, e especialmente, representação étnica na franquia, cobrando os cineastas responsáveis. Também podemos comemorar a notícia de que a paridade de gênero finalmente – ao menos em números brutos – finalmente foi trazida para esse lado da Força.


Fonte: TheMarySue

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