BoJack chega ao final de sua jornada na Netflix com mais críticas comportamentais importantes.

Desde 2014 BoJack Horseman, da Netflix, tem nos mostrado o verdadeiro significado dos excessos de “Hollywoo”. O criador da série, Raphael Bob-Waksberg, imaginou uma versão surreal da indústria do entretenimento em que animais antropomórficos administram empresas de produção e estrelam séries nos anos 90. É claro que isso permite o desenvolvimento de personagens hilários e piadas visuais, mas também nos possibilita criticar sinceramente a verdadeira Hollywood e sua infraestrutura real.

O início da temporada final apresenta BoJack começando a quebrar alguns de seus padrões tóxicos de comportamento. No início, ele ainda está na reabilitação, escrevendo cartas para Diane que revelam um pouco de seus problemas e defeitos atuais, mas também seu crescimento. Ele acredita que mudanças podem acontecer, e não que pessoas ruins possam simplesmente se perdoar sem qualquer tipo de reparação. Apesar disso, BoJack continua sendo muito autocentrado em seu pensamento. Lentamente ele está aprendendo a focar nos outros e a pensar nas necessidades alheias.

Essa é uma imensa mudança em relação ao BoJack da quinta temporada, que no final dela fez um discurso sobre sua interpretação do problemático e atormentado detetive Philbert, uma referência aos personagens da primeira temporada de True Detective. Durante o discurso, BoJack afirmou que Philbert ensinou a homens como ele que era “tudo bem” ser como eram. Enfurecida, Diane confrontou BoJack sobre o discurso, resultando na gota d’água que levou BoJack à reabilitação, sua estrada para a redenção.

Imagem: Netflix

Com Philbert, Bob-Waksberg visava os reflexos midiáticos que permitem a um tipo de série ser comumente aclamado pela crítica: homens problemáticos que trabalham sobre suas mentes e narrativas, enquanto os corpos de mulheres são empilhados como efeito colateral. O problema não é apenas a representação em tela. Se BoJack Horseman tivesse iniciado esse questionamento, mas deixasse isso como um comentário direcionado a esse tipo de ficção, faria um desserviço aos espectadores. Além disso, a série já provou ser muito mais inteligente do que isso.

Analisar a moldura e as pessoas por detrás do meio problemático de mídia – e o que acontece com elas como resultado de seus erros – é atrás disso que a sexta temporada vai.

Após deixar a reabilitação e lentamente tentar consertar as coisas, BoJack aceitou um papel como professor na costa leste e deixou Los Angeles para começar uma vida nova e mais saudável – um rompimento imenso com o que havia acontecido até então nas temporadas anteriores. Afinal, nós assistimos BoJack participar da última farra de Sarah Lynn, o que levou a uma morte por overdose; o quase ataque sexual a filha menor de idade de seu antigo interesse amoroso no Novo México; e o estrangulamento da sua co-estrela em Philbert, Gina Cazador.

Até agora, a série tem sido o mesmo tipo de história criticada por Bob-Waksberg na forma de Philbert. Deixar BoJack se safar para uma nova vida seria algo muito simples, fácil e real.

Em uma era em que diversos comediantes famosos que cometeram abusos sexuais puderam retornar aos holofotes poucos meses depois, e que o estereótipo do “bebezão” reina supremo (basta ver qualquer roteiro de Adam McKay antes de A Grande Aposta), qual seria o significado de ver BoJack enfrentar reais repercussões por suas ações? Será possível que um cavalo de desenho animado poderia assumir mais responsabilidades do que suas contrapartes do mundo real?

BoJack Horseman tem a oportunidade de fazer um verdadeiramente marcante ponto sobre um grupo de pessoas aparentemente intocáveis, e pensando no final da primeira parte da temporada final, parece que isso vai acontecer.

Nesta primeira metade, é verdade que BoJack está tentando melhorar. Ele voa para Chicago para ver se Diane está bem e se dedica a limpar sua mansão, mas seu passado volta para assombrá-lo. Dois jornalistas estão investigando a morte de Sarah Lynn e estão comprometidos a descobrir se BoJack estava com ela quando aconteceu. Além disso, o episódio termina com Hollyhock quase descobrindo a terrível verdade sobre BoJack e a filha menor de idade de Charlotte Carson – algo que sem dúvidas mudará o relacionamento entre eles. Afinal, ela acabou de fazer 18 anos e sabe, intimamente, a diferença de idade entre BoJack e uma aluna do ensino médio.

Uma cena aparentemente desconectada é apresentada no episódio, mas aponta para todo o subtexto filosófico da temporada. A personagem atriz Margo Martindale, disfarçada de Irmã Margurita em um convento isolado em uma ilha, discute com a Madre Superiora sobre a natureza do pecado e do solipsismo, antes de Margo arrancar suas vestes religiosas e fugir. Oque a discussão sobre solipsismo está dizendo é: “Irmã Margurita” fala sobre seus arrependimentos passados, para que então a Madre Superiora diga que ela não tem mais um passado – ela foi perdoada, e rever esses erros e pensar neles eternamente é um solipsismo “incompatível com uma irmã de bata”. Em resposta a isso, “Irmã Margurita” afirma que se isolar do mundo é outra forma de solipsismo.

Nesse momento, nós recebemos uma prévia do que deve estar chegando para BoJack.

Deixar ele seguir com sua vida, apenas lembrando de seus erros, não é uma opção. Suas ações machucaram pessoas demais para que ele possa ter um final feliz sem consequências. Seu solipsismo por excesso não pode ser consertado com um solipsismo por reclusão.

No restante da sexta temporada, a última da série, é seguro imaginar que Raphael Bob-Waksberg nos mostrará consequências e responsabilização real em Hollywoo, algo que só podemos esperar encontrar um dia na verdadeira Hollywood.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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