O maior erro de amar personagens vilanescos é assumir que eles PRECISAM ser redimidos.

Uma das melhores e mais atenciosas séries em desenvolvimento atualmente, sem dúvidas, é She-Ra e as Princesas do Poder (também conhecida como “um-dos-poucos-motivos-pelos-quais-eu-ainda-utilizo-a-Netflix”).

Noelle Stevenson criou uma série multifacetada sobre amizade, moralidade e o ciclo do trauma. Com cada um dos personagens, Stevenson conseguiu explorar como alguém se torna um vilão, mas sem deixar de responsabilizá-lo por suas ações. E a quarta temporada aumentou bastante esse foco, como detalhamos abaixo:

** SPOILERS DA 4ª TEMPORADA DE SHE-RA E AS PRINCESAS DO PODER **

A quarta temporada realmente se superou em desafiar nossa compreensão de muitos personagens. De várias maneiras, ela aprofundou questões já existentes que os personagens tinham (principalmente Cintilante, Arqueiro e Adora), mas também finalmente permitiu que Scorpia reconhecesse que Felina estava sendo uma má amiga. E claro, a melhor parte foi ver Felina recebendo aquele tapa na cara quando Double Trouble (personagem destaque desta temporada, inclusive!) a confrontou sobre como o mau comportamento dela a impelia a afastar todo mundo e culpar todo mundo, menos ela própria. Até Hordak teve momentos de vulnerabilidade emocional, apesar de ser um senhor da guerra.

Pra mim, essa foi uma das melhores temporadas da Felina enquanto personagem. Stevenson e A.J. Michalka afirmaram que ela está indo mais longe neste caminho sombrio porque ela não sabe mais o que fazer. Ela já perdeu Adora, depois perdeu Sombria – duas de suas maiores influências. Então ela começa a se prender no pensamento que tudo vai valer a pena se ela vencer. No entanto, ela começa a “vencer” enquanto destrata Scorpia, a última pessoa que realmente a amava e se importava com ela. Por fora, é possível ver que Felina não está ganhando nada.

Ela está apenas fingindo ser “o cara mau”, porque é mais fácil tentar forçar tudo nesse caminho do que admitir ser um fracasso.

Esse é, inclusive, o enredo que Azula deveria ter passado em Avatar: O Último Mestre do Ar (que aliás é uma comparação constante com Felina aqui no site). Não é apressado e parece estar sendo desenvolvido exatamente com base nas últimas quatro temporadas.

Mas vamos voltar na melhor parte da temporada de novo: quando Double Trouble dá aquele tapa na cara verbal em Felina enquanto se transformam em Sombria, Hordak, Adora e Scorpia, expondo que ela não apenas perdeu a guerra, mas todos que se importavam com ela no processo, demonstraram fundamentalmente as rachaduras em seu joguinho de “vilã durona”. Felina não para de mentir, não para de manipular, e tudo isso afinal está alcançando-a. Dá até um pouco de pena e é uma forma de explicar o por que ela é assim – mas de toda forma She-Ra não vai deixar de responsabilizar Felina pelos seus erros. Ela travou uma guerra e destruiu aldeias e reinos inteiros.

O abuso que ela viveu na infância pode ser o motivo dela ter se tornado amarga, mas não é uma desculpa.

No entanto, a chegada de Horde Prime pode ter mudado a hierarquia dos bandidos na série e parece que Cintilante – que nesta temporada teve várias atitudes dignas de um vilão – e Felina terão que se unir.

Outra pessoa cujo caminho de “redenção” tocou os fãs é o próprio Hordak, principalmente porque, nas duas últimas temporadas, sua amizade com a princesa Entrapta mostrou camadas de vulnerabilidade. Descobrimos que Hordak é um clone danificado que foi abandonado. Ele fez tudo o que fez como uma maneira de se provar aos olhos de seu “irmão” original, Horde Prime. Motivo legal, mas ele não deixa de ser um ditador imperialista.

No final de “Destiny, Part One“, ele chora ao descobrir que Felina mentiu sobre Entrapta – e ele então passa a se sentir traído por ela, que é praticamente uma outra versão dele. Como um clone nascido para servir e conquistar, Hordak é, sob muitos aspectos, um “soldado infantil”. Foi para isso que ele nasceu.

Mas com Entrapta, Hordak viveu um pequeno período em que ele foi um pouco mais definido por alguém que não o via como uma falha.

Quando ele é confrontado por Horde Prime, o “irmão mais velho” se irrita e grita sobre sua audácia de se dar um nome.  E diz: “houve um tempo em que você desejou que eu não viesse buscá-lo” enquanto apontava para o colar da armadura que Entrapta fez para ele. Prime então o desativa e o faz ser “reprogramado”.

Quando falamos de vilania, especialmente de vilões que gostamos ou nos sentimos atraídos, sempre surge essa necessidade de justificar suas ações. No entanto, o maior erro de amar personagens vilanescos é assumir que precisamos que eles sejam redimidos, porque de que outra forma eles podem ser dignos de amor?

Mas a bondade não é um pré-requisito para o amor. Hordak pode amar Entrapta, mas amar alguém não significa que você recebe redenção por isso. Hordak demonstrou algum espaço para a redenção, mas também existe espaço na série para demonstrar que mostrar bondade a alguém não te põe automaticamente numa narrativa de remição – ainda que eu goste dele, ainda que eu ache bonitinho o possível romance entre ele e Entrapta.

Hordak, na verdade, me lembra muito Vegeta de Dragon Ball, e a expiação do personagem levou décadas. Ele precisou de duas versões de seu próprio filho e de estar com Bulma por oito anos para finalmente se recompor um pouco – e ele ainda voltou a ser mau depois de tudo isso, porque o senso que ele tinha de si mesmo era tão profundamente distorcido por Freeza que ele nunca mudaria completamente. Hordak pode nunca mudar completamente, mas dar a ele essas camadas não significa que ele vai ou precisa mudar. O que dar camadas faz é explorar como o mal é moldado num personagem.

Horde Prime criou Hordak e todo o seu exército da Horda para destruir mundos. Hordak então levou tudo isso para o exílio, junto com todas as suas inseguranças, que foram passadas para Sombria, que as passou para Felina. Um ciclo completo.

É uma ótima narrativa, e mal podemos esperar para ver como a equipe de She-Ra resolverá tudo na quinta temporada.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue. Imagem: Dreamworks/Netflix

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