Vem entender os motivos!

O texto abaixo é a tradução de um relato de Jamie Gerber para a página The Mary Sue. 

Quanto mais ouço sobre a próxima adaptação da Netflix de The Sandman, mais animada fico ao ver a magnum opus de Neil Gaiman se desdobrar nas telinhas. Originalmente publicado de 1989 a 1996, o amado quadrinho da DC ficou em desenvolvimento por um bom tempo. Aliás, devo dizer que estou muito agradecida por não terem mais a intenção de transformá-lo num filme, ou mesmo numa série de filmes. A televisão é um meio muito superior ao cinema para contar essa história em particular.

É meio difícil resumir adequadamente Sandman, mas aqui vai: a história segue principalmente Sonho (Dream of the Endless), embora certos arcos também se concentrem em seus irmãos: Destino, Morte, Destruição, Desejo, Desespero e Delírio (que já foi Prazer). Nosso conto começa em 1916, quando Sonho – também conhecido como Morfeu, entre muitos outros nomes – é capturado por um ritual ocultista e mantido em cativeiro por mais de setenta anos – apesar de que na série ele deverá ficar preso por mais tempo, emergindo em 2021.

Quando Morfeu inevitavelmente escapa, ele é forçado a reconstruir seu domínio, O Sonho, que se deteriorou em sua ausência. Evitando uma estrutura narrativa típica, a série segue em todos os tipos de direções inesperadas, incorporando eventos históricos da vida real, bem como entrando e saindo de várias mitologias – e, no processo, cria uma das narrativas mais magistrais dos quadrinhos.

Sandman é o quadrinho que me iniciou no universo dos quadrinhos. Quando eu estava no segundo ano do ensino médio, alguém me deu Brief Lives, que na verdade é o volume 7 de Sandman. O final me levou às lágrimas, embora eu não pudesse ter certeza do porquê, já que estava chegando no meio do história. Mas não importava, porque eu estava viciada.

A incrível Jill Thompson desenhou aquele volume, e eu me apaixonei por sua arte na hora (sem mencionar o próprio Rei dos Sonhos). Eu também fiquei hipnotizada pelo incomparável trabalho de capa de Dave McKean. Assim que fui atrás dos outros volumes, fui presenteada com uma série de excelentes artistas, como Sam Keith, Mike Dringenberg, Colleen Doran, Charles Vess e Marc Hempel, entre tantos outros.

Houve um tempo em que eu relia Sandman anualmente e, quando fui para a faculdade, todos os dez volumes me acompanharam. Recentemente, voltei a ler a série mais uma vez e estou surpresa com a forma como certas partes tocam em uma sentimento diferente que antes, agora que vivi muito mais.

É impossível exagerar o impacto que esta série teve em mim tanto como adolescente quanto como adulta, e nunca esquecerei o quanto a história me ensinou. Me lembro de me maravilhar com afirmações como: “O preço de conseguir o que você quer é conseguir o que você queria” ou “A intenção e o resultado raramente são coincidentes”. Tenho certeza de que todos que leem os quadrinhos podem citar linhas ou painéis que os deixaram emocionados.

Além de sua execução inicial de 75 edições, Sandman inclui muitos materiais suplementares, como um prequel (obra cinematográfica ou literária cuja história ou enredo serve de antecedente a uma já existente) muito amada explicando por que Sonho estava em um estado tão enfraquecido que os ocultistas conseguiram capturá-lo em primeiro lugar. A série passou a significar muito para muita gente. Em outras palavras, tem muita pressão na Netflix para acertar. Felizmente, as atualizações de Gaiman sobre o projeto parecem incrivelmente animadas com o que está por vir, o que é certamente animador.

A jornada carregada de Sandman das páginas dos quadrinhos até as telinhas pode ser rastreada até os anos 90, e Gaiman aparentemente evitou que algumas versões de filmes terríveis fossem feitas. No livro Tales From Development Hell, de David Hughes, o autor ainda afirmou que tentar moldar sua história a este novo meio era “como pegar um bebê e cortar seus braços e uma de suas pernas e nariz e tentar enfiá-lo neste caixinha, e enchendo o resto da caixa com carne”. O roteiro realmente passou por várias encarnações por vários escritores, com alguma interferência ao longo do caminho de produtores que claramente nunca leram uma palavra de Sandman.

Embora a ideia de Dream of the Endless vestindo meia-calça e uma capa para combater o crime não caísse bem com nenhum fã de Sandman, é um tanto compreensível que a Hollywood dos anos 90 ou mesmo dos anos 2000 ficaria perplexa com a história. Há indícios de romance, mas nenhum interesse amoroso real, nem um Grande Mau claramente definido para Morfeu vencer até o final da história; muito do que o Sonho tem de enfrentar reside dentro dele mesmo.

Além disso, empregar todos esses artistas talentosos funciona muito bem para personagens cujas aparências estão mudando, mas como traduzir isso para o cinema? Além de tudo isso, a narrativa de Gaiman é tecida ao longo da história, em última análise, abrangendo toda a nossa linha do tempo. Como isso poderia ser transferido para um longa-metragem?

Essas são apenas algumas das razões pelas quais um filme ou mesmo uma trilogia deles nunca seria capaz de fazer justiça a Sandman, não importa o quanto os envolvidos esperassem que fosse. Talvez seja por isso que Joseph Gordon-Levitt desistiu de sua adaptação para o cinema, apesar de sua óbvia paixão pelo projeto. Um filme simplesmente não pode dar a essa história o espaço de que ela precisa para crescer.

Vou ser honesta: estou muito feliz que Sandman será um programa de TV, em vez de um filme, mas como uma grande fã, ainda sou terrivelmente protetora com ele. A média de adaptações de quadrinhos da Netflix é irregular, mas a fé clara de Gaiman na série me faz sentir mais entusiasmada e menos duvidosa. Ele não lutou todos esses anos para impedir que filmes ruins de Sandman fossem feitos apenas para permitir que a Netflix criasse uma adaptação abaixo da média agora.

Além da empolgação de Gaiman, tem também o elenco fantástico que a Netflix reuniu para o trabalho. Gwendoline Christie como Lúcifer? Sim, por favor! Kirby Howell-Baptiste como a Morte? Perfeição! Stephen Fry como Gilbert e Patton Oswalt como Matthew? Verdadeiramente inspirador! Não estou muito familiarizada com Tom Sturridge, mas ele se autodescreve como um “fã obsessivo do Sandman”, então mal posso esperar para vê-lo trazer Morfeu à vida.

A maioria dos fãs parece tão exultante quanto eu com esse elenco estelar. A minoria vocal que reclamou de um ator não-binário (Mason Alexander Park) interpretando um personagem que sempre foi não binário (Desejo) ou uma mulher negra interpretando a personificação física da Morte – cuja aparência varia dependendo de quem a está vendo – claramente não leram Sandman.

A data de lançamento de The Sandman ainda não foi revelada, mas se você precisar de algo para ajudá-lo a relembrar a história, Gaiman se uniu à Audible para uma fazer um audiobook dos quadrinhos, e o Ato II acaba de ser lançado. Essa adaptação também apresenta um elenco espetacular, e eu fiquei totalmente fascinada ao ouvir o Ato I.

As filmagens da série terminaram em agosto, mas devido a uma pandemia mundial, provavelmente vamos ficar aguardando pelo Sandman, da Netflix, até 2022.

Até então, terei que me contentar em ver Morfeu nos meus sonhos.


Texto traduzido e adaptado do The Mary Sue, originalmente postado por Jamie Gerber.

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