Tá coçando aqui pra comentar!
Pessoas de todo o mundo passaram as últimas semanas devorando um dorama sobre centenas de pessoas competindo em jogos infantis até a morte. É claro que estamos falando sobre Round 6 (Squid Game, no original), o fenômeno sul-coreano de audiência na Netflix, que conta uma história em uma ilha secreta onde pessoas pobres lutam pela chance de ganhar uma fortuna, caso sobrevivam a uma série de brincadeiras infantis modificadas. E por modificadas, queremos dizer que caso você perca, você toma um tiro na cara (ou é morto de alguma outra forma brutal).
O k-drama, recheado de violência imprevisível combinada com os visuais em tom pastel de Wes Anderson, cativou o público, mas deixou diversas perguntas em aberto. De coisas pequenas como “quanto alguns bilhões dariam em dólares americanos” a perguntas maiores como as que colocaremos a seguir (esteja ciente do ALERTA DE SPOILERS):
Por que as pessoas não estão procurando seus parentes desaparecidos?
No início da série, conhecemos o policial bonitão Hwang Jun-Ho, que está procurando por seu irmão desaparecido. Ele segue as pistas do cartão de chamado para o Round 6 e acaba se infiltrando na organização. Mas levando em consideração que ele nunca recebeu uma explicação plausível sobre para onde foi o seu irmão (e nem o seu senhorio), por que não temos mais Jun-hos, tentando descobrir o que aconteceu com seus parentes?
Eu sei que boa parte dos concorrentes do jogo são pessoas isoladas, ou têm problemas com abuso de substâncias, podendo estar desconectados de suas famílias ou da sociedade, mas para boa parte deles a família é o motivo que os fez entrar no jogo – conseguir dinheiro para ajudar a família. Dos cerca de 500 jogadores, acho que podemos imaginar que pelo menos 150 têm algum tipo de contato com as suas famílias. E se for assim, por que esses familiares não estão fazendo algum barulho? Seus parentes estão desaparecidos há dias!
Eu sei que após o primeiro falso reinício dos jogos, nosso protagonista foi ridicularizado no Departamento de Polícia. Mas a polícia realmente ficaria rindo ao descobrir que cerca de 100 moradores da região desapareceram simultaneamente, e junto a alguém que eles conheciam?
Bem, quem sabe eles avisaram que iam sair para jogar no Round 6. E se for assim, só temos mais perguntas a fazer. E isso nos leva ao próximo questionamento:
Por que mais gente não sabe sobre o Round 6?
Dá pra entender que alguns dos participantes, como o ex-investidor Cho Sang-woo teria vergonha de contar para a sua família que ele ia participar de um jogo do submundo por causa do seu desespero por dinheiro. Mas desses 150 participantes com famílias, alguns deles talvez tenham falado abertamente com seus parentes sobre os problemas financeiros. E depois do jogo de rapas no metrô, com um estranho incrivelmente atraente, por que ninguém voltou para a casa falando algo do tipo “Olha, você nunca vai adivinhar o que aconteceu hoje. Esse cara bonitão me chamou para um jogo de criança e me deu um monte de tapas, mas também me deu dinheiro! E agora ele me convidou para um jogo secreto e me deu um cartão estranho, olha!”. Por que diabos não temos um monte de fotos do cartão do jogo nas redes sociais? Ou vocês querem me convencer que ninguém postou no Twitter uma história sobre um estranho no metrô te convidando pra uma partida de ddakji com direito a tapas? Isso sim é difícil de acreditar.
E também precisamos lembrar que nesse momento, ninguém sabia que o jogo era mortal, e então os riscos não eram altos. Lembra? Eles ficaram surpresos quando as armas foram disparadas pela primeira vez durante o jogo de luz vermelha, luz verde. Até aquele momento, era só uma história estranha, e não tem motivo para que pelo menos uma parte dos concorrentes não pudesse soltar nas redes sociais um “Olha, a grana tá curta, mas eu vou tentar a minha sorte nessa oferta feita pelo estranho pra ver se consigo algo. Volto em algumas horas, beleza?”.
O Round 6 nunca seria um segredo.
Por que eles precisam deixar os concorrentes inconscientes para colocar os trajes neles?
Eu sei que o local dos jogos devem ser um segredo e que eles precisavam esvaziar os bolsos dos concorrentes, mas o “efeito dramático” é o único motivo para que os empregados do jogo não acordassem as pessoas no barracão dizendo “Olha, esse traje é do seu tamanho, vai se vestir”. As garotas estão de sutiã? Então deixe que elas se vistam, representante sem rosto da desumanização capitalista.
O quão ruim é o cheiro daquele dormitório?
Os jogos duram quanto tempo? Uma semana? E parece que durante todo esse tempo, ninguém trocou de roupa, escovou os dentes, tomou um banho ou sequer lavou o rosto. Sem contar que muita gente se mijou ou se cagou todo de medo regularmente. O cheiro lá deve ser terrível. E sim, isso é mais uma observação do que uma pergunta mesmo.
Quando os guardas saem do jogo, eles contam para seus amigos e familiares o que estavam fazendo?
Será que alguém conta pra família que seu trabalho de verão era matar pobres em uma fantasia baronesca de um bilionário ou eles falam que estavam vendendo sorvete na praia?
O que esses guardas fazem enquanto não estão no Round 6?
Os quartos deles não possuem televisão, livros, ou qualquer coisa pra ocupar a cabeça. E eles não têm como trabalhar 24 horas por dia. Será que eles têm um lounge dos guardas, onde eles podem se encontrar e fazer coisas divertidas? E mais, como essas pessoas podem ser tão leais a uma organização que faz com que elas passem por tanto tédio na maior parte do tempo? Eu acho que depois de passar pelas aulas de tiro e de não ligar para a vida humana, eles devem ensinar como fazer meditação.
Se você ganha o Round 6, você precisa recolher impostos sobre o prêmio?
Provavelmente, né? E o que você faz se cair na malha fina? Como você pode explicar para o governo a fonte do dinheiro? As pessoas tem que pagar impostos até sobre prêmios que ganham em programas de televisão. E apesar de não conhecer a legislação sul-coreana, você não deve passar impune ao tentar esconder seu prêmio bilionário.
Olha, a gente não precisa que a série mostre o sistema de tributação do país. Isso seria entediante. E a série é uma metáfora sobre o capitalismo e sobre a forma como que ele desumaniza corpos humanos para transformá-los em combustível para uma máquina de violência que desumaniza e humilha as pessoas em busca do entretenimento e enriquecimento e alguns. E uma metáfora não precisa ter o mesmo nível de detalhes de um projeto realista, é claro. Mas por outro lado, nossos cérebros gritam sempre que algo tão grande não faz sentido nenhum.
Texto traduzido e adaptado da Bustle.
Débora é musicista, professora de artes, pesquisadora de sociologia de gênero. Autoproclamada otaku-não-fedida e gamer casual. A alcunha de Liao veio de um site aleatório de geração de nomes japoneses (Liao é chinês, mas tudo bem).