Precisamos de mais mulheres no marketing de filmes

**SPOILERS de Garota Inferna e Promising Young Woman. **

**Aviso de gatilho para discussão de estupro, agressão sexual e assassinato.**

Embora a indústria cinematográfica continue dominada pelos homens, tem havido um aumento significativo no número de filmes dirigidos por mulheres nos últimos anos. No entanto, por causa dessa mudança, também se torna mais vital que a comercialização desses filmes ocorra de forma adequada, para que os mesmos não percam (ou enganem) seu público e acabem se prejudicando no processo.

Pra isso, podemos olhar para filmes com foco feminino mais antigos e mais atuais para dar uma ideia do que pode vir no futuro.

Garota Infernal (2009) é um filme de terror focado na toxicidade das amizades entre adolescentes mulheres. Escrito pela roteirista vencedora do Oscar de Juno (2008), Diablo Cody, conta a história de Anita “Needy” (Amanda Seyfried) e Jennifer (Megan Fox), duas amigas de infância cuja amizade é eventualmente destruída pela transformação de Jennifer em uma súcubo.

E exatamente por Jennifer ter sido interpretada por Megan, recém-saída de seu papel em Transformers (2007), os executivos e a equipe de marketing escolheram apelar apenas para o público jovem de sexo masculino, focando menos na amizade tóxica e mais na ideia de “OLHA AQUI A MEGAN BEIJANDO A AMANDA = GOXXXTOSASSSS.” *rolleyes*

Imagem: 20th Century Fox

Cody chegou a afirmar literalmente que quando ela tentou entrar em contato com a equipe de marketing pra falar sobre o manuseio incorreto do filme, eles enviaram uma mensagem reduzindo o apelo do filme a três palavras: “Megan Fox Hot” (Megan Fox gostosa), preferindo ignorar quase que por completo o enredo real, os temas e o conteúdo original do filme. Eles inclusive tentaram fazer com que Megan Fox fizesse uma entrevista de divulgação pro filme em um site pornô amador. (Lembrem-se aqui de que a personagem dela deveria ser vista como uma adolescente no ensino médio.)

Isso fica especialmente horrível e bizarro em retrospectiva, tanto devido à alegoria de estupro existente na transformação de Jennifer em uma súcubo comedora de homens quanto devido a própria bissexualidade da Megan ter sido apagada pela sexualização que ela sofreu. E não, ela ter beijado Amanda não foi nada relacionado com bissexualidade, foi só uma demonstração de fetiche mesmo.

Felizmente, o filme se tornou uma espécie de clássico cult e recebeu reconhecimento retroativo de mulheres jovens, adolescentes e do público LGBTQ+. No entanto, o estrago já estava feito e, embora a Megan, a Cody e a diretora Karyn Kusama gostassem de trabalhar no projeto, suas carreiras foram prejudicadas pelo mau desempenho e recepção do filme.

Enquanto isso, a equipe de marketing responsável conseguiu permanecer anônima por sua participação na sabotagem do filme.

Em contraste, Promising Young Woman (2020) teve um marketing bem feminino, com as atrizes e a escritora/diretora Emerald Fennell liderando a linha de frente de divulgação com muitas entrevistas em que elas puderam usar suas próprias palavras para explicar alguns detalhes sobre o filme. Apesar de seu lançamento ter sido adiado (como todos os outros filmes de 2020), de abril (mês de conscientização da agressão sexual) a 25 de dezembro (porque nada combina mais com o Natal que uma história sobre misoginia estrutural e cultura de estupro), o filme arrecadou US$6 milhões em todo o mundo.

Infelizmente isso não quer dizer que não tenha existido alguns problemas com o marketing do filme.

Imagem: Focus Features

O primeiro trailer de Promising Young Woman divulgou o filme como um filme de terror social no estilo de Corra! (2017) e Midsommar (2019), com o trailer sugerindo que a personagem principal, Cassie, fingiu estar bêbada para “tentar”  matar estupradores, até mesmo dando ao filme o slogan “Take her home and take your chances” (em tradução livre, leve-a para casa e arrisque-se).

No entanto, o próprio filme revela rapidamente que ela não está prejudicando fisicamente esses homens de forma alguma, ao invés disso, simplesmente os envergonha e usa a chance para evitar que outra garota seja estuprada. No final, quando Cassie tenta violência física contra o homem que estuprou sua melhor amiga, Nina, o que resultou no eventual suicídio de Nina, Cassie é assassinada por ele.

Isso transforma uma história de vingança em uma história sobre os custos autodestrutivos da vingança e da busca obstinada.

A diretora ainda afirmou que, na mente dela, o filme termina quando o corpo de Cassie é queimado por seu assassino, não deixando justiça para Cassie ou Nina.

Apesar do final alternativo que mostra Cassie rindo por último e mandando as evidências para a polícia, muitas pessoas terminaram o filme com um gosto amargo na boca, sentindo-se enganadas pela fantasia de vingança e catarse que lhes foi prometida. Por causa disso, elas ficam mais propensas a julgar duramente o filme ou simplesmente descartá-lo completamente.

Além disso, embora haja algo a ser dito sobre a dura realidade retratada na “versão da diretora”, esse final também fez com que os alvos de Cassie no início do filme sofressem consequências mais severas do que os estupradores reais. Mas mesmo o final teatral parece falho, considerando que gastaram a última hora e meia dedicando a apontar todas as maneiras como as instituições falham com as vítimas de estupro (de universidades que não expulsam estudantes acusados de estupro ​​a advogados e júris que atacam as vítimas de forma mais severa do que atacam os estupradores), apenas para a polícia ser quem salva o dia e prenda o assassino de Cassie/estuprador de Nina.

Dito isso, o filme teve grande sucesso de crítica, recebendo 90% no Rotten Tomatoes da crítica especializada e 87% do público geral, indicando que mesmo o marketing enganoso pode ser combatido quando as mulheres conseguem defender esses filmes.

Claro, tanto Garota Infernal quanto Promising Young Woman ainda foram criticados por certos públicos/críticos por “não serem sexy o suficiente“, então acho que isso mostra que sempre haverão pessoas que não entendem o ponto que estou explicando aqui. O truque acaba sendo conseguir mais do outro tipo de pessoas nos assentos dos cinemas ou dos sofás de casa.

Então, o que precisamos do marketing, especialmente para filmes com foco feminino? Honestamente, o discutido aqui apenas mostra como precisamos de mais mulheres no marketing de filmes.

As mulheres têm feito grandes avanços na representação por trás das câmeras, com 2020 tendo mulheres desempenhando papéis muito maiores como produtoras (40%), diretoras (38%), escritores (35%), produtores executivos (33%), editores (28%) ) e cineastas (16%).

Mas se não são as mulheres a se posicionar para defender seus filmes, mostrando que existem filmes de mulheres para mulheres, sendo devidamente retratados como tal no marketing, ainda existe o risco de atrapalharem o sucesso das mulheres.

O male gaze se infiltra em tudo – cada filme, cada comercial e trailer, cada anúncio, cada peça de mídia e entretenimento – mas isso não significa que o filtro não pode ser contornado ou moderado para não distorcer a imagem original que aquele filme queria passar.

E quanto mais mulheres tivermos por trás das lentes e dos bastidores, mais força teremos de afastar isso ainda mais – e a chance das mulheres de fazerem suas vozes serem ouvidas será ainda maior, tanto  nos filmes quanto fora deles.


Texto traduzido do TheMarySue.

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