Estamos olhando pra você, Bridgerton.

Desde que a Netflix lançou Bridgerton, de vez em quando surgem conversas engraçadas sobre espartilhos na internet. E embora a série não seja nem de longe um retrato fiel da vida da Regência Britânica, a grande imprecisão que mais chamou minha atenção foram os figurinos. A série não apenas parecia estar usando vestimentas de séculos diferentes, com looks típicos da Regência do final do século 18 misturados com looks muito anteriores de quarenta anos antes, mas também fizeram algo que eu odeio em filmes de época: aquela piada sobre uma mulher não conseguir respirar em um espartilho.

Então, sim, quase tudo que você pensa que sabe sobre espartilhos, corpetes e roupas íntimas de época, em geral, provavelmente está errado.

Em primeiro lugar, vamos tirar um pouco da terminologia do caminho, porque pode ficar muito confuso, mesmo para historiadores que estudam vestuário – graças à forma como a linguagem evolui. Para isso, basta assistir à Abby Cox, que fez um vídeo super completo em seu canal no YouTube sobre a distinção de tipos de espartilhos – e aliás, o conteúdo em geral dela nesse sentido é incrível. Mas o que quero dizer aqui é: “espartilho”, como um termo para uma peça de roupa que dê suporte à cintura e à curvatura da coluna do corpo, é um termo relativamente novo. A palavra espartilho não decolou até talvez a era vitoriana e geralmente significava uma vestimenta de apoio que não tinha ossatura – aquele esqueletinho que permite manter a coluna reta.

Antes disso, a maioria dessas vestimentas eram chamadas de “stays” ou “bodies” (perceba aqui que “bodies” possivelmente se transformaram na palavra “bodice”, ou corpete). O que consideramos um “espartilho”, com aqueles laços apertados que são usados para restringir especificamente a cintura, só atingiu o pico de popularidade na era vitoriana. Antes disso, as roupas íntimas eram na verdade muito mais confortáveis ​​do que os filmes nos fazem acreditar.

Vamos discutir o período Rocco/Georgiano primeiro. As roupas de baixo típicas desta época geralmente eram variadas, como todas as roupas são, mas a ênfase estava no formato do tronco (como se fosse um cone), e uma frente plana, não necessariamente em uma cintura minúscula. A ilusão da cintura menor era criada por saias largas, acolchoamento e estrutura de aro. Mas o propósito de espartilhos, ou corpetes, era mais dar apoio para busto e postura do que fazer alguém parecer mais magro.

Aqui está um exemplo do Museu da Moda Bath:

Stays e corpetes costumavam ser embelezados e ficavam visíveis sob o vestido. E também eram altamente ajustáveis ​​para aqueles dias em que você ficava um pouco mais inchada, ou para a gravidez. Mas a maioria das mulheres usava espartilhos no dia-a-dia, trabalhavam com eles inclusive. Eles simplesmente davam apoio aos seios e faziam as roupas terem uma estética melhor. Eles não eram os dispositivos de tortura como se pensa.

E isso é ainda mais verdadeiro para as roupas íntimas nas eras do Império e da Regência. As modas dessa época foram criadas em um contraponto direto à moda extravagante, estruturada e cheia de babados da era pré-revolucionária e uma resposta à suposta decadência da monarquia francesa. As roupas femininas da época foram feitas para enfatizar uma silhueta mais natural e curvas suaves.

Tudo isso não só torna a mistura de estilos de figurino em Bridgerton ainda mais confusa, mas também nos lembra que espartilhos que esmagavam a cintura simplesmente… não existiam na era Austen. As linhas da cintura eram muito altas, logo abaixo do busto (e aliás, é chamada de cintura império por um motivo). E exatamente por isso não tinha necessidade nenhuma de tentar achatar a barriga ou reduzir a cintura.

Então isso significa que essas cenas nunca teria acontecido!

Emma (2020), por outro lado, apresentou trajes extremamente precisos. Imagem: Focus Features

E não quer dizer que não existia roupa íntima, mas que as pessoas estavam muito mais preocupados em dar estrutura e suporte para o busto. Foi só décadas depois que os espartilhos voltaram em grande estilo que cinturas menores passaram a ter mais foco – e mesmo assim, a “cintura de vespa” vitoriana só veio ainda mais tarde e não era uma moda tão prevalente ou popular quanto se imagina. A maioria das silhuetas da moda foi obtida por meio de uma combinação de corpete, estofamento e alfaiataria. De toda forma, aquela silhueta estava sempre evoluindo na moda.

Na verdade, o que realmente define nossas ideias sobre espartilhos e outras roupas semelhantes não são os padrões corporais do passado, mas os do presente.

Embora seja verdade que os espartilhos eram bem restritivos em muitas épocas, nem sempre esse foi o caso. Vemos dessa forma porque é isso que os padrões de beleza estão fazendo com as mulheres agora.

A ideia que se tem com isso é: corpetes e espartilhos existiam para apertar as mulheres em uma forma magra ideal, e isso não é uma informação realmente precisa, porque a veneração da magreza extrema do corpo feminino ideal é algo que é, em muitos aspectos, uma ideia moderna. O corpo “ideal” tem variado tremendamente ao longo dos anos, e quando assumimos que espartilhos de eras passadas existiam apenas para fazer as pessoas parecerem magras, estamos colocando nosso ideal moderno nas roupas.

Em filmes e séries como Bridgerton, Piratas do Caribe ou Para Sempre Cinderela, os cineastas usam espartilhos de forma imprecisa como uma abreviação para a opressão feminina e padrões corporais injustos. Mas espartilhos tão apertados que você não conseguia respirar simplesmente não eram o padrão nas épocas em que esses filmes foram ambientados.

E é ainda mais ofensivo porque muitas vezes as mulheres que são forçadas a usar essas roupas apertadas já são supermagras. Isso é apenas roteiro preguiçoso e ele precisa parar.

Roteiristas e figurinistas costumam recorrer a ideias e estereótipos sobre o passado, em vez de fazer pesquisas históricas bem fundamentadas. Eles provavelmente veem uma dúzia de filmes que remontam …E o Vento Levou, onde as mulheres eram atadas à força em espartilhos para atender a alguns padrões de beleza bárbaros, então acabam jogando isso em suas séries também.

Mas a história real é muito mais complexa e a história da moda é tão complexa quanto a história da humanidade.

Hollywood não pode de forma alguma se elogiar por ser tão evoluída por não obrigar mulheres a usar espartilhos, principalmente enquanto ele ainda promove imagens corporais inatingíveis.

Assim como com tantas outras coisas, não podemos justificar o presente demonizando o passado como forma de dizer que melhoramos. Precisamos ser honestos sobre os dois e nos dar um espaço para respirar de verdade.


Texto traduzido e adaptado do The Mary Sue.

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