Daqueles animes pra ver com um lencinho por perto.

Com cerca de 20 minutos de filmes, o público pode estar se perguntando se Pegando uma Onda com Você (Kimi to, Nami ni Noretara, no original), filme de Masaaki Yuasa, terá algum conflito ou drama ou se será apenas um filme cotidiano sobre adultos e para adultos.

Nesse momento, os jovens profissionais Hinako e Minato já se conheceram, foram surfar juntos e começaram a namorar. Eles estão muito felizes juntos e suas personalidades são muito compatíveis, eles compartilham interesses e estão completamente impressionados um com o outro. Em uma montagem feita sobre uma música que cantam juntos, rindo bastante, eles viajam, exploram novas aventuras e até mostram ser (em uma cena decorosa, mas franca) que são ativos e compatíveis sexualmente. E isso faz com que eles vão mais longe do que 95% dos personagens de anime, que raramente passam do ponto de admitir seu amor um pelo outro – se é que chegam a fazer.

E esse tipo de alegria adulta satisfatória é um desvio incomum na trajetória de Yuasa, que é conhecido por filmes mais turbulentos como Lu Está Livre (Yoake tsugeru Rû no uta, 2017), que conta a história caótica de uma sereia em um vilarejo de pescadores e Yoru wa mijikashi aruke yo otome (2017), que conta uma noite selvagem e alcoolizada de uma jovem na cidade. Ainda que seus trabalhos mais recentes como Eizouken ni wa Te wo Dasu na! (2020) sejam um pouco mais calmos, Yuasa é conhecido por seu trabalho anárquico e imaginação desproporcional visualmente, que ignora a maior parte dos padrões em design de anime e tropos nas histórias. Seus projetos são cheios de energia, com ação acelerada e personagens elásticos cujas distorções físicas os tornam subjetivos, provocantes e estranhos.

Alguns desses elementos aparecem no filme, mas leva algum tempo até chegar lá. E em meio a toda essa jornada, o público começa a se questionar algo como “Sobre o que é esse filme?”. E mesmo quando o drama atinge Hinako e Minato, a pergunta não desaparece.

“Pegando uma Onda com Você” é recheado de romance, emoções dolorosas, necessidades complexas e contraditórias e uma enorme e emocionante sequência de ação. Mas o filme nunca é simplesmente sobre um amor perfeito, ou um problemático, ou mesmo um amor predestinado. Ele é sentimental e bruto ao mesmo tempo.

A apresentação de Hinako dá uma certa ideia sobre o quão diverso e difuso o filme será. Recém mudada para a região costeira, longe de sua espalhafatosa e bem-sucedida família, Hinako é uma surfista que está empolgada com a possibilidade de voltar para o mar. Ela é habilidosa e experiente e demonstra isso em uma das melhores cenas de surf desde Lilo & Stitch. Mas ela vive no caos e meio que um limbo de seus pertences, encaixotados até o teto de sua casa. E quando uma crise acontece, sua resposta é sempre desorganizada e perigosa. Ao mesmo tempo, ela não é a típica heroína desajeitada de anime. Ela é forte, otimista e um pouco imatura.

Minato, por outro lado, parece ser quase insuportavelmente tranquilo e capaz, e entra em sua vida literalmente como um herói sorridente e brilhante. Seu relacionamento progride tranquilamente desde o primeiro “você gosta de mim como eu gosto de você?” até o ponto em que começam a falar casualmente sobre a futura vida de casados. Não há nada de errado em o público ficar com uma pulga atrás da orelha sobre o ponto de virada do filme ser o mocinho revelando que possui um segredo terrível – ele é tão equilibrado e perfeito que Hinako começa a se questionar se ele é realmente naturalmente bom em todos os aspectos.

A queda vem inevitavelmente, e deixa Hinako traumatizada e tentando processar emoções que parecem muito vastas e complicadas para aquela fase da vida. A roteirista, Reiko Yoshida, faz um trabalho excelente explorando as formas como um sistema de apoio de amigos e familiares podem fazer com que a vítima de um trauma se sinta culpada por não se recuperar rapidamente. E o filme faz com que o luto seja palpável e esmagador, uma resposta tão natural quanto agonizante frente a mudança.

O filme eventualmente muda de um doce e romântico drama para uma espécie de comédia mágica e realista, mais parecida com seus trabalhos anteriores.

E isso quer dizer inclusive os corpos humanos assustadoramente retorcidos e estranhamente desconfortáveis, mas capaz de arrancar algumas risadas. O filme nunca chega a ignorar as próprias tragédias. Hinako encontra um nível de paz com relação ao que aconteceu em seu relacionamento, mas Yuasa e Yoshida periodicamente parecem retornar para a forma como as outras pessoas a veem – obsessiva, possivelmente delirante e um perigo para si mesma.

E apesar de Yoshida utilizar bastante a linguagem sentimental cafona do “surfando nas ondas da vida”, transformando o surf em uma metáfora para enfrentar o inesperado, o filme ainda termina com um lembrete de que a perda e o luto são partes inevitáveis da condição humana.

Ainda assim, a jornada para este final agridoce e incerto é frequentemente uma aventura. O filme une seus personagens utilizando mudanças rápidas e assustadoras durante as suas duas horas de duração, tornando a metáfora das “ondas da vida” o mais literal possível. Raramente é claro quando a história vai de uma cena para a próxima, e os temas estão espalhados por todos os cantos.

E fica a dúvida: Pegando uma Onda com Você é, afinal de contas, uma história sobre aceitar os altos e baixos da vida ou sobre lutar a cada passo pelo caminho?

As duas ideias surgem e se chocam durante todo o filme, com fortes argumentos para ambos os lados. E reconhecer essas complexidades – e que não há respostas para a tristeza, a perda, a ambição ou desejo – faz com que o filme pareça uma das mais ricas e maduras histórias de Yuasa, sem perder a juventude selvagem que torna os seus projetos tão especiais.

É raro ver uma história de anime que foque apenas em adultos lidando com questões de maturidade, desenvolvimento pessoal e um futuro negado. E é ainda mais raro ver animes que simultaneamente lide com essas ideias, amarrando-as em um mundo de fantasia e com visuais tão bonitos.


Fonte: Polygon

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