E como ela é insatisfatória.

Todos nós amamos um bom arco de redenção e um bom sacrifício heroico. Mas o problema da redenção por morte é que ela é um uso insatisfatório para as duas coisas.

** Spoilers de O Retorno do Jedi, A Ascensão Skywalker, Stranger Things temporada 3 e Avatar: A Lenda de Aang. **

Há muitas razões pelas quais a morte por redenção é um tropeço proeminente na TV, como explicado por ninguém menos que a TV Tropes:

Isso mostra que o ex-vilão está levando a sério ajudar os heróis, o suficiente para arriscar sua morte para salvá-los… Pode ser que o vilão é tão ruim que é difícil aceitar a ideia de que ele tenha um final feliz, mesmo que tenha sinceramente mudado seu caminho, e que tenha que morrer para fazer as coisas parecerem certas… Talvez o autor esteja relutante em mudar o status quo da história ao introduzir um Anti-Herói no elenco, mas ainda assim quer que um antagonista seja compreensivo, para que o vilão se redima antes de morrer…

Ao terminar uma trilogia ou temporada, é compreensível não querer deixar pontas soltas e querer fazer uma reverência em tudo.

Mas terminar uma série com um antagonista principal que se “redime” e depois morre rapidamente significa que eles não passaram por experiências verdadeiras, não encontraram as consequências para suas ações, nem nunca têm a oportunidade de melhorar.

Se os Malfoys conseguiram evitar Azkaban depois de tudo o que fizeram com quase nenhuma explicação, é difícil imaginar que outros antagonistas não devam ter as mesmas oportunidades.

Kylo Ren

Imagem: Disney/Lucasfilm

Eu sabia que era inevitável. Desde o momento em que vi o primeiro trailer de A Ascensão Skywalker, com o tema de Kylo Ren de fundo, eu sabia que ele seria “redimido”. No entanto, foreshadowing (dispositivo literário no qual um escritor dá uma dica antecipada do que virá mais adiante na história) não é a mesma coisa que desenvolvimento de personagem (a 8ª temporada de Game of Thrones é um grande exemplo disso). E mesmo que Kylo seja um personagem assombrado pela culpa, normalmente isso surge apenas para ferir as pessoas com quem ele se importa. O fato dele ter torturado severamente Poe e ter mutilado Finn nunca será discutido depois de O Despertar da Força.

Ele é um antagonista e ditador ativo de uma parte decente de A Ascensão Skywalker, lutando nas linhas de frente, liderando ataques e decapitando espiões com todo o fervor dos dois filmes anteriores. Compare isso com o avô de Kylo, Darth Vader, que foi muito contido em O Retorno do Jedi, onde todas as ações que ele toma são para salvar seu filho (transformando-o no lado sombrio, mas ainda assim).

Eu direi que suas cenas com Rey, Leia e Han são emocionais e colocam sua redenção em uma luz menos egoísta, pois seu objetivo não é apenas proteger Rey, mas garantir que o trabalho da vida de sua mãe continue e, finalmente, que seu sacrifício não seja em vão. É só depois de entrar voluntariamente em uma guerra sem um sabre de luz para se defender que ele ganha o sabre de luz de Anakin Skywalker (que, em uma subversão irônica, passa a ser a mesma arma que Vader usou no início de sua escuridão).

No final de tudo, ele teve a chance de se afastar e começar de novo, depois que Palpatine e sua frota são derrotados, mas prefere dar sua vida para salvar a mulher que ama – embora deva-se notar aqui que seus atos mais altruístas não são pelo bem da galáxia como um todo, mas para uma pessoa por quem ele pessoalmente se importa.

Até os fãs que queriam a redenção de Ben Solo não ficaram satisfeitos pela implicação de que ele precisava morrer para ser totalmente redimido, pois não apenas limita a continuação de uma história (e formalmente termina a linhagem Skywalker), mas também o coloca como alguém que nunca seria permitido na galáxia que ele ajudou a salvar.

Mesmo que nós devamos sim condenar fascistas e malfeitores, será que existe alguma redenção para eles se não puderem ser aceitos de volta à sociedade depois que mudarem?

Billy Hargrove

Imagem: Netflix

Billy, de Stranger Things, é provavelmente o exemplo mais flagrante disso na mídia recente. Billy é mostrado como um cara racista, machista e um irmão mais velho abusivo de sua meia-irmã, Max – a segunda temporada da série terminou com Max ameaçando castrá-lo, com um taco de beisebol cheio de pregos, se ele não parasse de abusar dela e de suas amigas. Posteriormente, eles parecem ter alcançado uma paz provisória, que equivale a ter o mínimo de relação possível – uma forma catártica de uma vítima enfrentando seu agressor.

Na terceira temporada, eles nem mesmo interagem entre si até que ele já esteja sob o controle do demoníaco Devorador de Mentes. Nesse ponto, qualquer uma de suas tentativas de reconciliação é mergulhada em manipulação. Isso não impede Max (que, há uma temporada, estava pronta para castrá-lo) e Eleven de simpatizar com ele, especialmente depois que Eleven vê as memórias de Billy, de sua mãe deixando seu pai abusivo, e como Billy foi posteriormente “corrompido” por isso.

Eleven, é claro, é simpática à situação de Billy, levando em consideração que ela achava que seu “pai” era o abusivo Dr. Brenner, o responsável por transformá-la em uma arma e tratá-la a vida toda como um rato de laboratório. No entanto, ao contrário de Billy, Eleven não deixou que o abuso de seu pai justificasse suas ações. Embora ela certa vez tenha afirmado ser um monstro, Eleven fez tudo ao seu alcance para corrigir os “erros” que cometeu, arriscando sua vida para salvar seus amigos e fechar o portão que ela abriu. Billy não cai em heroísmo até o último momento, quando afinal ele resgata Eleven e se desculpa com Max enquanto ele está morrendo.

É um momento emocionante, mas um pouco prejudicado pelo fato de Billy não ter sido mostrado interagindo com Max em uma capacidade significativa desde antes de ser consumido pelo Devorador e, da mesma forma, nem mesmo conhecia Eleven. Além disso, a falta de relevância de Lucas nesse arco parece especialmente estranha, considerando que, além da Max, ele era o mais ameaçado pelo abuso de Billy na segunda temporada.

Parece que a série esperava não ter que enfrentar o horrível racismo de Billy. Até Max fica meio irrelevante em um arco que provavelmente deveria ter se concentrado mais nela, já que suas lágrimas implorando que Billy parasse soam ingênuas e um pouco sem sentido (Lembra do taco? Poisé).

Se eles tivessem mostrado os dois interagindo de maneira menos abusiva ou manipuladora antes de Billy ser consumido, talvez fosse mais fácil comprar a ideia de irmandade entre os dois. Do jeito que está, o personagem de Billy parece mais com uma defesa típica pra jovens que recebem um passe livre para serem pessoas ruins porque “eles tiveram uma infância horrível” (nessa narrativa, não importa que Max e Eleven tenham tido educação semelhante). O fato dele morrer enquanto se “redime” também parece uma fuga para evitar ter que lidar com as implicações de realmente redimir um irmão mais velho racista, sexista e abusivo.

Uma exceção à regra: Zuko

Imagem: Nickelodeon

Para ver completamente o problema com essas redenções sem sentido, veja Avatar: A Lenda de Aang, que é o exemplo de ouro dos arcos de redenção, não apenas porque Zuko acaba se redimindo, mas porque conseguimos ver o processo. Desde a primeira temporada, vimos quão moral e verdadeiramente dedicado à sua nação ele era, chegando ao ponto de tentar salvar um general rival que tentou assassiná-lo. Quando ele age de maneira imoral, a série não ignora isso, mas o obriga a sofrer consequências para então permitir que ele tenha a chance de fazer as coisas direito. Mesmo quando é recompensado por ações imorais após o final da 2ª temporada, ele chega à conclusão de que estava errado o tempo todo e corrige seus erros na segunda metade da terceira temporada.

Agora, imagine se na terceira temporada, em vez de chegar em suas próprias conclusões sobre a Nação do Fogo e sua família ao longo de meia temporada e depois ter outra metade de uma temporada trabalhando com os mocinhos, Zuko se voltasse contra seu pai e irmã no final da série, somente porque ele se apaixonou por Katara, apenas para morrer em seu duelo contra Azula. Teria sido uma reviravolta interessante, mas nem de longe tão intrigante ou satisfatória quanto ver Zuko interagir com a gangue do Avatar, ensinar Aang, ajudar Katara a superar sua necessidade de vingança, fazer as pazes com Mai e eventualmente se tornar o líder que a Nação do Fogo precisava.

Redenção é uma coisa difícil de ganhar, mas é possível. A morte não deve ser um requisito ou um cumprimento automático. Se filmes e séries de TV realmente querem redimir um vilão, esse resgate precisa ser um processo construído em mais de apenas um episódio (seja TV ou filme) e um que mostre as verdadeiras profundidades de caráter do antagonista em questão.

Embora possa ser bem feito, em muitos casos, a morte por redenção acaba sendo um desperdício de um bom caráter e de um bom arco, ou a penitência problemática de pessoas que não fizeram nada para obter a verdadeira redenção.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

Leia também:

Filhinhos da mamãe: vilania, maternidade e masculinidade fraturada na cultura pop

Compartilhe: