O filme Vida de Inseto pode ser antigo, mas traz muitas coisas interessantes ao debate!

Vida de Inseto é uma animação da Disney em parceria com a Pixar que foi lançada em 1998, mas que, apesar de já fazer tanto tempo, ainda traz reflexões bem importantes sobre a sociedade em que vivemos.

Aparentemente, o filme fora baseado na famosa fábula de Esopo “A Cigarra e A Formiga”, mas para trazer mais vida à história, a equipe resolveu trocar a cigarra pelos malvados gafanhotos.

Para quem não se lembra da história, conhecemos uma colônia de formigas que precisam juntar comida para si próprias e, também, para uma gangue de gafanhotos, devido a uma série de ameaças de morte que estes fazem anualmente. Certa vez, Flik, aspirante a inventor, derruba acidentalmente no rio toda a oferenda para os gafanhotos e toda a colônia se mobiliza para juntar alimentos a tempo. Contudo, Flik se cansa dessa submissão aos gafanhotos e tenta encontrar uma forma de derrotá-los.

O enigma do colonialismo

Flik tem muitas ideias e invenções que ele acredita que irão melhorar a vida das formigas em sua colônia. Infelizmente, os líderes da colônia rejeitam suas sugestões porque vão contra o status quo, contra o que estão habituados (isso apesar do atual cenário de colher metade dos alimentos em sua ilha para dar aos gafanhotos cruéis e ameaçadores).

Depois de colocar toda a colônia em perigo mortal e ir atrás de insetos guerreiros para defendê-la, Flik acaba convencendo o resto das formigas de que o número tem força e, juntas, derrotam os gafanhotos.

Em sua essência, Vida de Inseto é uma história de colonialismo. Os gafanhotos colonizaram as formigas (cuja casa, inclusive, é chamada de colônia de formigas) por meio da violência e da força. Eles exigem metade da comida que as formigas coletam sem pagamento e regularmente ameaçam matar líderes e membros da colônia. Como os gafanhotos são os vilões, a animação conta a história de um grupo colonizado vencendo seus colonizadores.

Pode parecer um pouco estranho combater a tirania, mas continuar com uma família real, mas temos dois pontos relevantes. O primeiro é que esta é a forma biológica de vida das formigas, que vivem em colônia e em torno da formiga-rainha, e provavelmente a animação quis manter a estrutura para ter o mínimo de correspondência com a realidade. O segundo é a conclusão de que mesmo líderes podem ser submetidos a outras lideranças, sobretudo as tiranas e ameaçadoras, como é o caso.

vida de inseto

O capitalismo

Através das lentes econômicas de 2020, Vida de Inseto também é uma história de crítica ao capitalismo. No seu modo de vida atual, as formigas são a classe trabalhadora e entregam a maior parte da comida que recolhem aos gafanhotos. Hopper, o líder dos gafanhotos, é basicamente apenas uma versão mais assustadora e rastejante de alguns velhos ricos brancos donos de empresas que exploram seus funcionários, amoldando-se aos conceitos de mais-valia e exploração, trazidos por Marx. Percebam que todo o seu estilo de vida gira em torno do trabalho para os gafanhotos. Não há espaço para inovação, e toda formiga simplesmente trabalha até que, bem, morra.

Quando as formigas derrubam os gafanhotos, elas começam a viver em harmonia, encaixando-se perfeitamente no conceito de solidariedade mecânica trazido por Émile Durkheim, porque compartilham das mesmas noções e valores para a subsistência do grupo, solidificando uma coesão social, além da divisão de trabalho, típica das colônias de insetos.

É interessante pensar, contudo, que as formigas se renderam aos gafanhotos pelas ameaças, e acabaram se tornando submissas, tornando a dominação possível. Isso traz à tona um importante conceito de Weber sobre a dominação, já que esta pode ocorrer, também, pela manutenção de tradições, deixando o questionamento de lado. De fato, tudo começou com as ameaças, mas os gafanhotos sabiam, ao menos em tese, que as formigas, juntas, poderiam superá-las. Não é por outro motivo que o Hopper, em certo momento do filme, diz que se deixarem uma formiga se levantar contra os gafanhotos, todas irão. Porém, as formigas jamais fizeram esta reflexão e preferiram continuar com a tradição de colocar a comida na pedra, naquele exato dia, enquanto os gafanhotos mantinham a mesma tradição de ir buscá-la.

Também podemos verificar outros elementos relevantes desta exploração das formigas, como a alienação, que está bem presente naquele episódio em que elas se perdem na linha de produção porque caiu uma folha no meio do caminho e elas entram em pânico, precisando de ajuda para uma tarefa simples: contornar a folha.

A luta pela autonomia

Não podemos deixar de perceber que o tipo de dominação que a família real exerce sobre as formigas é legítima, porque estas a reconhecem como regentes e representantes de seus interesses, muito embora seja uma dominação tradicional, passada por gerações pelo nascimento (por outro lado, em muitas espécies de formigas, a rainha é justamente a formiga fértil, então todas as demais, em tese, seriam nascidas dela).

Mas isso não acontece com os gafanhotos. E, em um ponto do filme, alguns dos outros gafanhotos perguntam a Hopper se eles deveriam deixar as formigas em paz. É quando Hopper revela sua verdadeira motivação:

Deixem uma formiga nos desafiar, e aí todas vão começar a criar problemas. Essas lindas pequenas formigas estão em maior número do que nós. Se elas começarem a se tocar, acabou a nossa moleza! Não é por causa do rango, é pra manter as formigas na linha!

Assim, percebemos que os gafanhotos – em posições de poder que espalham ódio e exploram a classe trabalhadora das formigas – sabem o que estão fazendo. E as formigas conseguem sair disto só quando conseguem reconhecer seu valor. É até interessante ver a declaração poderosa de Flik para Hopper, na luta final:

Eu vi essas formigas fazerem coisas incríveis em todos esses anos, essas formigas conseguem pegar comida para elas e pros gafanhotos. Então, qual é a espécie mais fraca? Formigas não servem a vocês! São vocês quem precisam de nós! Somos muito mais fortes do que você diz que somos. 

Esse grito de guerra dá às formigas coragem para lutar por um mundo mais autônomo para elas e para as gerações futuras. É um farol de esperança.

VIDA DE INSETO


Texto traduzido e adaptado de Nerdist e deste artigo.

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